O RAP como aula de história não contada do Brasil

Universidade de São Paulo

Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas

Departamento de História

FLH 0421 – Ensino de História: Teoria e Pratica (2021) Prof.ª Dra. Antônia Terra Calazans Fernandes

Sequência Didática

O RAP como aula de história não contada do Brasil

Maria José Iachinski
Nº USP: 9337346

Introdução

Tema: O RAP como aula de história não contada do Brasil

Público Alvo: Ensino Médio.

Objetivos

Perceber os apagamentos históricos das contribuições da intelectualidade e da cultura não branca na história do Brasil;

Perceber as conexões entre o passado e o presente na vivência cotidiana da

sociedade brasileira;

Perceber que as diferenças de tratamento de gênero e raça na estrutura social do

Brasil tem raízes históricas;

Perceber o rap como um fenômeno histórico e como instrumento de resistência

política e social da população negra;

Analisar das estruturas raciais, de classe e de gênero através das letras de RAP.

Tempo Mínimo Necessário: 5 horas.

Metodologia

Nesta aula busca-se apresentar para o estudante as possibilidades de análise e entendimento da história e das estruturas sociais do Brasil através da musicalidade brasileira: o RAP.
Para que tal objetivo seja concluído, a aula será dividida em cinco partes:
1. No primeiro momento será apresentado o filme/documentário AmarElo – É Tudo

Pra Ontem, do Emicida, produzido pela Laboratório Fantasma e a Netflix;1

2. No segundo momento será aberto um debate com a turma, para que eles e elas possam expressar as suas opiniões e entendimentos acerca do filme. Para tanto, serão usadas algumas perguntas norteadoras que estão impressas no subtópico “segunda parte da aula”;
3. No terceiro momento serão montados grupos para que os estudantes tenham contato com alguns rappers brasileiros e suas respectivas letras. Por consequência
os alunos terão contato com documentos e poderão, através da discussão e dos

1 O filme/documentário pode ser acessado no streaming da Netflix.

seus conhecimentos prévios, fazer interpretações das canções e estabelecer conexões com o debate apresentado no item 1 e 2;
4. Na quarta parte os alunos apresentarão para a turma as suas impressões acerca das canções dadas para eles. Nesse momento, o ideal é que a turma possa ter acesso a todas as letras e possa surgir um debate acerca da historicidade das canções, suas relações com a história do Brasil e, por consequência, os debates acerca de classe, raça e gênero expressos nelas.
5. No quinto momento, o professor deve fazer uma conclusão das discussões apresentadas pelos estudantes. Estabelecer marcos temporais e históricos da ascensão do rap, relacionando com a cultura hip-hop e brasilidade embutida nele.

Primeira parte da aula

Neste momento da aula os estudantes devem assistir ao filme/documentário “AmarElo – É Tudo Pra Ontem” do cantor e compositor Emicida. O documentário tem cerca de 1 hora e 30 minutos. Se for possível, pedir para que os estudantes anotem os trechos ou aspectos que acharam mais interessantes ou relevantes.2

Segunda parte da aula

Após o filme/documentário, o professor ou professora deve perguntar para os estudantes o que eles acharam do documentário e quais são os comentários que gostariam de fazer a respeito dele.
Alguns aspectos são fundamentais e, por isso, algumas perguntas devem ser feitas para nortear do debate. São elas:3
1. Por que o Emicida escolheu o Teatro Municipal como palco do show de lançamento do disco AmarElo?
2. Por que o artista escolheu o mês de novembro para tal lançamento?
3. O Emicida, ao longo do filme/documentário, disserta que a escolha do Teatro
Municipal serve como um marcador do tempo. Por que ele usa essas palavras?
4. Por que o documentário é dividido em três partes: Plantar, Regar e Colher?

2 Seria interessante se houvesse a possibilidade de os alunos e alunas ouvirem o álbum AmarElo do cantor

Emicida antes da atividade. Tal direcionamento pode ser passado na aula anterior como dever de casa.

3 Importante salientar que o documentário é riquíssimo, o que significa que ele não se esgota nas perguntas apresentadas. Elas servem, apenas, como um fio condutor do debate para que os estudantes estabeleçam as conexões entre o passado e o presente através da música brasileira e dos agentes históricos que as protagonizaram.

5. Quais são as conexões entre o passado e o presente expressos pelo filme/documentário?
6. Num dado momento, Emicida chama a atenção para o uso da palavra interseccionalidade. De que forma isso foi apresentado no filme/documentário?
Todas as perguntas acima levantadas ajudam a construir um maior entendimento dos conceitos e das ideias apresentadas pelo documentário. Assim como permite que os alunos expressem os seus entendimentos e interpretações acerca dele.

Orientações para o professor: O documentário traz aspectos interessantes para pensar a construção da cidade de São Paulo, das periferias e da marginalização da população não branca para, entre outros aspectos, embasar a escolha do Teatro Municipal como espaço de estreia do álbum AmarElo.

As músicas do disco servem de fio condutor e aglutinador de discussões de questões muito profundas da história do Brasil e, particularmente, da história da população não branca. Nesse sentido, a narrativa busca engrandecer e tirar da invisibilidade a história de personalidades negras importantes para a intelectualidade e formação cultural brasileira. Nomes como Abdias Nascimento e Lélia Gonzales são citados no documentário, assim como parte da história do Movimento Negro Unificado (em que algumas pessoas do grupo estão presentes no show, quando Emicida canta o single “Pantera Negra”).
Dito isso, esse é um momento da aula importante para discutir conceitos como negritude e branquitude, apagamento histórico, resistência negra, estrutura racial brasileira, racismo, feminismo e interseccionalidade. Conceitos esses que estão presentes de forma direta no documentário e no cotidiano dos estudantes, fato que pode aproximar as discussões da vivência dos alunos e alunas e, por consequência, enriquecer o debate durante a aula.
Somado a esses fatores, o documentário faz uma narrativa não linear da história, demonstrado as conexões entre as gerações. De forma poética e metafórica, Emicida usa um ditado Yorubá “Exu matou um pássaro ontem, com uma pedra que só jogou hoje”, para expressar os diálogos e as conexões entre o passado e o presente. Aspecto esse que se relaciona com a escolha do Teatro Municipal como palco do lançamento do disco. Esse fator deve ser discutido em sala de aula para que os estudantes entendam que a história se materializa no cotidiano e que, assim como as pessoas ao longo da história foram
agentes históricos, eles também o são. Isso se torna importante como um norteador de pensamento crítico, de cidadania e de formação política dos adolescentes. Como outro aglutinador dessa argumentação, existe outra fala do Emicida que pode servir como ponto de partida para essa reflexão “Eu não sinto que eu vim, eu sinto que eu voltei”.
Por fim, o rap pode ser um ponto de partida para pensar questões da sociabilidade, da cultura e da voz da população periférica e não branca do Brasil. Aspectos esses que, além dos pontos já citados, estabelecem uma relação íntima com uma história oral, pois muitos dos MC’s estão narrando histórias reais que são compartilhadas por uma parcela significativa da população brasileira e que, portanto, encontram um ponto em comum.4

Terceira parte da aula

Neste momento da atividade, os alunos já tiveram uma discussão a respeito do documentário e os conceitos e entendimentos estão mais elaborados e direcionados. Agora eles devem ser divididos em grupos e fazer análises de músicas que lhe serão entregues. Abaixo é possível ter acesso a algumas sugestões de músicas que podem ser usadas na sala de aula.

Grupo 1

Ubuntu Fristilli - Emicida

Axé pra quem é de axé

Pra chegar bem vilão

Independente da sua fé

Música é nossa religião

Okay, okay, okay, okay, jow, seja forte

É nossa cara fazer a vida ser certa mais que a morte

Eu me refaço após cada passo, igual reflexo nas poças

Mandinga, coisa nossa

Eles não vão entender o que são riscos

E nem que nossos livros de história foram discos

Bamba, bamba, um bom samba, alguns petiscos

Ki-Suco rende dois litros, melhor que Frisco

Faz de conta que os racistas não perde a linha

Quando ergo a mão da filha dele sem armas nas minhas

Ruivas, morenas, pretas, divas, loirinhas

Doidas pra curtir quermesse de quebradinha

Onde um DJ comanda e manda, sabe o que faz

MCs são griozo, o mic é pros capaz toca

um "ré laifai for roc dérelai for roc, for roc"

E quebra tudo em paz, ou mais, arrepia agora

A África está nas crianças, e o mundo?

O mundo está por fora

Então saravá Ogum, saravá Xangô, saravá Saravá vovó,

saravá vovô, saravá Saravá mamãe, saravá papai, ô

De pele ou digital, tanto faz é tambô

Eu meto essa memo, eu posso

E 'tô pra ver, algo valer mais que um sorriso nosso

Graças ao quê, graças aos raps

Hoje eu ligo mais quebradas do que o Google Maps

Então respeite meus cabelos crespos, okay okay

Pronto, falei Pra chegar bem vilão (bem vilão)

Independente da sua fé Música é nossa religião

Axé pra quem é de axé

Pra chegar bem vilão Independente da sua fé

Música é nossa religião

Pra chegar bem vilão (é filho)

Independente da sua fé Música é nossa religião

Axé pra quem é de axé (com todo respeito)

Pra chegar bem vilão (na simplicidade)

Independente da sua fé Música é nossa religião

Mas fique esperto porque sonho é planejamento, investimento, meta.

Tem que ter pensamento, estratégia, tática.

Eu digo que sou sonhador, mas sonhador na prática.

'Tô ligado que a vida bate, 'tô ligado quanto ela dói.

Mas com a palavra me ergo e permaneço, porque a rua é nóiz.

Portanto, meu irmão, preste atenção no que vende o rádio, o jornal, a televisão.

Você quer o vinho, eles encarecem a rolha.

Deixa de ser bolha e abre o olho pra situação.

A palavra é a escolha, a escolha é a palavra, meu irmão.

Se liga aqui, são palavras de um homem preto, samurai, brasileiro, cafuzo, versador.

Com tambor de ideias pra disparar.

Não são palavras de otário, já te falei, escreve aí no seu diário.

Se eu sou dono do mundo, é porque é do sonho que eu sou milionário, falei, falou tudo.

 

4 Uma das músicas escolhidas para a terceira parte desta sequência didática, também do cantor e compositor Emicida, resgata essa ideia “Eles não vão entender o que são riscos e nem que os nossos livros de história foram discos”.

 

Orientações para o professor: Esta canção aborda, entre outros aspectos, a relação da fé, da cultura negra e do orgulho negro. Além disso, esboça o rap como um espaço de diálogo entre lugares distantes, fator que pode ser diretamente relacionado com o que foi feito na discussão da parte 2, avivências que podem ser narradas nas músicas e que, de alguma maneira, unem pessoas que não necessariamente se conhecem. Fator esse que tem raiz histórica e que se demonstra na vivência de jovens negros nos espaços de sociabilidade, sejam na periferia ou não.

 

Grupo 2

Cartão de Visita – Criolo

Acende um incenso de mirra francesa

Algodão fio 600

Toalha de mesa

Elegância no trato é o bolo da cereja

Guardanapos gold e agradável surpresa

Pra se sentir bem com seus convidados

Carros importados garantindo translados blindados

Seguranças fardados

De terno Armani, Loubutin os sapatos

Temos de galão, Dom Perignon Veuve

Clicquot pra lavar suas mãos

E pra seu cachorro de estimação

Garantimos um potinho com um pouco de Chandon

MC Lon 'tá portando VIP

Tássia tem um blog de fina estirpe

Pra dar um clima cult ofereço de brinde

Imãs de geladeira de Sartre e Nietzsche

Glitter glamour, La Mazon Criolê

O sistema exige perfil de TV

Desculpa se não me apresentei a você

Esse é meu cartão, trabalho no buffet

Acha que 'tá mamão, 'tá bom

'Tá uma festa

Menino no farol se humilha e detesta

Acha que 'tá bom

Não é não nem te afeta

 

Parcela no cartão

Essa gente indigesta

O governo estimula e o consumo acontece

Mamãe de todo mal a ignorância só cresce

FGV me ajude nessa prece

O salário mínimo com base no DIEESE

Em frente a shoppings marcar rolêzins

Debater sobre cotas, copas e afins

O opressor é omisso e o sistema é cupim

E se eu não existo, porque cobras de mim?

O mamão Papaya cassis)

Rum com (sorvete de Bis)

Patrício gosta e quem não quer ser feliz?

Pra garantir o patê dão até o edí

Era tudo mentira sonhei pra valer

Com você eu ali nós dois, CVT A alma flutua

Leite a criança quer beber

Lázaro alguém nos ajude a entender

Acha que 'tá mamão, 'tá bom

'Tá uma festa

Menino no farol se humilha e detesta

Acha que 'tá bom

Não é não nem te afeta

Parcela no cartão

Essa gente indigesta

Orientações para o professor: O Criolo costuma usar jogo de palavras e muitas metáforas para construir a sua narrativa. Nesta música em específico, temos a apresentação de um espaço elitizado (de uma forma satírica e de ostentação da burguesia brasileira) e, quando chegamos no refrão, descobrimos que a pessoa que está narrando é um dos trabalhadores do buffet. Nesta canção, os aspectos de raça e, principalmente, de classe podem ser enfatizados, pois o cantor faz esse contraste entre os grupos sociais, assim como faz menção ao Estado brasileiro e ao sistema capitalista. Todos esses pontos podem ser discutidos em relação com os estudantes, pois também estão estruturantes da sociedade

brasileira e, portanto, possuem raízes históricas.

 

 

Grupo 3

 

Um Bom Lugar – Sabotage

 

Sou Sabotage, um bom lugar

Se constrói com humildade, é bom lembrar

Aqui é o mano Sabotage

Vou seguir sem pilantragem, vou honrar, provar

No Brooklyn, 'to sempre ali

Pois vou seguir, com Deus enfim

Não sei qual que é, se me vê dão ré

Trinta caras a pé, do Piolho vêm descendo lá na Conde, ferve

Pisca e clack, enlouquece, breck

Só de arma pesada, inferno em massa

Vem violentando a minha quebrada, basta

Eu registrei, vim cobrar, sangue bom

Boa ideia quem tem, não vai tirar a ninguém

Meditei, mandando um som com os irmãos da Fundão

Volta ao Canão se os homens vim

Disfarça o grandão

RAP é o som

Embora lá no morro, só louco

A união não tem fim

Vai moscar, se envolve jão

Já viu seus pivetes dizer que RAP quer curtir

O beat fortalece, nunca esquece

Quem conclui é o mestre, basta

Que longe for, bem como tolo poupo, pra conseguir forte dor

Tem que depor e não voltar, sujou

Bem vindo ao inferno, aqui é raro, eu falo sério

Pecados anticristos e mortal patifaria, aí meu

Vai batalhar, tenta a sorte, seja forte

Só o destino aqui resolve

Pauleca, Bulinho, só saudades

Fez da vida por aqui de mente erguida

Sem mentira, com malícia, me passou lição de vida

Um bom lugar

Se constrói com humildade, é bom lembrar

Aqui é o mano Sabotage

Vou seguir sem pilantragem, vou honrar, provar

No Brooklyn, tô sempre ali

Pois vou seguir, com Deus enfim

Três cara simples

Gostavam mais de ouvir e aprender

Até que fatalidades com certeza e é o seguinte

Sempre assim, maquiavélico, maldade se percebe aqui

Cuidado é falsidade estopim

Dois mil graus

É ser sobrevivente

E nunca ser fã de canalha

A luta nunca vale a experiência

É Santo Amaro a Pirituba o pobre sofre, mas vive

A chave é ter sempre resposta àquele que inflige

A lei na blitz, pobre tratado como um cafajeste

Nem sempre polícia aqui respeita alguém

Em casa invade, a soco ou fala baixo ou você sabe

Maldade, uma mentira deles, dez verdades

Momentos oculares é respeito

Estilo um cofre

Só leva os fortes

Filhos do vento, um super homem

Lá, cada vez tem um largado atrás do poste

Quando inflama, é capaz de denunciar o irmão pros homens

Fuja, se jogue, o vaps não se envolve

Anda só, na sul respeito é lei 'tá bem melhor

Tipo madeira, estilingue

Exige uma forquilha

RAP é mili dia, um integrante da família

Com uma ideia fixa

Que atinge a maioria, que ainda acredita

No plano B, periferia

Hoje quem pratica

'Tá ligado que é o que liga

Porque vira, vira, vira

Do ano 2000 pra frente

Homens do passado pensando no futuro, vivendo no presente

Há três tipos de gente

Os que imaginam o que acontece

Os que não sabem o que acontece

E nós que faz acontecer

O bolo, guacê

Unidos a gente fica em pé

Dividido a gente cai

Quem falha cai

Um biribaibaibai

A colaboração do som é a carta na mesa

Aqui rima: Black Alien, Sandrão, Helião, Sabotage

À vontade na balada desde ontem à tarde

Habilidade é o Álibi

No beat, Ganjaman, Zé Gonzales

Quem 'tá no erro sabe Cocaína no avião da FAB

Ninguém vai deter o poder

 

O crime, de lá crime de Niterói-SP Phd em THC no país de FHC

Dream Team da rima, essa união me dá alta estima

Mestre das armas do microfone à esgrima

Vê se me entende, o estudante aprende

O professor ensina

O verbo que fortalece como vitamina

Contamina, na nova velha escola

Como o vírus ebola Beach (rebola)

Se liga na fita, danados, otários estão maquinados no morro

Pelo que falaram podem atirar, depois prestarem também um socorro

Mas abre o olho, o cara piolho é sempre um mano dos nossos

Inimigo meu tem Astra, Barca, Blazer e também tem moto

É Zona Sul Canão, meu bairro, pilotei não deixei rastro

Comentário forjaram dois Ipanemas no bafo

Mas no bairro eu pego meu fino, na fé vinha vindo, na fé vou seguir

Deus que me livre na mira dos tiras

Meu nego, não fico, não brinco, nem mosco

Medo, só vejo destroço do pobre que acorda com ódio

Longe do céu não pode ser réu, quem vem das ruas não joga fácil

Se o Trinity nasceu aqui, viveu no

Brooklyn, quero ver mais

Eu quero todos ver os manos sim

É, mas se for pra trocar ideia com os mano até é melhor pra mim

Osasco é considerado aceita um jasc em

Santo Antônio ali

Se colar ali Anderson franja na linha de frente

Foi bom fumar um do bom com atlético casa cheia

Bate cabeça faz presença e diferença

E representa o que é feliz vários mano tudo de fé, irmão do Xis

É o que diz que os mano pou e as mina pá

Vamu agitar, vagabundo do segundo do A

Vem pra trincar, só o pó

Rolou também um dance tipo preto louco assim

Queda uma de horror me dá um cigarro, por favor

Mas que calor o suor desce a gente esquece o que sucede

Os truta tudo da hora não demora dão uma mola e curte o RAP

Compromete vários manos que dançando break

Roda no meio da gente, entende, é atraente

Isso é lição pra mim como inspiração importante sim

Não é qualquer que segue em frente e dança um bom break

Rzo é nossa sigla representa tudo que eu vejo

O grafite na parede já defende algum direito, daquele jeito

Assim que é tem que por fé, não de ré

Bota fé no que é, não nos mané

Eu vejo a correria todo dia quem

acredita não é de hoje

Na São Bento eu me lembro, eu assistia não resistia

Voltava rimando no busão igual computador tututututu

Um bom lugar

Se constrói com humildade é bom lembrar

Aqui é o mano Sabotage

Vou seguir sem pilantragem, vou honrar, provar

No Brooklyn, tô sempre ali

Pois vou seguir, com Deus enfim

Sobreviver no inferno

A obsessão é alternativa

Eu quero o lado certo

Brooklyn, Sul, paz eu quero, prospero

Eu vejo um fim pro abandono

Deixa rolando, ninguém aqui nasceu com dono

Então mas por enquanto, eu vejo muita mãe chorando

Alguns parando, trampando ou se recuperando

Do eterno sono

Tipo Rafinha e o Adriano

Milagre em dobro

O livramento vem pros manos

Tem que ter fé aqui sim, tem que insistir

Humilde, só assim para progredir enfim

Quero juntar assim com os manos

E protestar o preconceito daquele jeito

Eu sei que vou traçar os planos

Cantar pras minas e os manos

Eu não me escondo

Eu me emociono

Me levantando como deve ser

Lá vem polícia

Sai da pista, hasta la vista, baby

Andar de monte a chave a cara é ter Deus em mente

Longe daquela e dois pente

Há quem não precise

Entende, Sonic e Cyclone, ágil, ouriço e resistente

Brooklyn, Sul, Canão

Sobrevivente Age, age, age

Sou Sabotage Um bom lugar

Lugar, lugar, lugar, lugar Um bom lugar, ha, ha ha, ha Um bom lugar, lugar

Ha, ha, ha

Orientações para o professor: Esta canção dialoga com os pontos citados nas outras canções, como a questão racial e de classe, mas também aborda parte do cotidiano da periferia, como a ação policial, por exemplo. Além disso, esboça aspectos de temporalidade dos cantores e, portanto, como o rap se torna um lugar de resistência e de voz da periferia. Como está sendo abordado de forma mais direta a periferia e seus espaços de sociabilidade, é possível fazer menção a construção histórica desses espaços na cidade de São Paulo, narrado no documentário. Com o crescimento da cidade, a população pobre e negra, passou a morar nos lugares mais distantes do centro, espaços

esses marcados pela desigualdade social.

Grupo 4

Negro Drama – Racionais MC’s

Negro drama, entre o sucesso e a lama

Dinheiro, problemas, invejas, luxo, fama

Negro drama, cabelo crespo e a pele escura

A ferida, a chaga, à procura da cura

Negro drama, tenta ver e não vê nada

A não ser uma estrela, longe, meio ofuscada

Sente o drama, o preço, a cobrança

No amor, no ódio, a insana vingança

Negro drama, eu sei quem trama e quem tá comigo

O trauma que eu carrego pra não ser mais um preto fudido

O drama da cadeia e favela

Túmulo, sangue, sirene, choros e velas

Passageiro do Brasil, São Paulo, agonia

Que sobrevivem em meio às honras e covardias

Periferias, vielas, cortiços

Você deve tá pensando: O que você tem a ver com isso?

Desde o início por ouro e prata

Olha quem morre, então veja você quem mata

Recebe o mérito, a farda que pratica o mal

Me ver pobre, preso ou morto já é cultural

Histórias, registros e escritos

Não é conto, nem fábula, lenda ou mito

Não foi sempre dito que preto não tem vez?

Então, olha o castelo e não foi você quem fez, cuzão

Eu sou irmão dos meus truta de batalha

Eu era a carne, agora sou a própria navalha

Tin-tin, um brinde pra mim

Sou exemplo de vitórias, trajetos e glórias

O dinheiro tira um homem da miséria

Mas não pode arrancar de dentro dele a favela

São poucos que entram em campo pra vencer

A alma guarda o que a mente tenta esquecer

Olho pra trás, vejo a estrada que eu trilhei, mó cota

Quem teve lado a lado e quem só ficou na bota

Entre as frases, fases e várias etapas

Do quem é quem, dos mano e das mina fraca

Negro drama de estilo

Pra ser e se for, tem que ser, se temer é milho

Entre o gatilho e a tempestade

Sempre a provar que sou homem e não um covarde

Que Deus me guarde pois eu sei que ele não é neutro

Vigia os rico, mas ama os que vem do gueto

Eu visto preto por dentro e por fora Guerreiro, poeta, entre o tempo e a memória

Ora, nessa história vejo dólar e vários quilates

Falo pro mano que não morra e também não mate

O tic-tac não espera, veja o ponteiro Essa estrada é

venenosa e cheia de morteiro

Pesadelo é um elogio

Pra quem vive na guerra, a paz nunca existiu

Num clima quente, a minha gente sua frio

Vi um pretinho, seu caderno era um fuzil

Um fuzil Negro drama

Crime, futebol, música, carai

Eu também não consegui fugir disso aí

Eu sou mais um

Forrest Gump é mato

Eu prefiro contar uma história real

Vou contar a minha

Daria um filme

Uma negra e uma criança nos braços

Solitária na floresta de concreto e aço

Veja, olha outra vez o rosto na multidão

A multidão é um monstro, sem rosto e coração

Ei, São Paulo, terra de arranha-céu

A garoa rasga a carne, é a Torre de Babel

 

Família brasileira, dois contra o mundo

Mãe solteira de um promissor vagabundo

Luz, câmera e ação, gravando a cena vai

Um bastardo, mais um filho pardo, sem pai

Ei, senhor de engenho, eu sei bem quem você é

Sozinho cê num guenta, sozinho cê num entra a pé

Cê disse que era bom e as favela ouviu

Lá também tem whisky, Red Bull, tênis Nike e fuzil

Admito, seus carro é bonito

É, eu não sei fazer

Internet, videocassete, os carro loco

Atrasado, eu tô um pouco sim

Tô, eu acho

Só que tem que, seu jogo é sujo e eu não me encaixo

Eu sou problema de montão, de

Carnaval a Carnaval

Eu vim da selva, sou leão, sou demais pro seu quintal

Problema com escola, eu tenho mil, mil fita

Inacreditável, mas seu filho me imita

No meio de vocês ele é o mais esperto

Ginga e fala gíria; gíria não, dialeto

Esse não é mais seu, ó, subiu

Entrei pelo seu rádio, tomei, cê nem viu

Nóis é isso ou aquilo, o quê? Cê não dizia?

Seu filho quer ser preto, há, que ironia

Cola o pôster do 2Pac aí, que tal? Que cê diz?

Sente o negro drama, vai tenta ser feliz

Ei bacana, quem te fez tão bom assim?

O que cê deu, o que cê faz, o que cê fez por mim?

Eu recebi seu tic, quer dizer kit

De esgoto a céu aberto e parede madeirite

De vergonha eu não morri, to firmão, eis-me aqui

Você, não, cê não passa quando o mar vermelho abrir

Eu sou o mano, homem duro, do gueto, Brown, Obá

Aquele louco que não pode errar

Aquele que você odeia amar nesse instante

Pele parda e ouço funk

E de onde vem os diamantes? Da lama

Valeu mãe, negro drama

Drama, drama, drama

Aê, na época dos barracos de pau lá na

Pedreira, onde cês tavam?

Que que cês deram por mim? Que que cês fizeram por mim?

Agora tá de olho no dinheiro que eu ganho

Agora tá de olho no carro que eu dirijo

Demorou, eu quero é mais, eu quero até sua alma

Aí, o rap fez eu ser o que sou

Ice Blue, Edy Rock e KL Jay e toda a família

E toda geração que faz o rap

A geração que revolucionou, a geração que vai revolucionar

Anos 90, Século 21, é desse jeito

Aê, você sai do gueto, mas o gueto nunca sai de você, morou irmão?

Cê tá dirigindo um carro

O mundo todo tá de olho em você, morou?

Sabe por quê? Pela sua origem, morou irmão?

É desse jeito que você vive, é o negro drama

Eu não li, eu não assisti

Eu vivo o negro drama, eu sou o negro drama

Eu sou o fruto do negro drama

Aí Dona Ana, sem palavras, a senhora é uma rainha, rainha

Mas aê, se tiver que voltar pra favela

Eu vou voltar de cabeça erguida Porque assim é que é

Renascendo das cinzas

Firme e forte, guerreiro de fé

Vagabundo nato

 

Orientações para o professor: Uma das músicas mais famosas do Racionais e que, com certeza, poderia ser usada em qualquer aula de história para esboçar diversos aspectos históricos, sociais e políticos da história brasileira. Os cantores, Edy Rock e Mano Brown, utilizam diversos marcadores para demonstrar o tempo, como o período colonial (marcado, entre outras coisas, pela exploração aurífera e escravidão). Somado a esses aspectos, a canção narra a realidade de jovens negros da periferia e, da mesma maneira que o documentário, expressa como a população negra construiu, de forma ativa, os espaços, prédios, monumentos, a cultura brasileira, etc. assim como expressa a desigualdade social e a cidade de São Paulo

Quarta parte da aula

Como dito anteriormente, na quarta parte da aula deve haver uma apresentação das impressões e interpretações das canções feitas pelos estudantes. Neste momento, seria interessante que todos os estudantes tivessem acesso as letras das canções e a própria música. A musicalidade das canções escolhidas tem nuances, são diferentes entre si, o que pode suscitar uma reflexão interessante aos alunos e alunas.5

Quinta parte da aula

A partir da discussão exposta na quarta parte da aula, neste momento o professor deve costurar toda a discussão e apresentar os conceitos norteadores da aula para que os objetivos da mesma sejam concluídos.

Orientações para o professor: Para que isso seja possível, o docente deve esclarecer que as canções, ao narrarem uma realidade que não é apenas subjetiva, estão entrelaçadas com fatores históricos. Nesse sentido, as letras retiram da invisibilidade uma gama de vivências que foram negligenciadas e apagadas ao longo da história. Esses aspectos da estrutura social do Brasil se relacionam diretamente com a escravidão e as formas com as

quais o Estado brasileiro lidou com os ex-escravizados e com a população não branca.

5 A ideia de apresentar a canção para todos, desta maneira, possibilita que toda a turma tenha um acesso mais profundo das canções. Assim, os grupos não ficam presos apenas nas canções dadas a eles e tem acesso a todas músicas discutidas em todos os grupos. Com a sonoridade, a letra também pode fazer ainda mais sentido para todos eles e isso pode tornar o debate mais rico.

Nesse sentido, também é possível perceber os aspectos que ligam o presente ao passado. Como forma de deixar isso mais palpável para os estudantes, é possível resgatar aspectos da história recente do Brasil, como as manchetes de jornal abaixo:
 

Imagem I

img01

Disponível em: https://g1.globo.com/pe/pernambuco/noticia/2020/06/05/caso-miguel- como-foi-a-morte-do-menino-que-caiu-do-9o-andar-de-predio-no-recife.ghtml
 

Imagem II

img02

Disponível em: https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2019/09/23/entenda-como- foi-a-morte-da-menina-agatha-no-complexo-do-alemao-zona-norte-do-rio.ghtml
 

Imagem III

img3

Disponível em: https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/caso-do-pedreiro- amarildo-completa-5-anos-e-familia-ainda-nao-foi-indenizada.ghtml

Imagem IV

img4
Disponível em: https://g1.globo.com/sp/campinas-regiao/noticia/2020/08/07/entregador- registra-boletim-de-ocorrencia-apos-sofrer-ofensas-racistas-em-condominio-de-
valinhos-video.ghtml

 

Todas essas manchetes, embora tratem de casos diferentes, estão demonstrando que o que foi narrado pelas músicas e pelos rappers faz parte de uma realidade da história do Brasil. Que a violência, a negligência do Estado, o racismo, o genocídio e as
desigualdades sociais são latentes na vida de pessoas negras, pobres e periféricas. Esses materiais podem ser usados como fontes primárias, assim como as canções, para um ponto de discussão mais ampla sobre as estruturas históricas acerca das questões de gênero, raça e de classe.

Filmografia

AMARELO – É TUDO PRA ONTEM. Fred Ouro Preto. São Paulo. Laboratório
Fantasma e Netflix. 2020. 89 minutos.

Bibliografia

GUIMARÃES, Maria E. Do samba ao rap: a música negra no Brasil. Tese (Doutorado). Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 1998.
SILVA, José C. Rap na cidade de São Paulo: música, etnicidade e experiência urbana. Tese (Doutorado). Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 1998.
TELLA, Marco A. Atitude, arte, cultura e autoconhecimento: o rap como voz da periferia. Dissertação (Mestrado). São Paulo: Pontifícia Universidade Católica, 2000.
ZABALA, Antoni. Os enfoques didáticos. In: COLL, César, MARTÍN, Elena… (org.). O

construtivismo em sala de aula. São Paulo: Ática, 1996, p. 153 - 196.

Referencia
Graduandos