A OUTRA REALIDADE DA GUERRA

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

JOSHUA DELMANTO SANTOS – 11252090

A OUTRA REALIDADE DA GUERRA

Sequência didática para a disciplina “Ensino da História: teoria e prática”, ministrada
pela professora Antonia Terra de Calazans Fernandes
SÃO PAULO
2021

Objetivos:

A temática da Primeira Guerra Mundial é um assunto de extrema importância para compreender a época contemporânea, um tema amplamente discutido e ensinado em todas as escolas do país. Mas, apesar disso, há uma grande problemática relacionado aos seus debates e seu ensino em sala de aula, normalmente seu estudo é voltado sempre para a mesma faceta: as batalhas, as estratégias, os fronts e as trincheiras. Grande parte dos documentários que passam na televisão, dos livros mais comentados e das aulas dadas sobre o tema, focam nisso, nessa realidade predominantemente masculina, pouco destaque se é dado para as pessoas que sofreram indiretamente com a guerra, como as mulheres. Pouco se fala de sua participação essencial na manutenção da produção e economia dos países europeus, uma vez que a mão de obra predominante, masculina, estava indo a guerra. Bem como pouco se fala sobre a luta diária que tinham em tentar manter a casa e levar alimentos para casa, pouco se é mostrado dessa outra realidade da guerra.


Portanto, o objetivo dessa sequência didática é proporcionar aos alunos uma visão dessa faceta da guerra, para que se tenham uma noção de como essa população que não foi para a guerra sofreu e se adaptou a mesma, além de tentar trazer também a discussão para a realidade do século XXI, conectando o passado e o presente. A ideia é que ela seja feita não ao final do tema da primeira guerra, mas sim no meio da temática para que assim seja mostrada de forma orgânica e não como deslocada, mostrada que ocorria ao mesmo tempo em que a guerra estava acontecendo. O aluno aqui terá participação ativa, não será apenas um mero receptor de informações.

Público-alvo

A ideia é que seja aplicada para alunos de nono ano do ensino fundamental II, uma vez que servirá para ir de encontro com a introdução do tema de Primeira Guerra, com os exercícios servindo mais para trabalhar a reflexão, imaginação e interpretação de texto.

Metodologia

O presente material foi pensado para ser dividido em 3 partes: uma atividade diagnóstica, uma atividade expositiva e por fim uma atividade que demandará uma
participação mais ativa dos alunos. Para a realização das atividades serão utilizados trechos de textos e fontes documentais visuais.

Atividade diagnóstica

Essa primeira atividade será designada para que os alunos a realizem em casa, servindo como uma introdução para o tema. Ela se utilizara de um fragmento do livro “Women and World War I” em que mostra um trecho de uma peça dos anos 20 sobre a perspectiva de vida de uma mulher durante a Primeira Guerra.

Após a leitura do texto o aluno deverá responder a algumas questões. Por se tratar de uma atividade diagnóstica a ideia é ser algo mais aberto para que os alunos utilizem sua interpretação de texto e imaginação, para mostrar sua visão sobre o tema, sem a necessidade de uma intervenção direta por parte do docente.

Texto: CARDINAL, Agnès – “Women on the Other Side”, In: Women and World War I. Londres: Insights, 1993, p. 41 (tradução própria)

“Em 1929, um teatro em Berlim foi palco de uma peça intitulada Frau Emma kämpft im Hinterland (Frau Emma luta atrás da Linha de Frente), da relativamente desconhecida dramaturga Ilse Langner. Foi o primeiro drama anti-guerra escrito por uma mulher a chegar ao palco e rendeu a autora fama e notoriedade instantâneas. A peça, ambientada no último ano da Guerra, quando o caos econômico e a fome tornavam a vida intolerável para a população alemã, mostra como as mulheres, deixadas sozinhas para enfrentar as condições de extrema dificuldade e isoladas de seus homens, começam a desenvolver formidáveis poderes de determinação e independência de pensamento. [...] Quando o marido de Emma retorna e anuncia com orgulho: ‘Defendemos a pátria contra todo o mundo!’, Emma retruca em rebelião total: ‘O que me importa o mundo inteiro ?! Tudo que me importa é meu filho, meu marido, minha casa. Estou lutando pela vida em si. Sim, somos nós, mães, que deveriamos decidir sobre as guerras! '(p.88).

Embora a peça tivesse certos succès de scandale na época, e alguns críticos reconhecessem a habilidade dramática de Langner, ela não foi, de modo geral, bem recebida pelo público em Berlim. [...] e a peça dela não voltou a ser encenada. ”

A partir da leitura do texto, responda as seguintes questões:


a) Fala-se no texto que apesar de considerada um sucesso, boa parte do público não recebeu bem a peça e ela nunca mais voltou a ser apresentada. Em sua opinião, qual o motivo para o público ter reagido dessa forma?
b) A guerra mudou a situação das mulheres de alguma forma? Se sim, de qual forma?
c) Para você, que papel as mulheres desempenhavam na sociedade durante o período da Primeira Guerra Mundial? Qual(is) considera que seria(m) seu(s) possível(is) trabalho(s)? Trabalhavam em casa ou em mais algum outro lugar?
d) A partir da sua resposta das questões b e c, escolha uma função que considerou que as mulheres desempenhavam e escreva uma curta história que tenha como personagem principal uma mulher durante o período da guerra.
O intuito dessa atividade é introduzir o aluno ao tema, dando certa liberdade criativa e trabalhando a interpretação, para dessa forma poder se ter uma noção quanto a visão deles sobre o tema nesse primeiro momento.

Atividade 2

Nessa segunda atividade, sugere-se que os alunos a façam em casa em um primeiro momento, mas que uma aula (40-50min) seja separada para que o docente peça a participação dos alunos para que exponham suas respostas para criar assim um debate de ideias na sala. Ao longo da aula sugere-se que o docente faça uma explicação expositiva sobre o tema, bem como responda as questões da atividade diagnóstica, caso considere que há necessidade para tal.

Imagem 1

Contexto: Uma operária de gás carregando uma retorta manualmente na South Metropolitan Gas Company, Old Kent Road, Londres, junho de 1918

Contexto: Uma operária de gás carregando uma retorta manualmente na South Metropolitan Gas Company, Old Kent Road, Londres, junho de 1918

Imagem 2
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Contexto: Na mesa de operação, um soldado ferido está recebendo clorofórmio antes de ser operado por cirurgiões britânicas no Hotel Claridge, em Paris. O clorofórmio está sendo administrado pela cirurgiã responsável, Dra. Flora Murray (figura sentada, vista de trás), e ela é assistida pela Dra. Majorie Blandy (à direita). Ambas são membros do Women's Hospital Corps.

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Contexto: Operárias de munição operando roldanas para mover projéteis acabados para fora de uma fábrica em um local não revelado.

Imagem 4:


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Contexto: Mulheres trabalhando no campo – Julho, 1917

Texto 1: ABREU, Denise Borille de. Narrativas femininas britânicas da Primeira Guerra: perspectivas da evolução e representação de papéis sociais femininos no Século XX. História: Debates e Tendências, Passo Fundo, v. 14, n. 2, jul./dez. p.405


“Apesar da escala de destruição em massa, a Primeira Guerra trouxe oportunidades de trabalho sem precedentes para as mulheres. Em The First World War (2002), o historiador Keith Robbins nos lembra da inserção significativa das mulheres na força de trabalho durante os anos da guerra e apresenta dados que demonstram como o número de mulheres trabalhadores oscilou em uma escala comparativa, desde 1914 até os quatro anos que se seguiram:

Havia, por exemplo, 125 mulheres trabalhando em Woolwich Arsenal em 1914 e 25.000 em julho de 1917. Três milhõs e um quarto de mulheres britânicas foram contratadas em julho de 1914 e um pouco menos de 5 milhões ao final da guerra – sendo a expansão mais rápida nos anos intermediários. Na França, até o final de 1918 meio milhão de mulheres estavam trabalhando diretamente nas indústrias de guerra e cerca de 150.000 ocupavam posições auxiliares de secretaria e outras no exército. Ambos os números representavam uma grande mudança, tendo em vista a posição em 1914 (ROBBINS, 2002, p.155, tradução minha).

Robbins destaca, no entanto, que os trabalhos das mulheres eram considerados mal remunerados em comparação com os homens. Os salários mais baixos das mulheres promoveram debate social na Inglaterra e “levantaram perguntas embaraçosas sobre a igualdade de remuneração, e os sindicalistas, ao contrário dos patrões, não acharam isso nem um pouco agradável” (2002, p.161, tradução minha) “

Texto 2: BOCK, Gisela – Women in European History. Oxford: Blackwell publishers, 2002. p. 175 (tradução própria)


“Vinte e sete milhões de homens foram recrutados durante a Primeira Guerra Mundial na Grã-Bretanha, França e Alemanha; na Rússia, havia mais de dez milhões de soldados. Na França, 60% da população trabalhadora masculina foi para o exército, o que torna o trabalho feminino ainda mais importante. O emprego feminino cresceu de forma mais dramática na Grã-Bretanha, onde era relativamente baixo; o aumento foi menos drástico na França e na Alemanha, onde havia uma maior taxa de emprego feminino (especialmente se a agricultura for levada em consideração, que era significativa em tempos de guerra e paz). Por toda parte, muitas mulheres que haviam trabalhado principalmente nas áreas femininas de serviço doméstico e agricultura ingressaram em profissões industriais pela primeira vez, principalmente na indústria de armamentos. [...] Muitas mulheres trabalharam para sua independência, mas uma proporção muito maior assumiu o emprego para sustentar suas famílias, como havia acontecido antes. Mais significativo, no entanto, foi a diversificação do trabalho feminino, especialmente para a opinião pública, que o viu como o colapso da ordem de gênero tradicional, e a óbvia, embora relativa, ascensão social de uma minoria feminina. [...] O número de enfermeiras cresceu enormemente[...]. ”

 

Texto 3: NEVES, Helena. Mulheres na Primeira Guerra Mundial: Mudança e Permanências. ResPublica. p. 79

“A partir de 1915, a crescente partida dos homens dos países beligerantes ameaça paralisar a economia já em crise. A generalização de uma economia de mera subsistência, a escassez de gêneros e de produtos em todos os setores, o desemprego e a pauperização da população, particularmente feminina e infantil, apesar dos subsídios de apoio governamental às famílias de mobilizados, colocam como urgente o incremento da produção, quer para acudir à penúria do país, quer para alimentar os homens nas trincheiras. Outra imposição que a guerra coloca é o investimento na indústria metalúrgica de armamento. Assim, o prosseguimento de uma guerra que, afinal, veio para ficar exige uma nova mobilização feminina, cujo ritmo e características variam de país para país [...] para as frentes de produção e serviços, ocupando, mesmo, postos de trabalho tido como inconvenientes à feminil natureza. 
Em França, o facto da primeira mobilização de homens para a guerra ocorrer no tempo das colheitas provocou o apelo do governo ao empenho feminino no trabalho nos campos, levando muitas mulheres de média e alta burguesia urbana a labutar ao lado das camponesas. [...]”

A partir das imagens e dos textos responda:
a) Relacione cada uma das imagens com trechos dos textos que parecerem mais apropriados.
b) Volte a sua atividade diagnóstica. Agora, sua imagem de trabalho, situação e função que as mulheres desempenharam no período de guerra, está em sintonia com as imagens e os textos mostrados? Caso não esteja, quais diferenças você notou entre elas?
c) Qual a razão que tornou necessária esse deslocamento de mão de obra feminina para esses outros campos? Por parte das mulheres, quais motivos que as motivaram a aproveitar essa oportunidade e entrar nesses novos campos?
d) Mesmo que necessária, esse deslocamento de mão de obra foi aceito de bom grado pela sociedade? As mulheres, por mais que essenciais, tiveram a mesma valorização do seu trabalho que teria um homem?
O objetivo desse exercício é mostrar para os alunos de forma didática, as funções que desempenharam as mulheres na primeira guerra, sua importância, e as repercussões que isso causou na época, bem como estimular o debate de ideias por parte dos alunos para se observar o nível de compreensão quanto ao que foi apresentado.

Atividade 3

Por fim, essa última atividade deve ser passada na aula anterior e ocupara o tempo de uma aula (40-50min).

A ideia é que o docente peça para que os alunos, agora que sabem um pouco das condições de trabalho das mulheres durante a primeira guerra, reúnam-se em grupos de 3-5 pessoas e pesquisem notícias e textos que respondam a seguinte pergunta:

Apesar do papel de destaque que desempenharam para o funcionamento dos países durante a Primeira Guerra Mundial, as mulheres recebiam salários bem menores do que os homens, mesmo que fizessem exatamente o mesmo trabalho, e em alguns casos até tendo uma carga horária bem maior de trabalho. Passados mais de 100 anos da Primeira Guerra, essa situação se manteve? Ainda há diferenças salariais e de oportunidades que permeiam o mundo do trabalho, nos dias de hoje? As mulheres têm as mesmas condições de trabalha que os homens? Pesquisem reportagens sobre o tema e preparem uma apresentação sobre o que aprenderam com a pesquisa.

No dia da aula, os alunos devem apresentar suas respostas e o docente a partir do que foi coletado pelos alunos, deverá conduzir a discussão sobre o assunto.
O objetivo dessa última atividade é incentivar os alunos na busca por informações, bem como aguçar sua percepção da realidade, ficando mais atentos as diferenças de gênero que existem ainda hoje no mundo do trabalho. Busca-se aqui conectar o tema das aulas com o presente, algo essencial a ser feito no ensino da História.

Considerações finais

Essa sequência busca mostrar aos alunos uma outra história não contada, de uma população muitas vezes esquecida e que teve papel fundamental durante a Primeira Grande Guerra, além de tentar fazê-los perceber problemas da atualidade que se alastram já há muito tempo.
A ideia é que eles estejam participando ativamente, de alguma forma, de todas as atividades evitando assim um papel de mero espectador por parte deles, tendo assim um trabalho em conjunto por parte do docente para a formação do conhecimento pelo aluno.

Anexos

Imagem 1: Disponível em < https://www.iwm.org.uk/collections/item/object/205265560
> Acesso em: 25/07/2021
Imagem 2: Disponível em < https://www.iwm.org.uk/collections/item/object/205350182
> Acesso em: 25/07/2021
Imagem 3: Disponível em < https://www.iwm.org.uk/collections/item/object/205352907
> Acesso em: 25/07/2021
Imagem 4: Disponível em < https://www.iwm.org.uk/collections/item/object/205287233
> Acesso em: 25/07/2021
Texto: ABREU, Denise Borille de. Narrativas femininas britânicas da Primeira Guerra: perspectivas da evolução e representação de papéis sociais femininos no Século XX. História: Debates e Tendências, Passo Fundo, v. 14, n. 2, jul./dez. p.
405: Disponível em: < http://seer.upf.br/index.php/rhdt/article/view/4580 > Acesso em: 27/07/2021

Sugestões de materiais para o docente

Women and World War I. Londres: Insights, 1993
ABREU, Denise Borille de. Narrativas femininas britânicas da Primeira Guerra: perspectivas da evolução e representação de papéis sociais femininos no Século XX. História: Debates e Tendências, Passo Fundo, v. 14, n. 2, jul./dez.
BOCK, Gisela – Women in European History. Oxford: Blackwell publishers, 2002.
NEVES, Helena. Mulheres na Primeira Guerra Mundial: Mudança e Permanências.

ResPublica, 2015.

Gender History in a Transnational Perspective Networks, Biographies, Gender
Orders. Oxford: Berghahn Books, 2014
OSORIO, Ana de Castro – A mulher heroica. Lisboa, 1916
ROBBINS, Kaith – The First World War. Oxford: Oxford University Press, 2002
https://www.iwm.org.uk/ - Site com um grande acervo de fotos tanto da Primeira quanto da Segunda Guerr
a Mundial.

Referencia
Graduandos
Anexo Tamanho
Sequência didática (2)(1).pdf 547.97 KB