VERSOS DE SÃO MATEUS: jogo de tabuleiro enquanto material didático

FLH0421 – ENSINO DE HISTÓRIA: TEORIA E PRÁTICA

Prof.ª Antonia Terra de Calazans Fernandes

Mariana Gabriele da Silva Bras (14596512)

SEQUÊNCIA DIDÁTICA

 

VERSOS DE SÃO MATEUS: jogo de tabuleiro enquanto material didático

 

 A sequência didática a seguir apresenta o processo metodológico que encabeçou a criação e aplicação do jogo de tabuleiro “Versos de São Mateus”, feito pelo grupo de estudantes da licenciatura em História da USP e bolsistas do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID-USP) – o qual eu faço parte - atuantes na EMEF Forte dos Reis Magos, localizada no Jardim Rodolfo Pirani, em São Mateus, distrito da zona leste do município de São Paulo.

 É importante destacar que a metodologia a ser apresentada pode ser utilizada para criação de outros jogos de tabuleiro, norteados por outras temáticas históricas que não a história local de um bairro específico, como demonstrarei com o projeto do jogo “Descobrindo a Grécia Antiga”. Isto é, o jogo foi pensado para/e tem um caráter adaptável e transgeracional, podendo ser aplicado com estudantes de diferentes idades. Outrossim, mesmo com adaptações e sendo aplicado em diferentes cenários, segue carregando seus principais objetivos didáticos, que são: a promoção da interpretação textual, poética, iconográfica, a prática da escrita, o reconhecimento do território em questão e a troca de memórias, no caso base, sobre questões ambientais de São Mateus.

METODOLOGIA DE CRIAÇÃO E APLICAÇÃO DO JOGO

1° MOMENTO – Fase diagnóstica

 Com a finalidade de observarmos os conhecimentos prévios dos estudantes acerca do território onde residem, a fase diagnóstica poderá ser feita em uma aula de 50 minutos. Nela, os estudantes deverão responder ao professor o que e quais espaços eles costumam ver no caminho que fazem de suas casas até a escola. As respostas deverão ser coletadas em uma espécie de tabela, dividida entre “problemas ambientais” e “espaços sociais”. Todas essas informações carregam a função de caracterizar o tabuleiro com elementos significativos às crianças e que ao mesmo tempo, compõe o bairro onde moram, no caso São Mateus. Isto é, a fase diagnóstica se trata de um mapeamento do real que em momentos seguintes se transformará em um jogo de tabuleiro.

2° MOMENTO – Criação e montagem do jogo

Passo 1 – O tabuleiro

 Para criação e montagem do tabuleiro, o professor deverá delimitar o território a ser o mapa base do tabuleiro, no caso, utilizamos a na plataforma GEOSAMPA. Com a cartografia selecionada, deverá espalhar os espaços, características e problemas ambientais que os estudantes comentaram na fase diagnóstica pelo mapa, estabelecer regiões que serão pontos de partida e pontos de chegada para os avatares do jogo e traçar caminhos estratégicos que as conectam, no caso, utilizamos as principais avenidas do bairro.

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Figura 1: Mapa-tabuleiro criado e utilizado para o jogo “Versos de São Mateus” (Acervo pessoal).

 Está criado o ambiente base para o jogo, e a montagem física pode ser feita com a impressão colorida do mapa e a fixação das partes do tabuleiro em chapas de papelão paraná, conforme ilustrado a seguir:

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Figura 2: Foto do processo de montagem do jogo em questão. (Acervo pessoal)

Passo 2 - Os avatares e baralhos de cartas

 Durante a fase diagnóstica, notamos que alguns estudantes tinham diversos preconceitos com determinadas profissões, e as consideravam não dignas. Nesse cenário, selecionamos profissões características do território para serem possíveis profissões dos dois avatares que representarão as equipes jogadoras no tabuleiro, com a finalidade de tentar desmistificar esses preconceitos que circulam as salas de aula da escola e mostrar que todo trabalhador e morador do bairro é um sujeito histórico importante para a história local de São Mateus.

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Figura 3: Professor, diarista, pedreiro, gari, entregador e feirante são algumas das 18 profissões que compõe o baralho de “Cartas de profissões”. Cada equipe deverá escolher uma para caracterizar seu avatar. (Acervo pessoal)

 O jogo também é composto por outros dois baralhos: um de perguntas que remetem aos pins espalhados pelo mapa, e outro de fontes históricas sobre a história social e ambiental de São Mateus, cuidadosamente selecionadas pelos bolsistas PIBID, estas últimas, por sua vez, desencadeiam o desafio de escrita, que deverá ser resolvido para os estudantes pontuarem e avançarem em direção ao ponto de chegada. As cartas também podem ser impressas e plastificadas para um melhor manuseio por parte dos estudantes. Feitas as cartas, com dois avatares, uma ampulheta e uma campainha, o jogo está completo.

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Figura 4: Exemplo de carta de pergunta, fonte e desafio de escrita. (Acervo pessoal)

3° MOMENTO – Apresentação prévia da temática histórica e conteúdos a serem abordados no jogo.

 Antes de iniciar as rodadas do jogo, vale uma aula expositiva apresentando diferentes cartografias aos estudantes, junto à uma breve história do território e uma introdução da problemática a ser tratada para os alunos se familiarizarem com os conteúdos que envolvem o jogo. No caso, o professor apresentou uma síntese da história do bairro de São Mateus e a problemática do avanço do Aterro Sanitário São João, que deve ser combatida no jogo em questão e colocada em pauta na vida real também.

4° MOMENTO – Hora de jogar!

A dinâmica do jogo se dá da seguinte maneira:

1ª Etapa: Formam-se ao redor do tabuleiro duas equipes com 5 estudantes cada (10 estudantes jogando no total - 3 jogos para uma sala de 30 alunos).

2ª Etapa: Cada equipe escolhe o trabalhador que irá representá-la no tabuleiro, e o coloca no ponto de partida – pontos de partida e chegada são definidos através de um consenso entre as equipes.

3ª Etapa: Após um cara e coroa, a equipe que começará a rodada elege um representante, que deverá tirar a primeira carta do baralho de perguntas em relação ao pin e ler em voz alta

  • A pergunta remete à um lugar de São Mateus, ilustrado por um pin no mapa. Os alunos deverão encontrá-lo - dentro do tempo da ampulheta.
  • Caso o tempo acabe e nenhum aluno encontre, a outra equipe terá a chance de tirar uma nova carta de perguntas.

4ª Etapa: A equipe que achar que encontrou o pin primeiro, deverá tocar a campainha e responder instantaneamente, se acertar deverá retirar do baralho de fontes, um envelope contendo uma imagem/fonte e desafio correspondente ao pin.

  • Essa carta terá uma fonte (uma poesia, um trecho de jornal, uma memória, uma imagem). - Além de uma pontuação escrita.

5ª Etapa: Desafio - A equipe adversária, que não conseguiu encontrar o pin, terá em suas mãos uma ampulheta. Já a equipe com a fonte em mãos terá de cumprir o desafio de escrita:

  • Em pelo menos três linhas cheias dos papéis de anotação, no tempo estipulado pela ampulheta, devem escrever o que a fonte quer dizer/significa tomando algum pin como referência.

Cenário 1 - O desafio foi cumprido

com sucesso :)

Cenário 2 - A equipe não conseguiu

cumprir o desafio :(

O trabalhador avatar avança casas no tabuleiro. Começa uma nova rodada, e as equipes que retiram perguntas se alternam.

O trabalhador avatar NÃO avança casas no tabuleiro. Um representante da equipe adversária retira uma carta de perguntas e começa-se uma nova rodada.

Vence o jogo o trabalhador (a equipe) que chegar ao ponto de chegada primeiro, podendo ser o Parque do Carmo, Morro do Cruzeiro ou Parque Cabeceiras do Aricanduva. 

5° MOMENTO – Conclusão da sequência didática: análise das anotações e integração da discussão histórica

 Após as rodadas do jogo Versos de São Mateus, é fundamental realizar um momento estruturado de sistematização, no qual o professor orienta os estudantes a revisitar e analisar as anotações produzidas durante os desafios de escrita. Essa etapa tem dupla função: reforçar os conteúdos históricos abordados e permitir que os estudantes reflitam sobre sua própria forma de interpretar fontes, formular argumentos e reconhecer o território como construção histórica.

Passo 1 - Organização e leitura coletiva das anotações

 Cada equipe reúne seus papéis de anotação referentes aos desafios de escrita — textos produzidos a partir das fontes poéticas, iconográficas ou jornalísticas sorteadas. O professor solicita que selecionem trechos que considerem mais representativos de suas interpretações sobre os pins e sobre a problemática central (como, por exemplo, questões ambientais, memória local, relações de trabalho no bairro).

 Em roda, cada equipe lê em voz alta trechos escolhidos, explicando por que optaram por determinada interpretação ou qual aspecto da fonte lhes chamou mais atenção.

Passo 2 - Comparação entre interpretações e identificação de elementos históricos

 Com as leituras feitas, o professor conduz a turma a observar convergências, divergências e singularidades entre as interpretações. Esta comparação é uma oportunidade privilegiada para: retomar conteúdos históricos previamente apresentados (como o avanço do Aterro Sanitário São João, transformações urbanas do bairro, relação entre trabalho e território etc.); mostrar como as fontes carregam múltiplos sentidos, e como a leitura de cada equipe mobiliza diferentes aspectos do território; e evidenciar fatores de permanência, mudança e conflito, articulando as memórias locais à história ambiental e social de São Mateus.

CARÁTER ADAPTÁVEL DO JOGO – Exemplo seguindo a temática da Arqueologia Clássica

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Figura 5: Proposta de adaptação do jogo “Versos de São Mateus” para o jogo “Descobrindo a Grécia Antiga”. (Acervo pessoal).

 A adaptação do jogo Versos de São Mateus para a temática da Arqueologia da Grécia Antiga mantém a estrutura metodológica original, mas substitui seus elementos locais por componentes próprios do mundo grego. O tabuleiro deixa de representar o bairro de São Mateus e passa a ser um mapa das principais cidades-estado da Grécia Antiga. Nesse novo cenário, o percurso dos jogadores segue uma rota marítima que liga Troia a Atenas, passando por diferentes pólis que funcionam como pontos de parada e de desafio. As equipes devem navegar simbolicamente pelo mar Egeu, enfrentando situações interpretativas associadas à história e à cultura material grega.

 Os avatares, antes trabalhadores do cotidiano local, tornam-se agora atenienses e espartanos. Essa mudança não é apenas estética: ela permite que os estudantes explorem diferenças políticas, sociais e culturais entre as duas pólis mais emblemáticas do período clássico. Cada avatar pode representar um papel social característico — como comerciante, artesão ou sacerdote —, ampliando a compreensão das dinâmicas internas de Atenas e Esparta enquanto sociedades complexas.

 As cartas de fontes, que no jogo original eram compostas por poemas, imagens e memórias relacionadas ao bairro, transformam-se em artefatos arqueológicos encontrados em escavações. Esses itens podem incluir cerâmicas áticas, fragmentos de inscrições, peças de armamento, objetos domésticos ou plantas de templos. Cada carta apresenta a imagem e uma breve descrição do artefato, acompanhada de um desafio interpretativo. O objetivo é que os estudantes reflitam sobre o que aquele vestígio material revela acerca da vida cotidiana, das crenças religiosas, das práticas políticas ou das relações comerciais dos gregos antigos.

 Assim, o avanço no tabuleiro depende da capacidade de interpretação dos artefatos arqueológicos enquanto fonte histórica. Vence a equipe que conseguir conduzir seu avatar ao longo da rota marítima entre Troia e Atenas, cumprindo os desafios de escrita e demonstrando compreensão dos processos históricos associados às cidadesestado gregas.

 Dessa forma, o jogo se converte em um material didático flexível, que promove aprendizagem ativa ao aproximar os estudantes da Arqueologia da Grécia Antiga. Ele estimula a leitura crítica de fontes, a contextualização histórica dos objetos e a compreensão das dinâmicas políticas entre as pólis, mantendo o caráter lúdico e investigativo que caracteriza a proposta original.

Referencia
Graduandos