UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
[FLH-0421] ENSINO DE HISTÓRIA: TEORIA E PRÁTICA
Sequência Didática
As Representações e Atuações das Mulheres na Segunda Guerra Mundial
Alunos:
Anna Beatriz de Sousa Portela – Vespertino – Nº USP 12684799
Bruna Vilela de Almeida – Noturno – Nº USP 11881651
Gabriel Basso Felippe – Vespertino – Nº USP 12518441
João Victor Silvério de Assis Ribeiro de Oliveira – Vespertino – Nº USP 12518816
Micaela Tavares Nobemassa – Vespertino – N°USP 12517951
São Paulo
2º semestre de 2025
- Introdução
As narrativas sobre as grandes guerras do século XX foram, em grande medida, construídas a partir de perspectivas masculinas e associadas a elas, tanto pelas lideranças políticas, como pelos soldados presentes diretamente nos conflitos. Nesse cenário, a figura feminina é sub-representada, quando muito sendo relegadas na arte do cinema o papel de espectadoras ou na historiografia como números entre as vítimas. Isso se mantém mesmo com o conceito de Guerra Total, em que todos os esforços das nações, incluindo a sociedade civil, são voltados para o conflito. A partir desse pressuposto de participação efetiva e invisibilidade histórica, esta sequência didática propõe analisar a participação e o papel das mulheres no contexto da Segunda Guerra Mundial a partir de fontes diversas, contribuindo para a compreensão mais ampla da mobilização feminina ocorrida em diversas frentes do conflito.
A abordagem parte da constatação de que as representações históricas são construções sociais e políticas, e que, portanto, o apagamento das experiências femininas na guerra reflete disputas de poder e de memória. Tal perspectiva aproxima-se das reflexões de Michael Pollak (1989) sobre a memória e a identidade social, segundo as quais as lembranças coletivas são constantemente negociadas e atravessadas por hierarquias sociais e de gênero. O estudo da Segunda Guerra Mundial com enfoque em gênero também permite problematizar as relações de poder e a construção das diferenças sociais entre homens e mulheres. Essa leitura se insere num movimento mais amplo da história social e cultural contemporânea, atravessado por figuras importantes como Joan Scott (1990), que busca ampliar o olhar sobre o passado, incorporando vozes antes silenciadas.
Do ponto de vista do ensino de História, compreender o papel das mulheres nesse contexto possibilita trabalhar com o conceito de representação e com o uso de fontes históricas diversas, articulando-as a processos de construção de identidades e memórias coletivas conforme defende Circe Bittencourt (2018), para quem o ensino de História deve ir além da memorização de fatos, privilegiando a interpretação crítica e a compreensão da historicidade das narrativas. Dessa forma, esta sequência didática justifica-se não apenas pela relevância historiográfica do tema, mas também pelo potencial pedagógico de promover uma reflexão crítica sobre como a História é escrita, por quem e a partir de quais vozes, um exercício fundamental para a formação cidadã e para a valorização da diversidade no espaço escolar.
- Objetivos
Essa sequência didática é constituída sobre o papel das mulheres na Segunda Guerra Mundial a partir de uma perspectiva crítica e plural, podendo ser adaptada a diferentes níveis de ensino, conforme os conhecimentos prévios dos estudantes. Seus principais objetivos são analisar as diferentes formas de participação das mulheres na Segunda Guerra Mundial (19391945), discutindo como essas experiências desafiaram as narrativas tradicionais sobre a guerra e revelaram rupturas e permanências nas normas de gênero do período; e estimular a leitura crítica e comparada das fontes históricas, reconhecendo sua não neutralidade e a complexidade de narrativas que constroem. À vista disso, busca-se confrontar relatos oficiais/propagandísticos com as experiências pessoais e memórias, introduzindo os alunos metodologicamente à análise de documentos, à processos de permanência e ruptura e à identificação das disputas que envolvem a construção das memórias históricas. Além desses propósitos, pretende-se favorecer o desenvolvimento do pensamento histórico e crítico, aproximando o estudante das práticas de investigação e interpretação próprias da disciplina, conforme defendem Circe Bittencourt (2018) e Selva Guimarães Fonseca (2003). Nessa direção, as atividades propostas permitem relacionar as discussões sobre gênero e memória à valorização da diversidade de experiências humanas e à reflexão sobre como a História é escrita e representada.
- Metodologia
A proposta metodológica dessa sequência didática está fundamentada em uma perspectiva construtivista de ensino-aprendizagem, conforme discutido por Coll e Martín (1996) e Zabala (1996), na qual o aluno é compreendido como sujeito ativo do processo de construção do conhecimento histórico. Dessa forma, propõe-se trabalhar com a interpretação crítica e a análise comparada de fontes históricas de diferentes naturezas sobre o papel das mulheres na Segunda Guerra Mundial. Partimos da concepção de que o ensino de História deve favorecer a formação do pensamento histórico e crítico, aproximando os estudantes dos procedimentos próprios do historiador, como a análise, a interpretação e a comparação de fontes, tal como defendem Bittencourt (2018) e Fonseca (2003).
A proposta metodológica também se apoia nas reflexões de Antoni Zabala (1996), que, assim como Circe Bittencourt (2018), compreende o ensino de História como um processo ativo de construção de significados e não como mera transmissão de conteúdos. Segundo esses autores, a análise de documentos e imagens favorece a aprendizagem significativa ao permitir que o estudante atribua sentido próprio às fontes e às representações do passado. Assim, ao articular a interpretação de diferentes tipos de fontes e a mediação crítica do(a) professor(a), esta sequência didática busca promover o desenvolvimento das operações cognitivas importantes para reflexões históricas, aproximando o fazer escolar do modo como o historiador investiga e interpreta o passado, sem confundir a finalidade da escola com a pesquisa historiográfica.
Ademais, a sequência didática também é contemplada em práticas orientadas de leitura e escrita, uma vez que as questões propostas conduzem o estudante à organização de informações e produção de pequenos textos que o aproximam da escrita histórica escolar. Assim, seus correspondentes educativos correspondem ao desenvolvimento da leitura crítica de imagens e textos; identificação de intencionalidades e representações; comparação de diferentes tipos de documentos; produção de interpretações escritas; realização de síntese em textos breves; mobilização de vocabulário; e articulação das evidências das fontes para formulação de argumentos.
A atividade será realizada em duas aulas, as quais podem ser realizadas em sequência – o que se chama, comumente, de “dobradinha” – ou em diferentes momentos na semana, considerando a dinâmica das salas de aula e a necessidade de introdução de análise de fonte e da contextualização histórica. A disponibilidade das aulas não alterará os objetivos ou as estruturas da sequência, visto que ambos os exercícios são capazes de desenvolver a percepção crítica acerca do tema, trazendo diferentes perspectivas.
Dessa forma, na primeira aula propõe-se a realização de uma análise de duas imagens selecionadas sobre a Segunda Guerra Mundial, que serão conduzidas pelo(a) professor(a) por meio de perguntas norteadoras em um debate coletivo. Fundamenta-se na escolha de fontes visuais a compreensão de que as imagens, enquanto documentos históricos, favorecem a construção de análises interpretativas e ativam conhecimentos prévios. Alinhada à perspectiva construtivista, essa estratégia procura oferecer aos estudantes uma primeira aproximação sensível, crítica e situada no contexto bélico, permitindo que estabeleça conexões antes de avançar para fontes textuais mais extensas.
A leitura das imagens funciona como etapa introdutória de preparação para a leitura mais complexa dos documentos escritos, permitindo que os estudantes ampliem a interpretação na segunda etapa da sequência. Já a escolha da exposição dialogada se apresenta como um fechamento analítico dessa etapa, possibilitando que o(a) professor(a), no papel de mediador(a), amplie a compreensão dos alunos e instigue a participação reflexiva no processo de aprendizagem histórica.
Ademais, a análise das imagens inspira-se na abordagem iconográfica de Erwin Panofsky (2014), especialmente nos níveis pré-iconográfico e iconográfico, ao estimular os alunos a observarem atentamente os elementos visuais e a formularem interpretações iniciais sobre seus sentidos e contextos. Essa referência não é aplicada de modo técnico, mas como orientação geral para promoção de uma leitura crítica das representações visuais enquanto documentos históricos.
Já na segunda aula em sequência, os alunos serão divididos em quatro grupos, onde cada grupo receberá um conjunto de documentos acompanhado de questões norteadoras, que orientarão a leitura e a análise das fontes históricas. As perguntas norteadoras têm como objetivo serem instrumentos de mediação que ajudarão os estudantes a selecionar, organizar e construir sentidos históricos e interpretações a partir das fontes. Já a proposta metodológica para a organização dos grupos está fundamentada nas discussões trazidas por Coll e Martín (1996) e por Zabala (1996) ao enfatizarem a importância da aprendizagem colaborativa na construção do conhecimento. Em consonância, o manuseio de fontes históricas é uma abordagem que dialoga com as contribuições de Bittencourt (2018) e Fonseca (2003), ao defenderem o trabalho com diferentes tipos de fontes como meio de desenvolver o pensamento histórico e a leitura crítica dos documentos. Por fim, vale salientar que a organização dos grupos fica a critério do conhecimento do(a) professor(a) acerca das dinâmicas particulares da turma, mas recomenda-se fortemente a formação de grupos que possuam estudantes com diferentes níveis de leitura, fundamentando-se no princípio vygotskyano de aprendizagem mediada, onde o trabalho cooperativo favorece a aprendizagem entre pares.
No decorrer das duas aulas, o(a) professor(a) deve assumir o papel de mediador(a) do processo de aprendizagem por meio da organização e orientação em todo o processo, criando condições para que os estudantes formulem hipóteses e atribuam sentidos às fontes, sem fornecer respostas prontas. Já aos estudantes cabe a atribuição de agentes ativos que são incentivados a observarem, compararem, discutirem e argumentarem. Essa dinâmica tem como sua intencionalidade o deslocamento de um ensino de História de uma lógica transmissiva para uma prática investigativa, na qual os estudantes se aproximam dos procedimentos do historiador e promovem o desenvolvimento do pensamento crítico para compreensão das múltiplas formas pelas quais a experiência feminina na guerra foi representada e vivida.
A avaliação será processual e formativa, centrada na observação das participações durante os debates e na capacidade de articular diferentes fontes em uma interpretação crítica. Serão valorizadas a argumentação, a escuta e o respeito à diversidade de perspectivas. A opção por essa forma de avaliação tem como fundamento a compreensão de que a aprendizagem é composta por um percurso singular, não um resultado homogêneo. Desta forma, esse modelo se afasta de qualquer expectativa de resposta única, e se aproxima da valorização da construção coletiva do conhecimento, ao acompanhar a capacidade de articulação de diferentes fontes e a qualidade das argumentações, reconhecendo a diversidade de ritmos e formas de pensar dos estudantes.
Esta sequência didática utiliza de diferentes materiais curriculares que foram selecionados de acordo com suas potencialidades para promoção da leitura crítica das fontes e o desenvolvimento do pensamento histórico. Dessa forma, as fotografias iniciais são utilizadas para identificar conhecimento prévios e mobilizar hipóteses interpretativas, assim como os documentos textuais distribuídos aos grupos permitem a comparação entre diferentes perspectivas, discursos e experiências femininas durante a guerra. Para além, as orientações acerca do mapa, linha do tempo ou anotações na lousa no momento da reflexão dialogada cumprem o papel de situar espacialmente e temporalmente os acontecimentos. Já o uso de projeções, cópias impressas e perguntas norteadoras auxiliam na orientação e organização dos estudantes sem reduzir sua autonomia interpretativa.
Por fim, as interpretações produzidas deverão ser compartilhadas com uma apresentação oral, etapa considerada essencial para consolidação do aprendizado significativo, das conclusões de cada grupo para a turma. Com a socialização dos resultados, é possível que os estudantes confrontem suas interpretações com as dos colegas acerca das atuações e das representações sobre as mulheres na Segunda Guerra Mundial, exercitando a argumentação e a escuta ativa, como defendem Coll e Martín e Zabala ao enfatizarem o papel da interação e do diálogo na construção do conhecimento histórico.
Ao final, cada grupo deverá entregar um registro escrito com as reflexões que se deram da atividade, que corresponde a última pergunta inserida nas questões dos quatro grupos, para acompanhamento do(a) professor(a) no percurso de aprendizagem. A produção desse registro escrito em cada grupo, aproximando-se de procedimentos característicos da escrita em História, contribui para a prática de escrita e permite que os estudantes exerçam a síntese e articulem evidências.
- Sequência Didática
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- Primeira Aula:
4.1.1 Primeira Parte:
Duração: 15-20 minutos.
Em um primeiro momento de discussão com a sala, o(a) professor(a) deve expor a seguinte imagem no projetor (ou distribuir cópias impressas, caso não haja projetor disponível):

Magdeburgo, Alemanha (1940). Fonte: German Propaganda Archives
Antes de qualquer explicação sobre o conteúdo da fotografia, o(a) professor(a) orienta os estudantes a observarem a imagem por um momento de forma atenta para os detalhes, como vestimentas, expressões, objetos, disposição espacial e atividades representadas. O objetivo desse momento inicial se dá no estímulo à formação de hipóteses que permitam aos alunos construírem interpretações sobre o contexto social retratado antes de receberem qualquer informação contextual.
Após apresentá-la, deve-se realizar coletivamente perguntas aos alunos de cunho interpretativo e analítico, para que identifiquem o contexto social e espacial das imagens. A exemplo de perguntas como: “Que tipo de documento é esse?”, “Em qual lugar esse documento apresenta?”, “Vocês identificam qual é o período?”, “Conseguem reconhecer algum elemento comum?”, “Como parece ser a vida nesse lugar?”.
Aqui, cabe a intenção de identificar um registro fotográfico que retrate um tempo e um espaço dentro do contexto do conflito, mas sem, de fato, ilustrar um cenário de guerra; dessa forma, a reflexão leva o estudante a compreensão de que o cenário da Segunda Guerra Mundial também pode abarcar a vida cotidiana, já abrindo espaço para as discussões sobre o papel das mulheres, uma vez que elas surgem em diferentes contextos, especialmente o do trabalho, que é uma ação cotidiana.
Após esse primeiro momento de análise, que deve ser realizado entre cinco e dez minutos, um segundo registro fotográfico deve ser apresentado:

Tropas americanas em Carentan, Normandia (1941). Fonte: National Geographic
Em seguida, o(a) professor(a) deve apresentar a mesma proposta de reflexão coletiva em uma nova rodada, utilizando de perguntas direcionadas aos estudantes como: “O que vocês veem nesse documento?”; “Em qual contexto vocês pensam que esse registro fotográfico está inserido?”, “Onde vocês acham que esse registro foi feito?”, “Conseguem reconhecer algum elemento?”, “Qual visão social está representada nesta foto?”.
Em um debate reflexivo elaborado também de cinco a dez minutos, o registro fotográfico pode suscitar a compreensão do que é a guerra. Em comparação com a outra fotografia, apresenta como o cotidiano é reorganizado com um conflito militar, e busca refletir aos alunos como a sociedade se organiza a partir dessas ideias.
A comparação entre duas imagens constitui-se de uma ferramenta de grande importância pedagógica ao promover a mediação do conhecimento por meio da linguagem e da interação social. Dessa forma, os alunos são levados a formular argumentos para hipóteses e reconstrução de significados coletivamente, exercitando funções psicológicas superiores como a análise e a síntese. Nesse processo, espera-se que os estudantes assumam uma postura ativa de investigação que identifica evidências visuais e articula interpretações para dialogarem entre si através das fotografias. Ademais, cabe aqui ao papel do(a) professor(a) ser um(a) mediador(a) que orienta o olhar dos estudantes para elementos históricos nas representações visuais que possibilitam compreender as dinâmicas do contexto, tornando a análise um processo de construção compartilhada do conhecimento.
4.1.2. Segunda Parte:
Duração: 30 minutos.
Após as atividades iniciais, o(a) professor(a) deve conduzir uma apresentação do contexto geral da Segunda Guerra Mundial (1939-1945, periodização de Hobsbawm) e o conceito de Guerra Total (de Erich Ludendorff), atribuindo ênfase a como o conflito mobilizou não apenas frentes de batalha, mas também a sociedade civil, o trabalho industrial, os serviços de saúde e as estruturas do cotidiano.
É fundamental que o(a) professor(a) não deixe de enfatizar que a Segunda Guerra Mundial se constituiu como um conflito de grandes devastações que envolveu nações de todos os continentes, resultando em transformações profundas nas relações políticas, econômicas e sociais do século XX. Foi marcada pelo conceito de Guerra Total, no qual as estruturas civis e produtivas da sociedade foram mobilizadas em diferentes níveis para o esforço da guerra, e não somente os exércitos.
Deve-se salientar que em muitos países, especialmente nas grandes potências envolvidas, as fábricas civis foram transformadas em indústrias bélicas e a produção agrícola passou por uma reorganização para abastecimento das tropas, enquanto o cotidiano das populações se transformou com o racionamento de alimentos, a censura, a propaganda de guerra e o controle da informação. Também é importante destacar a dimensão política e ideológica do conflito, que foi marcado pela ascensão dos regimes totalitários e pelas alianças entre potências, somando-se a violência dirigida contra civis, minorias e grupos perseguidos, ampliou a intensidade e a escala da guerra. Nesse sentido, é necessário ampliar a compreensão de que a guerra ultrapassou os limites do campo de batalha e atingiu o cotidiano de muitas populações civis, revelando o conflito como uma experiência coletiva e global.
Sugere-se que essa segunda parte seja realizada em forma de exposição dialogada, com o apoio de um mapa-múndi projetado, uma linha do tempo ou alguns tópicos-chave anotados na lousa, de modo que a turma visualize a articulação entre os conceitos e as situações concretas, cabendo ao(a) professor(a) a escolha de qual método se conecta da melhor forma com sua turma. Dessa forma, deve-se retomar elementos já observados pelos estudantes nas imagens analisadas anteriormente, convidando-os a relacionar o que viram nas fotografias com esse panorama mais amplo. Ao ressaltar esses pontos, o(a) professor(a) oferece aos alunos as bases mínimas necessárias para que interpretem criticamente os documentos que serão analisados na sequência, favorecendo uma leitura histórica que reconheça a complexidade da guerra em diversos campos.
4.2. Segunda Aula:
Duração: 45-50 minutos.
Após uma primeira aula de reflexão e introdução das questões gerais, os alunos deverão ser divididos em quatro grupos, que receberão diferentes conjuntos de fontes históricas e/ou historiográficas e de questões para análise.
Grupo 1
Documento 1:
"Eu era atiradora de metralhadora. Matei tanta gente... (...) Mas até hoje não perdoei nada. E não vou perdoar... Ficava feliz quando via os prisioneiros alemães. Feliz com a situação lamentável em que estavam: trapos enrolados nos pés em vez de botas, trapos na cabeça... Atravessavam o vilarejo e pediam: 'Mãe, me dê pão. Um pouco de pão’... Fiquei surpresa de ver que os camponeses saíam das cabanas e davam um pedacinho de pão, uma batatinha... Os meninos corriam atrás da coluna e jogavam pedras... E as mulheres choravam... Acho que vivi duas vidas: uma como homem, outra como mulher..."
ALEKSIÉVITCH, Stetlana. A guerra não tem rosto de mulher. São Paulo: Companhia das Letras, 2016, p. 40.
Documento 2:
“Eu e minha filha estávamos nos aprontando para ir ao parque. Andar no carrossel. Como explicar para uma menina de seis anos o que eu faço? Pouco tempo atrás, ela me perguntou: "O que é guerra?". Como responder? Quero soltá-la nesse mundo com um coração terno, e ensino que não se pode arrancar uma flor sem motivo. Dá pena de esmagar uma joaninha, de arrancar a asinha de uma libélula. Como explicar a guerra a uma criança? Como explicar a morte? E responder à pergunta: por que lá matam? Matam até os pequenos, como ela. Nós, os adultos, formamos uma espécie de complô. Entendemos do que se trata. Mas e as crianças? Depois da guerra, meus pais me explicaram de alguma forma, mas eu não consigo explicar para minha filha. Encontrar as palavras. Gostamos cada vez menos da guerra, é cada vez mais difícil encontrar uma justificativa para ela. Para nós já é apenas uma matança. Ao menos para mim.”
ALEKSIÉVITCH, Stetlana. A guerra não tem rosto de mulher. São Paulo: Companhia das Letras, 2016, p.19.
Questões
A escritora Stetlana Aleksiévitch entrevistou mulheres russas que viveram a guerra. Leia os textos que ela transcreveu das memórias dessas mulheres.
- Escreva uma frase identificando quais acontecimentos elas viveram, que marcaram suas memórias.
- Escreva uma frase contando o que mais marcou você nos relatos dessas mulheres.
- Escreva uma frase explicando o que uma delas quis dizer com a frase “Acho que vivi duas vidas: uma como homem, outra como mulher...”.
- Escreva uma frase explicando como as memórias das mulheres estão relacionadas com os textos e imagens dos documentos 1 e 2, lidos antes por você.
- Escreva uma frase sobre o que gostaria mais de saber sobre esses acontecimentos relatados nas memórias dessas mulheres.
- Escreva um texto de até 10 linhas que resuma o que você aprendeu nessa atividade para apresentar para a sala.
Grupo 2
Documento 1:
Meu pai tinha trinta e seis anos quando conheceu minha mãe, que na ocasião contava vinte e cinco. Margot, minha irmã, nasceu em 1926, em Frankfurt. A 12 de junho de 1929, nasci eu, e, como somos judeus, emigramos para a Holanda em 1933 (...).
O resto de nossa família, entretanto, sofreu todo o impacto das leis antissemitas de
Hitler, enchendo nossa vida de angústias. Em 1938, depois dos pogroms, meus dois tios (irmãos de minha mãe) fugiram para os Estados Unidos. Minha avó, já contando setenta e três anos, veio morar conosco. Depois de maio de 1940, os bons tempos se acabaram: primeiro a guerra, depois a capitulação, seguida da chegada dos alemães. Foi então que, realmente, principiaram os sofrimentos dos judeus. Decretos antissemitas surgiam, uns após outros, em rápida sucessão. Os judeus tinham de usar, bem à vista, uma estrela amarela; os judeus tinham de entregar suas bicicletas; os judeus não podiam andar de bonde; os judeus não podiam dirigir automóveis. Só lhes era permitido fazer compras das três às cinco e, mesmo assim, apenas em lojas que tivessem uma placa com os dizeres: loja israelita. Os judeus eram obrigados a se recolher a suas casas às oito da noite, e, depois dessa hora, não podiam sentar-se nem mesmo em seus próprios jardins. Os judeus não podiam frequentar teatros, cinemas e outros locais de diversão. Os judeus não podiam praticar esportes publicamente. Piscinas, quadras de tênis, campos de hóquei e outros locais para a prática de esportes eram-lhes terminantemente proibidos. Os judeus não podiam visitar os cristãos. Só podiam frequentar escolas judias, sofrendo ainda uma série de restrições semelhantes.
O Diário de Anne Frank de 12 de Junho de 1942 a 1 de Agosto de 1944.
Questões:
Leia os textos indicados e responda:
- O texto mostra várias regras impostas aos judeus. Se vocês tivessem de escolher uma palavra para resumir como era viver com tantas proibições, qual seria? Explique o porquê.
- No trecho, aparecem expressões como “os bons tempos se acabaram” e “principiaram os sofrimentos”. O que vocês acham que Anne quis dizer com essas frases?
- A estrela amarela funcionava como uma marca obrigatória de identidade. Hoje, vocês conhecem situações em que pessoas também são discriminadas ou separadas por algum sinal, roupa, cor ou símbolo? Faça uma comparação.
- Se você tivesse que escolher uma palavra ou frase que resuma a experiência descrita nesse trecho, qual seria? Explique o porquê da sua escolha.
- Imagine que vocês fossem amigos ou amigas de Anne Frank nessa época. O que você diria para ela em uma carta?
- Escreva um texto de até 10 linhas que resuma o que você aprendeu nessa atividade para apresentar para a sala.
Grupo 3
Documento 1:
Júbilo entre as enfermeiras expedicionárias pelas vitórias da F.E.B.
(...)
AS EXPEDICIONÁRIAS
Temos que dedicar palavras especiais à coragem dessas moças que abandonam os lares, o caminho da paz, para servir à Pátria na guerra.
São como nossos homens que lutam na Itália, heroínas do anti-facismo, heroínas da busca pela liberdade.
Os riscos que enfrentarão são iguais aos dos expedicionários. Estarão nos aviões transportando feridos, nos hospitais da frente, muito perto dos bombardeiros, sorrindo no meio do perigo, servindo de mãe e irmã. (...)
O Globo Expedicionário. Rio, 5 de outubro de 1944. p. 3.
Documento 2:

BARROS, Marcelo. Mulheres da FEB: a bravura feminina na Segunda Guerra Mundial. Defesa em Foco, 10 mar. 2025.
Questões:
Leia e observe os documentos e responda.
- Identifique o estilo de texto do primeiro documento.
- Observe a imagem e descreva com o máximo de informações.
- Aponte e registre as datas de publicação de cada documento.
- Sobre qual grupo os documentos se referem? Responda a partir de um trecho do texto.
- Em qual contexto histórico você acredita que este grupo está inserido? Justifique com base nos documentos apresentados e nas datas encontradas.
- Compare a representação das mulheres na imagem e no texto. Quais diferenças e semelhanças podemos apontar?
- Você conhecia este grupo? Escreva um texto de até 10 linhas que resuma o que você aprendeu nessa atividade para apresentar para a sala.
Grupo 4
Documento 1:
A Segunda Guerra Mundial mudou os Estados Unidos para as mulheres, e as mulheres, por sua vez, transformaram seu país. [...] Mais de sete milhões de mulheres que não trabalhavam antes da guerra se juntaram a outras onze milhões que já faziam parte da força de trabalho americana. Entre 1941 e 1945, um número incalculável mudou-se de suas cidades natais para aproveitar as oportunidades do período de guerra, mas muitas outras permaneceram onde estavam, organizando iniciativas no front doméstico para economizar recursos, fortalecer a moral, arrecadar fundos e ocupar os postos deixados pelos homens que ingressavam no serviço militar.
O governo dos Estados Unidos, em conjunto com o setor privado, orientou as mulheres em muitos aspectos e examinou cuidadosamente suas respostas à emergência da guerra. A mensagem principal dirigida a elas — de que suas atividades e sacrifícios seriam necessários apenas “enquanto durasse” a guerra — era ao mesmo tempo uma promessa e uma ordem, sugerindo que a guerra e as oportunidades criadas por ela terminariam simultaneamente. [...] No entanto, normas de gênero dominantes criavam mecanismos para manter a ordem social em meio a transformações rápidas, e quando algumas mulheres desafiaram essas normas, enfrentaram críticas severas. Raça, classe, sexualidade, idade, religião, educação e região de nascimento, entre outros fatores, se combinaram para limitar oportunidades para algumas mulheres, enquanto ampliavam para outras.
Por mais temporária e inédita que tenha sido a crise da guerra, as mulheres americanas descobriram que suas experiências individuais e coletivas entre 1941 e 1945 impediam um retorno à estrutura social e econômica anterior à guerra. Ao expandir e remodelar normas e papéis de gênero, a Segunda Guerra Mundial — e as mulheres que a viveram — lançou bases sólidas para os diversos movimentos por direitos civis que varreriam os Estados Unidos e capturariam a imaginação do país na segunda metade do século XX.
Melissa A. McEuen. Women, Gender, and World War II. 2016.
Documentos 2 e 3:

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“Faça o trabalho que ELE deixou para trás. Candidate-se.” – Serviço de Emprego dos Estados Unidos. Criação: Harris, R.G. / U.S. Government Printing Office, 1943. |
“Nós somos capazes de fazer”. Criação: Miller, J. Howard / Westinghouse Company’s War Production Coordinating Committee, 1942.
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Questões
Leia o texto e observe as imagens.
- O texto foi escrito por uma historiadora, que pesquisou as informações a respeito do tema tratado. Indique quais informações chamaram mais sua atenção no texto.
- Escreva uma frase explicando o que a frase do texto quis dizer com “A mensagem principal dirigida a elas [...] era ao mesmo tempo uma promessa e uma ordem, sugerindo que a guerra e as oportunidades criadas por ela terminariam simultaneamente”.
- Escreva, com suas palavras, o que você entende que esses posters querem comunicar, levando em consideração a data em que foram feitos, seus textos e as imagens.
- Compare o que aparece nos cartazes e no texto e escreva o que vocês perceberam de parecido ou diferente entre eles.
- Escreva uma frase explicando o que a frase do pôster quis dizer com a frase “Faça o trabalho que ELE deixou para trás. Candidate-se”.
- Escreva um texto de até 10 linhas que resuma o que você aprendeu nessa atividade para apresentar para a sala.
Após a análise realizada pelos grupos de seus respectivos conjuntos de documentos, os mesmos deverão realizar uma apresentação à turma sobre os resultados de suas discussões, com a interação final sendo realizada pelo(a) professor(a) para confrontar os conjuntos de fontes e permitir que os alunos identifiquem similaridades, contrastes e ausências entre as representações das mulheres durante a Segunda Guerra Mundial.
Ao relacionar essas fontes, os alunos poderão compreender que a participação feminina foi atuante de distintas maneiras, como nos exemplos das propagandas, que buscavam reforçar valores de obediência e patriotismo, enquanto os testemunhos de Anne Frank e das mulheres soviéticas revelam a experiência de violência e resistência, permitindo problematizar as disputas de memória que se formaram em torno do papel das mulheres na guerra, assim como a tentativa de invisibilização de suas histórias. Ou seja, a guerra não se deu somente como um evento militar, mas também como uma experiência social que transformou e envolveu profundamente a vida das mulheres em escalas globais.
Ao final da aula, cada grupo deverá entregar por escrito o registro de suas reflexões incorporadas nas respostas das questões propostas, consolidando o exercício de análise documental e de construção coletiva do conhecimento histórico.
Bibliografia
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: fundamentos e métodos. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2018.
COLL, César; MARTÍN, Elena. A aprendizagem e o ensino de conceitos, procedimentos e atitudes: uma concepção construtivista. In: COLL, César; MARTÍN, Elena (orgs.). O construtivismo em sala de aula. São Paulo: Ática, 1996.
FONSECA, Selva Guimarães. Didática e prática de ensino de História: experiências, reflexões e aprendizados. Campinas: Papirus, 2003.
PANOFSKY, Erwin. Significado nas artes visuais. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 2014.
POLLAK, Michael. Memória e identidade social. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 5, n. 10, p. 200–212, 1992.
VYGOTSKY, Lev S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. 7 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
ZABALA, Antoni. Os enfoques didáticos. In: COLL, César; MARTÍN, Elena (orgs.). O construtivismo em sala de aula. São Paulo: Ática, 1996.
Fontes
ALEKSIÉVITCH, Svetlana. A guerra não tem rosto de mulher. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.
BARROS, Marcelo. Mulheres da FEB: a bravura feminina na Segunda Guerra Mundial. Defesa em Foco, 10 mar. 2025.
Digital Public Library of America. Women in War Industry. EUA, c. 1941.
Fotos das tropas americanas em Carentan, Normandia, em agosto de 1941. Heritage Images; Keystone Archives (National Geographic).
FRANK, Anne. O diário de Anne Frank. Rio de Janeiro: Record, 1995.
HARRIS, R. G. “Faça o trabalho que ELE deixou para trás. Candidate-se.” U.S. Government Printing Office, 1943.
Magdeburg (1940). German Propaganda Archive: Calvin University.
MILLER, J. Howard. “We Can Do It!”. Westinghouse Company’s War Production Coordinating Committee, 1942.
O Globo Expedicionário. Rio de Janeiro, 5 de outubro de 1944, p. 3.
| Anexo | Size |
|---|---|
| Mulheres 2a Guerra - Sequência Didática - Ensino de História.pdf | 836.57 KB |