Greve geral de 1917 e o gênero do operariado

USP - FFLCH Departamento de História
Ensino de História: Teoria e Prática
Professora: Antônia Terra

Aluna: Sofia Meulemans Belluomini Santos Número USP: 9336352
Turno: Noturno
Sequência Didática

Atividade: Greve geral de 1917 e o gênero do operariado

Proposta: A proposta é tratar da greve geral de 1917, seus participantes, suas causas, seu desenrolar, sua importância para os movimentos e organizações operárias e para a conquista de direitos trabalhistas. Dando ênfase para a participação feminina, muitas vezes invisibilizada no estudo de história.

Objetivo da atividade: Propor reflexões sobre a greve geral de 1917, greve de grande importância para o movimento operário no Brasil, dando destaque para as relações de gênero.

Idade: Ensino Médio

Abordagem histórica: A sequência privilegia a história das operárias e operários e as lutas por melhores condições de trabalho e vida; explicita as desigualdades sociais; apresenta parte da história brasileira dos homens, mulheres e crianças pobres, trabalhando nas fábricas paulistas, no início do século XX; destaca o problema da exclusão das mulheres da identidade proletária…

Introdução: A greve geral de 1917 contou com grande participação do operariado feminino, ainda assim pensamos o homem como categoria universal, explicativa de todo a classe operária. Entendendo gênero como categoria relacional é possível repensar muitos acontecimentos históricos, tais como a greve.

Descrição da atividade: A proposta é iniciar dando cara para o proletariado a partir de documentação iconográfica e dados, a partir disso os alunos deverão ler um texto que introduzirá a temática da greve de 1917 e ao final será feita uma análise conjunta de documentos que retomam as informações e reflexões apresentadas no texto. Em todas as atividades será destacada a participação feminina no operariado paulista e na greve geral de 1917. Para isso, sugere-se:

ATIVIDADE 1: Quem é o/a operário/a paulista no início do século XX. Em sala de aula.

1) Pedir que os alunos imaginem uma pessoa para representar o operariado paulistano no início do século XX, depois discuta em conjunto quem eles imaginaram, pedir que descrevam características (se são: homens, mulheres; adultos, crianças; jovens, velhos; qual nacionalidade; etc)
Projetar fotografias e tabelas e pedir que os alunos façam uma análise descritiva dos documentos em conjunto
Para as fotografias sugerem-se as seguintes perguntas guias:
● O que vocês vêem nesta imagem? (para a imagem1: o interior de uma fábrica, pessoas trabalhando; para imagem 2: pessoas ou trabalhadores posando em frente a fábrica)
● Que fábrica é essa? (imagem 1: fábrica de tecidos; imagem 2: não fica claro)
● Quem são as pessoas trabalhando nessa fábrica? (imagem 1: Mulheres e homens, brancos, aparecem apenas adultos; Imagem 2: mulheres, crianças e alguns homens, todos brancos)
● Quais outros elementos chamam a sua atenção na imagem? (imagem 1:
máquinas grandes, parece posada, etc; imagem 2: muitas crianças; etc)
Para as tabelas recomenda-se que o professor peça que os alunos descrevam os dados ali encontrados e por fim pergunte: “Que grupo compõe a maior parte dos trabalhadores das fábricas paulista no início do século?” Os operários são em sua maioria mulheres, seguido por homens e depois crianças na indústria têxtil. Além disso, são em sua maioria imigrantes italianos.

Imagem 1:

Operários ao lado das máquinas no interior de uma tecelagem paulistana, no início do séc. XX

Operários ao lado das máquinas no interior de uma tecelagem paulistana, no início do séc. XX.

Fonte: Gli italiani nel Brasile, CUT.

Imagem 2:

Operários diante da fábrica, na cidade de São Paulo, pousando para a fotografia coletiva, no final do século XIX

Operários diante da fábrica, na cidade de São Paulo, pousando para a fotografia coletiva, no final do século XIX.

Fonte: Gli italiani nel Brasile - CUT.

Imagem 3:
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Imagem 4:

img4
 

 

Atividade 2: Atividade para casa

Pedir que os alunos leiam o texto “Um ano extraordinário: greves, revoltas e circulação de ideias no Brasil em 1917” [Anexo A] de Edilene Toledo. 1

Atividade 3: Em sala de aula. A partir da leitura do texto “Um ano extraordinário: greves, revoltas e circulação de ideias no Brasil em 1917” e tendo alguns documentos como disparadores a proposta é debater as condições de trabalho dos operários, as suas reivindicações, como se deu a greve de julho de 1917, bem como a proporção e consequências da greve, dando destaque a participação feminina. (110 min)

1) Pedir que os alunos se dividam em grupos de até 5 pessoas, nesses grupos os alunos receberão a documentação abaixo e devem lê-los e discutir suas primeiras impressões (20 min)

Documento 1: Tabela dos salários da Indústria Têxtil Paulista em 1919

Tabela dos salários da Indústria Têxtil Paulista em 1919

 

Documento 2: Informações sobre o custo de vida em relação ao salário médio operário entre 1914 e 1923

1 O texto foi editado para facilitar a leitura de alunos do Ensino Médio, para o texto completo acesse:

https://www.scielo.br/j/eh/a/4pzvZkq8Cmf54NrbCfC7pCD/?lang=pt#

Entre 1914 e 1923, o salário havia subido 71% enquanto o custo de vida havia aumentado
189%; isso representava uma queda de dois terços no poder de compra dos salários. Para salário médio de um operário de cerca de 100 mil réis correspondia um consumo básico que para uma família com dois filhos atingia a 207 mil réis.

Documento 3: Reportagem do Jornal “O Combate” de 19 de julho de 1917

Documento 3: Reportagem do Jornal “O Combate” de 19 de julho de 1917

 

Documento 4: Recorte de reportagem da Revista “A Cigarra” de 26 de julho de 1917

Documento 4: Recorte de reportagem da Revista “A Cigarra” de 26 de julho de 1917

 

Documento 5: Recorte de reportagem da Revista “A Cigarra” de 26 de julho de 1917

Documento 5: Recorte de reportagem da Revista “A Cigarra” de 26 de julho de 1917

 

Documento 6: Recorte de jornal desconhecido de junho de 1917

Documento 6: Recorte de jornal desconhecido de junho de 1917

 

Documento 7: A primeira página do jornal “O Combate” no dia 19 de julho de 1917

Documento 7: A primeira página do jornal “O Combate” no dia 19 de julho de 1917


2) Agora com toda a turma projete os documentos e discuta com a turma o que cada documento nos conta sobre a greve de 1917. Vale fazer uma análise documental simples de produção de documento, pensando quem escreveu, como a greve e/ou os operários e operárias estão sendo representados, etc. No último documento vale ler os títulos de todas as reportagens, e pensar quantas se referem a greve. Outros pontos importantes a serem destacados: A desigualdade salarial entre homens e mulheres; A jornada de trabalho; O trabalho infantil; As ameaças a retaliação dos donos das fábricas; A quantidade de mulheres presente nas manifestações; A violência policial em resposta a greve; A carestia de vida. (75 min)
3) Para finalizar a reflexão vale retomar o texto que foi passado como atividade para casa e tratar das consequências da greve, em especial com
relação a organização de movimentos e grupos operários e a conquista das reivindicações. Além disso, é importante destacar a participação feminina não só no trabalho nas fábricas como também na organização e articulação da greve. Propor reflexão sobre como pensamos nos homens como categoria universal explicativa de todo o proletariado, mesmo quando a maioria é mulher, como é o caso da indústria têxtil do início do século XX. (15 min)

Materiais: Projetor, tela, impressão dos documentos e do texto a ser lido.

Resultados esperados: Espera-se que os alunos reflitam sobre a situação e as lutas do operariado paulista no início do século XX, e que reconheçam a importante participação das mulheres nos movimentos operários, em especial na greve geral de 1917.

ANEXO A:

Um ano extraordinário: greves, revoltas e circulação de ideias no Brasil em

1917

Edilene Toledo

Introdução

Em julho de 1917, uma greve de enormes proporções, envolvendo cerca de 100 mil trabalhadores, homens, mulheres e crianças, paralisou São Paulo e, com a violência policial e o agravamento contínuo da situação dos operários, transformou a cidade em palco de uma verdadeira revolta urbana, a ação mais espetacular do movimento operário brasileiro até então.
A greve teve início no bairro da Mooca, na zona leste de São Paulo, área de concentração de indústrias e de trabalhadores, no Cotonifício Crespi, no dia 8 de junho de 1917. Na fábrica Crespi, cerca de 400 operários iniciaram o movimento reivindicando um aumento salarial de 15 a 20% e protestando contra a extensão do horário de trabalho noturno, imposto pela fábrica para atender ao aumento da produção e ocasionado também pela desestabilização da economia mundial causada pela guerra.1
A paralisação foi decidida pelos operários da fábrica, reunidos na Liga Operária da Mooca. A fábrica ameaçou demitir todos os trabalhadores se não voltassem ao trabalho, mas o movimento continuou e, a partir dessa primeira fábrica, foi se ampliando dia a dia e tomou enormes proporções nas semanas que se seguiram, atingindo seu auge no mês de julho.
À greve geral de São Paulo seguiram-se várias outras em diversas partes do país. Verdadeiras multidões saíram às ruas para protestar e reivindicar. Manifestações quase diárias ocorreram em várias cidades contra o alto custo de vida, o trabalho de crianças, os baixos salários e tantos outros problemas que afligiam os trabalhadores no Brasil. Elas foram organizadas pelos próprios trabalhadores e contaram com a participação de lideranças sindicalistas, anarquistas, socialistas e de outros grupos descontentes com a situação do país. As greves de algumas categorias e cidades certamente encorajavam outras a fazer também seu movimento, e a grande imprensa de várias cidades revelou claramente seu temor quanto a isso.
Essas greves e manifestações foram parte dos tantos movimentos de trabalhadores ocorridos ao redor do mundo naquele ano. Os últimos anos da Primeira Guerra Mundial e os primeiros do pós-guerra, em especial o ano de 1917, foram marcados por um ciclo de agitação social global. Em todos os países atingidos pela desestabilização da economia, houve protestos contra a carestia e uma onda de greves envolvendo grande número de trabalhadores. Em muitos casos, o epicentro dos movimentos foram as áreas industriais das cidades.
Em várias partes do mundo, houve uma percepção coletiva da oportunidade de melhorar as condições de vida e de trabalho na crescente intervenção do Estado nas áreas econômica e social, na apropriação de formas de organização como associações de bairro e redes informais familiares e comunitárias na mobilização dos trabalhadores e da população e em mediações entre diferentes repertórios de ação coletiva, como as lutas em torno da produção e do consumo. Golden afirma que há uma relação simbiótica entre a
luta da classe trabalhadora moderna e os laços de solidariedade construídos nas comunidades locais, argumentando que os sindicatos, compartilhando o mesmo espaço com outras organizações de bairro, tenderam a tornar-se instituições comunitárias.
[...]
Ao analisar o cotidiano dos trabalhadores de Buenos Aires, Norberto Ferreras destaca que a exploração não estava restrita ao âmbito do trabalho, mas se intensificava em outras situações impossíveis de evitar, a alimentação e a habitação, que foram vivenciadas como parte de uma identidade comum dos trabalhadores. A percepção dessas experiências comuns relativas à moradia e aos alimentos foi fator de união importante entre os trabalhadores nas greves de 1917 no Brasil, e entre as reivindicações estavam justamente a diminuição do preço dos alimentos e dos aluguéis.
Joana Dias Pereira argumenta também que as "revoltas da fome" e as greves foram parte de um mesmo processo de mobilização e que sua articulação foi realizada pela ala mais radical do movimento sindical. A autora destaca ainda a relevância do papel das mulheres nesses movimentos, na gestão das redes de reciprocidade, familiares e de vizinhança.
Nas greves ocorridas no Brasil, as mulheres também tiveram participação importante como trabalhadoras, militantes, mães, esposas e moradoras dos bairros populares.
Essas revoltas populares estiveram na origem de um novo ciclo de lutas trabalhistas. As populações pressionaram o Estado com o objetivo de impor uma economia moral. "A economia de guerra serviu para enfatizar as contradições fundamentais do sistema capitalista e da economia de mercado", observa Pereira. Emília Viotti da Costa , em seu
livro sobre a rebelião de escravos em Demerara em 1823, argumenta que "crises são momentos de verdade" porque evidenciam os conflitos que o cotidiano oculta, expondo as contradições.
[...]
No processo de luta se intensificou a formação de uma identidade nas comunidades, em oposição a proprietários, empregadores e comerciantes. Nesse processo, os trabalhadores vão deixando de ver o Estado somente como um inimigo ou como fonte de opressão e passam a vê-lo como um instrumento importante para a obtenção ou consolidação de conquistas, o que tem consequências importantes na reorganização posterior do movimento operário.

Alguns aspectos das greves em São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Recife

O Brasil e os outros países latino-americanos, apesar de distantes do palco da guerra, foram atingidos de diversos modos pelo conflito. Milhares de trabalhadores emigrados foram atingidos diretamente ao serem convocados a retornar a seus países como soldados (Toledo e Biondi, 2014). Além disso, a guerra elevou nesses países, exportadores de produtos agrícolas, os preços dos alimentos, o que afetava gravemente
os trabalhadores, cujos salários não eram aumentados proporcionalmente, agravando sua situação de miséria. Em vários desses países, os empregadores também ampliavam as jornadas de trabalho, num contexto de intensificação da produção industrial.
Em junho de 1917, o recém-fundado jornal libertário A Plebe considerava que a propaganda feita em comícios e boletins estava produzindo bom efeito e esperava que os trabalhadores, "sujeitos agora, como nunca, a uma situação verdadeiramente intolerável", sentissem necessidade de agir. O jornal destacava a importância das reuniões que vinham sendo feitas em vários bairros operários para a formação de ligas e acrescentava: "Oxalá, pois, que o movimento promissor, agora em início, ganhe o devido vulto tão rapidamente quanto a gravíssima situação o exige",2 quase prevendo o que estava por vir.
A greve em São Paulo teve início, como vimos, na fábrica de tecidos de Rodolfo Crespi. Seus trabalhadores já trabalhavam 13 horas diárias, mas com o aumento da produção estavam sendo obrigados a trabalhar até as 23h ou até a meia-noite. Recusando-se a aceitar esse prolongamento da já longa jornada, centenas de trabalhadores decidiram pela paralisação do trabalho.3 Eles não imaginavam que estariam dando início ao período de maior agitação do movimento operário até então, período que, segundo muitos historiadores, se iniciou naquele junho de 1917 e só terminou no início dos anos 1920, em meio a um amplo processo de organização dos trabalhadores.
O conjunto do Cotonifício Crespi, na Mooca, tinha sido construído em 1897 e ocupava um quarteirão inteiro. A fábrica, cujo proprietário era o italiano Rodolfo Crespi, em 1912 empregava 1.305 operários, sendo 947 italianos. Destes, somente 234 eram homens; 223 eram mulheres maiores de 22 anos, 225 menores de 22 anos, e 243 eram crianças.4
A greve no Cotonifício Crespi inicialmente parecia ser um movimento isolado, como outros que tinham ocorrido em anos anteriores. O movimento, porém, tinha uma comissão de grevistas que vinha se reunindo na Liga Operária da Mooca, uma estrutura com centenas de integrantes que estava se enraizando naquele território operário. A Liga foi se tornando um ponto de referência para os trabalhadores e acabou funcionando como mediadora e coordenadora das negociações entre a comissão de grevistas e a direção da fábrica. Nos dias seguintes, o movimento foi se expandindo e iniciaram-se greves de várias outras categorias. Em 30 de junho, os 1.600 operários da fábrica Ipiranga, do libanês Nami Jafet, também iniciaram uma greve. No dia 3 de julho, os socialistas do jornal Avanti! distribuíram
10 mil cópias de um manifesto convidando a população a se solidarizar com os grevistas.5
O ponto máximo da agitação foi atingido no enterro do sapateiro José Gimenez Martinez, um jovem militante anarquista espanhol, que tinha apenas 21 anos e fazia parte do grupo Jovens Incansáveis. Mais de 10 mil pessoas participaram do cortejo fúnebre, que seguiu por vários pontos da cidade até o cemitério do Araçá. O cortejo foi interrompido por vários comícios. José Gimenez Martinez foi apenas uma das vítimas dos protestos, que chegaram a cerca de 200, segundo a investigação realizada pelo jornal Fanfulla no cemitério do Araçá nas noites de 15 e 16 de julho, quando a polícia fechou o cemitério para transportar os cadáveres.6
O dia em que houve o maior número de operários em greve, quase 44 mil, foi o da apresentação pelo Comitê de Defesa Proletária, em comícios públicos, dos acordos estipulados. A greve se tornou generalizada somente nos dias em que a vitória de uma parte dos operários atraiu outros trabalhadores de pequenas e médias fábricas para o movimento. É importante destacar que os organizadores que constituíram o Comitê de Defesa Proletária eram familiares à população operária paulistana, o que explica a confiança depositada pelos trabalhadores na ação do Comitê e nas lideranças que o compuseram.
Edgard Leuenroth, um dos principais membros do Comitê de Defesa Proletária, foi trabalhador gráfico e jornalista e um dos principais líderes anarquistas de São Paulo. O socialista italiano Teodoro Monicelli, também membro do Comitê, foi um dos principais oradores dos comícios realizados durante a greve. Tinha vindo para o Brasil em 1913 e foi por vários anos diretor do Avanti! de São Paulo (Toledo, 2004).
Em meio a comícios, passeatas, à tomada do centro pelos trabalhadores e moradores dos bairros operários, e aos embates com a polícia, foi se desenvolvendo a ação do Comitê de Defesa Proletária, ao mesmo tempo em que o secretário de Justiça, Eloy Chaves, ia se reunido com os empresários mais importantes da cidade envolvidos na greve. Uma comissão constituída por diretores de importantes jornais da grande imprensa funcionou como mediadora entre os empresários e o Comitê. Entre o sábado 14 e a segunda-feira 16 de julho, vários empresários foram assinando um acordo que reconhecia o direito de reunião, concedia aumento de 20% nos salários, garantia a libertação dos presos e proibia a demissão dos operários grevistas.7
No dia 21 de julho, o jornal anarquista A Plebe noticiou o conjunto das reivindicações sistematizadas pelo Comitê de Defesa Proletária, após consulta a todas as "entidades de
que fazem parte, expondo as aspirações não só da massa operária em greve como as aspirações de toda a população angustiada pelas prementes necessidades, considerando a insuficiência do Estado no providenciar de outra forma que não seja pela repressão violenta". Eram elas: a libertação dos grevistas presos, o respeito "do modo mais absoluto" ao direito de associação para os trabalhadores, nenhuma demissão por participação na
greve, a abolição do trabalho de menores de 14 anos, a proibição do trabalho noturno para menores de 18 anos, a abolição do trabalho noturno das mulheres, o aumento de 35%
para os salários inferiores a 5$000 e de 25% para os superiores, o pagamento pontual a cada 15 dias, a garantia de trabalho permanente aos operários, a jornada de oito horas, a semana inglesa e o aumento de 50% em todo trabalho extraordinário, o imediato barateamento dos gêneros de primeira necessidade, bloqueando a ação de açambarcadores, a requisição, quando necessário, dos alimentos para a alimentação pública, medidas para impedir a adulteração e falsificação de produtos alimentares, e a redução do preço dos aluguéis.8
Apesar de até o jornal anarquista Guerra Sociale ter afirmado em 26 de julho que o movimento era uma "greve ligada mais à fome do que ao trabalho",9 as reivindicações eram, em sua maioria, essencialmente trabalhistas.
O Correio Paulistano e o Jornal do Comércio foram os periódicos paulistanos que mais atacaram o movimento grevista, fazendo uma intensa campanha contra os anarquistas especialmente, considerados culpados pelo movimento, e reivindicando uma ação dura dos poderes públicos contra o que consideravam uma grave onda subversiva.
A greve se tornou o impulso para a formação de uma estrutura sindical mais enraizada. O processo de reorganização sindical foi influenciado também pela ação de coordenação desenvolvida pelo Comitê de Defesa Proletária, pelas ligas da Mooca e do Belenzinho, pela participação no Comitê de socialistas italianos do Centro Socialista Internazionale e por toda uma rede de associações políticas ou mutualistas italianas como os grupos
republicanos, as lojas maçônicas e algumas sociedades italianas de socorro mútuo, que se solidarizaram com o movimento dos trabalhadores, apoiando-o também financeiramente.
Em 26 de agosto de 1917 foi refundada a Federação Operária de São Paulo, a FOSP. A greve geral de 1917, e as outras inúmeras greves daquele ano, tiveram um papel basilar e fundador para o desenvolvimento posterior do movimento operário e das lutas trabalhistas em São Paulo.
[...]

Uma reflexão sobre as reivindicações

As reivindicações dos trabalhadores nos protestos de 1917 eram, em termos gerais, jornada de oito horas, semana de cinco dias e meio, fim do trabalho de crianças, restrições à contratação de mulheres e adolescentes, segurança no trabalho, pagamento pontual dos salários, aumento salarial, redução do preço dos aluguéis e do custo dos bens de
consumo básicos, respeito ao direito de sindicalização, libertação dos trabalhadores presos durante as greves e recontratação de todos os grevistas demitidos. Essas reivindicações expressavam os interesses e necessidades dos trabalhadores e exigiam a
ação tanto do Estado como dos empregadores, e nos dizem muito sobre as dificuldades da vida e do trabalho da população pobre das cidades naquele período, mas também sobre a mudança na relação com o Estado. Algumas reivindicações eram conjunturais, ligadas ao contexto específico, mas os trabalhadores aproveitaram a mobilização geral para trazer à tona outras antigas reivindicações ligadas a questões mais estruturais.
[...]
Nas fábricas, mas também nas oficinas e em outros empregos urbanos, as jornadas de trabalho eram longuíssimas, podiam chegar a 14 horas diárias e eram expandidas em períodos de produção intensa, como ocorreu em 1917. A jornada de 8 horas de trabalho era uma já antiga reivindicação do movimento operário internacional. Aqui no Brasil, em concomitância com movimentos em várias partes do mundo, os trabalhadores reivindicavam a redução da jornada de trabalho havia muito tempo, como ocorreu durante a greve geral deflagrada dez anos antes, em 1907, e organizada com esse escopo. Naquela ocasião, muitas categorias de trabalhadores conseguiram a jornada de 8 horas, mas as conquistas, como não eram escritas em leis e nem tinham fiscalização, em geral eram efêmeras, e os trabalhadores podiam perdê-las ou tinham que permanecer mobilizados para defendê-las.
A semana de 5 dias e meio também era uma reivindicação importante do operariado nacional e internacional. No Brasil, os trabalhadores não tinham folga semanal garantida por lei e em geral descansavam somente no domingo, ou nem mesmo no domingo. Reivindicavam então trabalhar de segunda a sexta e metade do sábado, de modo que pudessem ter algum tempo para repor as energias, cuidar das crianças e da casa.
O fim do trabalho de crianças também estava entre as principais reivindicações do movimento operário brasileiro. Inúmeras fontes, inclusive as fotografias de fábricas e seus trabalhadores, evidenciam a enorme presença de crianças no mundo do trabalho do período, em especial nas indústrias têxteis. As crianças, que recebiam castigos físicos no interior da fábrica quando adormeciam ou brincavam durante suas longas jornadas de trabalho, recebiam salários muito inferiores aos dos adultos. Ao reivindicar o fim do trabalho infantil, os trabalhadores organizados pretendiam não somente proteger suas crianças, mas também garantir maior poder de negociação para os trabalhadores adultos.
A regulamentação do trabalho das mulheres também era reivindicação antiga. As mulheres recebiam salários menores do que os homens, às vezes menos da metade, e, submetidas às mesmas condições de exploração, sofriam também com o assédio e até a violência sexual por parte de empregadores e contramestres. A proibição do trabalho noturno das mulheres era uma das principais reivindicações. Essas questões da vida das operárias de fábrica foram apresentadas por Patrícia Galvão, a Pagu, em seu romance proletário Parque industrial, publicado em 1933, retratando a vida de trabalhadoras de fábrica no bairro do Brás.
A questão da segurança no trabalho era também importante e uma reivindicação sempre presente. A questão aparece nos mais importantes espaços de discussão dos trabalhadores no período, como durante os congressos operários nacionais ocorridos em
1906 e 1913. As fábricas eram fechadas e pouco arejadas, quase não tinham janelas e,
por conseguinte, considerando as horas intermináveis de trabalho, os operários quase não
viam a luz do sol. Nas fábricas têxteis, a aspiração contínua de poeira e fios predispunha os trabalhadores às doenças respiratórias, inclusive a tuberculose. Mas a principal preocupação era com os acidentes que ocorriam com frequência, muitas vezes causando a morte ou a amputação de membros, não havendo nesses casos nenhum tipo de
proteção ao trabalhador ou à sua família, que podiam contar somente com as associações de socorro mútuo, os sindicatos ou parentes e vizinhos.
A questão do pagamento pontual dos salários também era amplamente debatida nos sindicatos e congressos operários. Também porque não havia nenhuma legislação ou controle, era comum que os empregadores atrasassem muito os pagamentos, lançando os trabalhadores em condições ainda mais miseráveis do que as habituais. Por isso eles também reivindicavam o pagamento semanal ou quinzenal.
O aumento salarial era a principal reivindicação da greve. Como vimos, o enorme aumento do preço dos alimentos, no contexto da guerra, diminuiu ainda mais o poder aquisitivo dos trabalhadores, agravando sua situação de miséria, visto que os salários não foram aumentados na proporção dos preços e a situação foi ficando insustentável. Por isso, essa questão era central na luta dos trabalhadores e o principal objetivo das greves do período.
Associadas a tudo isso, estavam também as reivindicações de redução do preço dos aluguéis, que consumiam boa parte dos parcos salários, e do custo dos bens de consumo básicos, em especial dos alimentos. Os salários mal bastavam para o pagamento de aluguéis de casebres ou quartos em cortiços.
Enquanto muitas das reivindicações se referiam a questões propriamente trabalhistas, a questão da pressão sobre o governo e os empresários para a redução dos preços estava ligada mais a uma luta do cidadão, relacionada às necessidades da vida urbana e dos trabalhadores na condição de consumidores, agravadas no contexto da guerra. Os trabalhadores pobres da cidade eram tanto os produtores quanto os consumidores de muitos dos produtos, como alimentos e tecidos, e tinham consciência plena dessa condição, o que ficava demonstrado pelas campanhas de boicote contra os produtos de fábricas de empregadores vistos como exploradores.
Questão também central na luta dos trabalhadores era a reivindicação do respeito ao direito de sindicalização. Tinha-se aqui uma luta trabalhista e uma luta do cidadão por um direito civil, o direito de se organizar e de se associar. Essa reivindicação apareceu explicitamente apenas nas reivindicações da greve em São Paulo.
Os trabalhadores não tinham muitas vezes nem ao menos o direito de reunião, havendo relatos na imprensa operária e memórias que revelam que nos períodos de repressão
mais intensa os trabalhadores tinham que se reunir em casas de amigos, ou em matas nos arredores da cidade, ou chegavam a fazer as discussões caminhando, uma vez que qualquer reunião de pessoas poderia atrair a repressão policial.
Algumas das reivindicações tinham relação direta com os movimentos grevistas daquele momento: a libertação dos trabalhadores presos durante as greves e a recontratação de todos os grevistas demitidos. A repressão contra os trabalhadores, como se sabe, já tinha longa história no país.
A análise das reivindicações nos permite afirmar que as greves foram movimentos com claros objetivos trabalhistas, que, por uma série de circunstâncias, levaram os trabalhadores à exasperação e ao desespero, configurando-se os movimentos em verdadeiras revoltas urbanas. Militantes de várias correntes políticas, também operários ou não, juntaram-se aos trabalhadores em luta. Entre eles havia anarquistas, socialistas, sindicalistas revolucionários, reformistas e outros, mas havia também muitos que não estavam ligados a nenhumas dessas correntes, mas estavam mobilizados para tentar melhorar suas condições de trabalho e de vida.
Para Pereira, os setores sociais mais atingidos pela carestia em 1917 viram no contexto uma oportunidade, e as ações coletivas foram direcionadas essencialmente às autoridades. Em muitos locais, as reivindicações dos trabalhadores e da população
criaram fraturas no interior do Estado, quando parte dos administradores locais e da polícia com eles se solidarizou. Nos movimentos analisados, em Porto Alegre essa disposição do governo para negociar é mais perceptível, e em São Paulo foram relatados episódios de solidariedade da polícia. Também em São Paulo é mais perceptível uma ação ligada às comunidades dos bairros, já que podemos falar com mais certeza da zona leste da cidade como um território tipicamente estruturado pela indústria, onde se implantou um cinturão
de indústrias definindo uma rígida barreira entre a cidade das elites e a ocupação periférica. Essas barreiras territoriais e sociais da cidade se evidenciam durante a greve geral de 1917. Em São Paulo também é mais clara a importância da participação da mulheres.
É certo que essas greves e revoltas não foram explosões repentinas de desespero. Os trabalhadores e as lideranças calculavam os riscos e os limites da negociação. As "revoltas da fome" ocorreram em comunidades com fortes relações de reciprocidade horizontal, de parentesco, de vizinhança e de locais de trabalho. Os protestos se voltaram
sobretudo contra o aumento do preço dos alimentos e foram organizados a partir de redes sociais, mas as organizações políticas com relação estreita com as comunidades foram mobilizadas, ou se uniram aos protestos, e suas ideias e estratégias foram adaptadas. Então organizações de trabalhadores e redes informais se uniram transformando os protestos num movimento político único, ainda que apresentassem particularidades de acordo com as condições políticas de cada local.
[...]

As primeiras repercussões da Revolução Russa em 1917

Assim que foi deflagrada, a Revolução Russa impressionou o mundo pela radicalidade das ações dos revolucionários. Muito cedo apareceram na imprensa operária comentários sobre os eventos ocorridos em março e em novembro de 1917, e muitos, incluindo os anarquistas, se entusiasmaram intensamente com a concretização dessa experiência revolucionária.
Emma Goldman já em 1917 observava que em seguida à vitória da revolução na Rússia, como um fantasma ameaçador, e às greves, instalou-se um clima "antivermelho" em várias partes do mundo. O anticomunismo teria nascido junto com a Revolução Russa em 1917. Em suas memórias, Tito Batini, filho de um socialista e futuro militante comunista, então
com 13 anos, escreveu sobre o ano 1917 em São Paulo: "revolução na Rússia dos czares. Meu pai me leva à cantina de vinho Chianti. Brindamos o feito de um tal Lenin, que os jornais dizem não passar de um bandido".
[...]
No Brasil, o impacto dos acontecimentos da Rússia foi muito intenso, gerando grandes polêmicas e despertando também grandes esperanças. Grande parte do movimento operário, incluindo os anarquistas, acolheu com entusiasmo as notícias que chegavam sobre a queda do czar e a tomada do poder pelos bolcheviques. Lima Barreto chegou a afirmar que "a face do mundo mudou".
[...]
Uma série de matérias do jornal A Plebe, logo após os eventos da greve geral de São Paulo, focalizou e explorou a possibilidade de uma junção de forças e a inserção de soldados no movimento "como na Rússia".13 Também convidou os opressores do proletariado no Brasil a lembrar "da França de 1789 e da Rússia de 1917", em tom ameaçador.14 Em dezembro de 1917, o barbeiro libanês Abílio de Nequete distribuiu panfletos em Porto Alegre com os quais tentava "congregar as duas classes", operários e soldados.15
[...]
Muitos fatores explicam, portanto, a intensidade da agitação dos trabalhadores em várias partes do Brasil e do mundo no ano de 1917 e nos anos que se seguiram: o agravamento das condições de vida e de trabalho em virtude da Primeira Guerra Mundial, que aprofundou ainda mais a imensa desigualdade social; a propaganda desenvolvida pelas várias lideranças anarquistas, socialistas e sindicalistas revolucionárias; as atividades concretas de organização da classe trabalhadora com a criação de sindicatos, uniões,
ligas e federações, e também a conjuntura internacional, marcada pela Revolução Russa e por uma onda revolucionária que atingiu a Europa. Esse ciclo de agitação global do
período 1917-1920 teve um papel crucial na ampliação e politização do movimento operário em todo o mundo, e esses foram também os anos de maior mobilização dos trabalhadores na Primeira República, fundamentais para a construção dos trabalhadores como sujeitos políticos no Brasil. As experiências dos trabalhadores na Primeira República e em especial as do ano de 1917 foram capítulos importantes do processo de construção dos trabalhadores como sujeitos políticos, da elaboração de uma cultura dos direitos,
como os direitos civis de se organizar e se associar, e do esforço de criação de condições de democracia em que as organizações dos trabalhadores fossem reconhecidas como um elemento legítimo na sociedade. Ao mesmo tempo, muitos dos trabalhadores do período associaram um quotidiano reformista a uma perspectiva futura de transformação revolucionária no país.

Notas

● 1 Os números do jornal Fanfulla de junho e julho de 1917 mostram bem o desenrolar das greves.
● 2 Acção Obreira. O operariado paulista parece despertar para a luta. Movimentos grevistas. Associações que surgem. A Plebe, 09/06/1917, p. 3.
● 3 Nel Cotonificio Crespi, Fanfulla, 10/06/1917, p. 4.
● 4 Condições de trabalho na indústria têxtil no Estado de São Paulo. Boletim do Departamento Estadual do Trabalho. São Paulo, 1912 (citado por Hall e Pinheiro,1981: 86-87).
● 5 Movimento operário. Avanti!, 20/10/1917, p. 2.
● 6 Voci allarmanti sul numero dei morti. Fanfulla, 22/07/1917, p. 2.
● 7 Fanfulla, 16/07/1917, p. 1.
● 8 O que reclamam os operários. A Plebe, 21/07/1917, p. 3.
● 9 Guerra Sociale, 26/07/1917, p. 1, citado por Hall e Pinheiro (1979: 232).
● 10 A Província, Recife, 29/07/1917 apud Moreira (2005: 48-49).
● 11 Movimento na Bahia. De como se prova o valor da acção popular. A Plebe,
11/08/1917, p. 3.
● 12 A Revolução Russa. Suas causas e suas possíveis consequências. A Semana

Social, Maceió, 30/03/1917, p. 1.

● 13 Os soldados e os operários. A salvação do povo depende da acção conjunta dos operários de farda e de blusa. Para essa solução caminhamos. A Plebe, n. 11,
25/08/1917, p. 4, entre outros.
● 14 Momento Obreiro - Imponente despertar do operariado do paiz. De norte a sul o proletariado se agita contra os exploradores de seu trabalho - Grandiosa greve geral em Porto Alegre. As organizações de resistência surgem por toda parte. A Plebe, 04/08/1917, p. 3.
● 15 Inquérito Policial Militar 1432. Foro Federal. Porto Alegre (apud Bartz, 2008:
125).
● 16 Para uma acção conjunta. Congresso Geral da Vanguarda Social do Brazil.
Preparem-se todas as associações obreiras e avançadas. A Plebe, 04/08/1917, p.
2.
● 17 Texto apresentado integralmente em Feijó (1990: 110-111).
● 18 Joaquim Pimenta. Retalhos do passado, apudBandeira (1980: 252).
● 19 Edgard Leuenroth. Ao que vimos. Rumo à Revolução Social. A Plebe,
09/06/1917. Referências Bibliográficas:
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Referencia
Graduandos