DIREITOS INDÍGENAS: CONSTRUÇÃO E ATUALIDADE

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS ENSINO DE HISTÓRIA: TEORIA E PRÁTICA

Luana Vendemiatti Mendes
Nº USP: 11252468 – Vespertino

DIREITOS INDÍGENAS: CONSTRUÇÃO E ATUALIDADE

São Paulo
2021

INTRODUÇÃO:

A sequência didática apresentada a seguir busca trabalhar o tema da História Indígena, focado em debates relacionados à permanência, direitos e resistência dos povos originários do Brasil. Tendo em vista a atualidade da questão e a necessidade de incluir tais grupos dentro do currículo escolar, é esperado que a análise de documentos diversos proposta neste trabalho possa trazer ao aluno uma visão panorâmica acerca da luta indígena no país, explorando os aspectos históricos e contemporâneos das relações entre a sociedade ocidental e as culturas tradicionais.
Desse modo, a proposta é indicada ao 2º ano do Ensino Médio, para duração de duas a três aulas. Pode ser inserida dentro da discussão de vários temas da História do Brasil, sendo possível associá-la ao debate sobre o período após a Ditadura Militar, dentro de uma discussão mais ampla sobre os povos indígenas, em atualidades, entre outros. Com uma abordagem múltipla, os principais objetivos desta sequência didática são:
 Desenvolvimento da análise de documentos históricos e compreensão de novos conceitos;
 Percepção pelos alunos de uma problemática de caráter circular, a partir de documentos que mostrem a visão indígena. É importante que haja a compreensão de que o tema trabalhado perpassa toda a história brasileira, desde os primeiros contatos nesse território até o século XXI;
 Dedicar-se ao estudo dos direitos dos índios, garantidos pela Constituição de 1988;
 Incitar discussões sobre a atual situação dos territórios indígenas no Brasil e as ameaças aos seus direitos constitucionais.

PRIMEIRA ETAPA:

Neste primeiro momento, sugere-se a distribuição de trechos selecionados do texto O eterno reencontro do encontro 1, de Ailton Krenak, escrito em 1999. O professor pode apresentar brevemente o autor, contando sua trajetória como líder indígena e escritor. Após, aconselha-se que a sala seja dividida em grupos, de modo a realizar leituras conjuntas e
promover discussões entre os colegas.

1 Disponível em: https://www.geledes.org.br/narrativa-krenak-o-eterno-retorno-do-encontro/

Trecho I: “De vez em quando a televisão ou o jornal mostram uma frente de expedição entrando em contato com um povo que ninguém conhece, como recentemente fizeram sobrevoando de helicóptero a aldeia dos Jamináwa, um povo que vive na cabeceira do rio Jordão, lá na fronteira com o Peru, no estado do Acre. Os Jamináwa não foram ainda abordados, continuam perambulando pelas florestas do alto rio Juruá, nos lugares aonde os brancos estão chegando somente agora! Poderíamos afirmar, então, que para os Jamináwa

1500 ainda não aconteceu. Se eles conseguirem atravessar aquelas fronteiras, subirem a serra do divisor e virarem do lado de lá do Peru, o 1500 pode acontecer só lá pelo 2010. Então eu queria partilhar com vocês essa noção de que o contato entre as nossas culturas diferentes se dá todo dia. No amplo evento da história do Brasil o contato entre a cultura ocidental e as diferentes culturas das nossas tribos acontece todo ano, acontece todo dia, e em alguns casos se repete, com gente que encontrou os brancos, aqui no litoral, 200 anos atrás, foram para dentro do Brasil, se refugiaram e só encontraram os brancos de novo agora, nas décadas de
30, 40, 50 ou mesmo na década de 90. Essa grande movimentação no tempo e também na geografia de nosso território e de nosso povo expressa uma maneira própria das nossas tribos de estar aqui neste lugar.”

Trecho II: “Essa capacidade de projetar e de construir uma interferência na natureza, ela é uma maravilhosa novidade que o Ocidente trouxe para cá, mas ela desloca a natureza e quem vive em harmonia com a natureza para um outro lugar, que é fora do Brasil, que é na periferia do Brasil. Uma outra margem, é uma outra margem do Ocidente mesmo, é uma outra margem onde cabe a ideia do Ocidente, cabe a ideia de progresso, cabe a ideia de desenvolvimento. A ideia mais comum que existe é que o desenvolvimento e o progresso chegaram naquelas canoas que aportaram no litoral e que aqui estava a natureza e a selva, e naturalmente os selvagens. Essa ideia continua sendo a ideia que inspira todo o relacionamento do Brasil com as sociedades tradicionais daqui, continua; então, mais do que um esforço pessoal de contato com o Outro, nós precisamos influenciar de maneira decisiva a política pública do Estado brasileiro.

Esses gestos de aproximação e de reconhecimento, eles podem se expressar também numa abertura efetiva e maior dos lugares na mídia, nas universidades, nos centros de estudo, nos investimentos e também no acesso das nossas famílias e do nosso povo àquilo que é bom e àquilo que é considerado conquista da cultura brasileira, da cultura nacional. Se continuarmos sendo vistos como os que estão para serem descobertos e virmos também as cidades e os
grandes centros e as tecnologias que são desenvolvidas somente como alguma coisa que nos ameaça e que nos exclui, o encontro continua sendo protelado. Tem um esforço comum que nós podemos fazer que é o de difundir mais essa visão de que tem importância sim a nossa história, que tem importância sim esse nosso encontro, e o que cada um desses povos traz de herança, de riqueza na sua tradição, tem importância, sim.”
A fim de levantar as primeiras impressões dos estudantes sobre a leitura, é interessante que perguntas também sejam entregues para que os grupos possam debater e anotar suas ideias, que posteriormente sejam discutidas com toda a classe. Aqui, o objetivo principal é que os alunos reflitam sobre a visão indígena acerca do contato com a sociedade ocidental, bem como os meios para amenizar as problemáticas causadas por essa aproximação. Assim, as seguintes questões são propostas:
 Para o autor, o avanço da fronteira com nossa sociedade constitui uma ameaça para grupos indígenas isolados ou de difícil acesso. De quais maneiras este contato poderia ser prejudicial para eles?
 Como a chegada dos homens brancos modifica a relação entre estes grupos e a natureza e território ao seu redor?
 O autor expõe que os grupos indígenas deveriam ter acesso às conquistas da “cultura nacional”. Quais são estas conquistas? Por que indica que eles também deveriam ter acesso a elas?
 Como seu grupo imagina que os indígenas e suas terras possam ser protegidos da ação dos interesses públicos e privados?
 Indique as principais diferenças e semelhanças entre os contatos ocorridos em 1500 e os das últimas décadas.
Após o tempo de leitura e resolução das questões, o professor pode conduzir um debate com base nas respostas apresentadas. Uma discussão focada no aspecto circular dos contatos e nas demandas apresentadas por Ailton Krenak é ideal. É importante que os alunos reconheçam a autoria indígena do texto, compreendendo sua visão sobre o avanço do Estado nacional, suas reivindicações e críticas às visões externas sobre os povos originários. Não é necessário que os alunos produzam respostas exatas, mas sim que seja construído um debate que promova uma visão crítica sobre o assunto exposto no texto.

SEGUNDA ETAPA:

O segundo momento proposto aqui constitui mais uma análise de documentos entre alunos e professor. O primeiro deles é um vídeo do discurso de Ailton Krenak durante a Constituinte de 1987/8 2. Na época, o autor e diversos setores pediam pela inclusão dos direitos indígenas na Constituição em formação, bem como pela demarcação de suas terras. Estas informações devem ser passadas pelo professor à classe antes da apresentação, para que os estudantes estejam cientes do contexto em que a fala de Krenak se insere.
Após o final do vídeo, é produtivo debater oralmente algumas questões que cercam o pronunciamento visto. Dentre elas, o professor pode levantar algumas das expostas a seguir:
 O que Ailton Krenak está pedindo em sua fala?
 Vocês conseguem imaginar quais ameaças aos povos indígenas ele se refere?
 Qual o significado da ação de pintar o rosto durante sua fala?
 Quais suas opiniões sobre o que foi dito?
Dando continuidade ao debate, o próximo documento a ser analisado é o Capítulo VIII da Constituição Federal, artigos 231 e 232. Nele, são tratados dos direitos garantidos aos “índios”, desenvolvendo principalmente as questões culturais e territoriais. O texto deve ser distribuído para a classe, que pode se organizar novamente em grupos para realizar a leitura do texto. Segue o capítulo a ser apresentado:
Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.
§ 1º São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.
§ 2º As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.

2 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=kWMHiwdbM_Q

§ 3º O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei.
§ 4º As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis.
§ 5º É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, "ad referendum" do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco.
§ 6º São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa fé.
§ 7º Não se aplica às terras indígenas o disposto no art. 174, § 3º e § 4º.

Art. 232. Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo.”

O processo utilizado anteriormente para a análise do primeiro texto é sugerido neste momento também. Com a leitura dos artigos apresentados, os alunos podem responder questões em seus grupos e a seguir debater suas visões na presença do professor e do restante da sala. Com essa atividade, espera-se que os alunos consigam enxergar o reflexo do discurso de Ailton Krenak (representante de demandas sociais maiores), bem como o de seu texto O eterno reencontro do encontro. É importante que os estudantes façam a articulação entre esses protestos e a conquista representada pela Constituição, como consequência da luta destes povos por espaço e reconhecimento na sociedade brasileira. Além desses pontos, o tema da demarcação de territórios indígenas também é interessante para formar um debate, de modo que surjam as primeiras ideias acerca deste assunto que será melhor discutido adiante.
Desse modo, algumas perguntas que podem ser apresentadas são:
 O que é a demarcação de terras, indicada no artigo?
 Quais os critérios para as terras serem demarcadas e reconhecidas como indígenas?
 As demandas identificadas nos documentos anteriores foram atendidas na
Constituição? Se sim, quais?
 Com base em suas experiências pessoais, o grupo acredita que estas proposições são cumpridas atualmente?
Com o fim das discussões levantadas na análise, sugere-se aqui uma atividade a ser requisitada para uma próxima aula.
Nela, os alunos devem pesquisar sobre algum território indígena, estando ele demarcado ou não. Junto a isso, fazer um pequeno levantamento sobre as características da área escolhida: as problemáticas que enfrentam, a etnia que ali habita, quando a demarcação ocorreu (se ocorreu), aspectos de sua religião, meios de subsistência, líderes, entre outras questões a serem adicionadas. Tal atividade tem o objetivo de ajudar a incentivar o conhecimento sobre o tema e mesmo acerca da região em que vivem, conhecendo terras indígenas próximas à cidade e escola, por exemplo.

TERCEIRA ETAPA:

A parte final desta sequência consiste na discussão acerca de enfrentamentos atuais. Com o conhecimento adquirido acerca dos direitos indígenas previstos na Constituição e o entendimento da fonte de tais reivindicações e as explicações que as legitimam, a terceira etapa aqui apresentada busca incitar reflexões sobre a situação atual dos territórios demarcados, bem como sobre sua importância dentro do contexto ambiental.
Sendo assim, com os alunos divididos mais uma vez em grupos, entrega-se o compilado de documentos, contendo a seguinte matéria e as fotos reproduzidas abaixo.
“Garimpeiros tentam invadir comunidade na Terra Yanomami em 10º dia de ataques,

dizem indígenas.” – G1, 20/05/2021. 3

Imagem 1: Terras indígenas identificadas no Brasil (2021).

img03

Fonte: https://pib.socioambiental.org/pt/Localiza%C3%A7%C3%A3o_e_extens%C3%A3o_das_TIs

Imagem 2: Território Yanomami (2021).

3 Disponível em: https://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2021/05/20/garimpeiros-tentam-invadir-comunidade- na-terra-yanomami-em-10o-dia-de-ataques-dizem-indigenas.ghtml

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Fonte: https://www.google.com.br/maps/place/Yanomami/@2.4992968,-

62.4186344,762790m/data=!3m1!1e3!4m5!3m4!1s0x8df03e8c1aef0a7d:0x9ac6ef959b486f1d!8m2!3d2.196727
2!4d-62.7978516
Seguinte à leitura da notícia e a observação das imagens indicadas, o debate a ser levantado pelo professor deve levar em conta questões que incitem os estudantes a questionar o cumprimento do texto constitucional por parte de autoridades governamentais e dos interesses privados. Além de tal ponto, a relação entre a demarcação de terras e a preservação dos biomas nativos é relevante como uma demonstração de mais um benefício que advém desta causa. Assim, a seguir sugerem-se perguntas que ajudam no levantamento da discussão:
 Quais infrações à Constituição os garimpeiros da notícia estão infringindo? Há respeito pelos modos de vida indígenas e seus direitos?
 Quais os riscos desse tipo de invasão para os moradores da área?
 Quais as relações entre a notícia e o primeiro texto lido?
 Com base no mapa, qual região brasileira possui mais terras demarcadas? A sua localização influenciou neste processo?
 A demarcação pode proteger os grupos indígenas das problemáticas do contato, levantadas por Ailton Krenak?
 A região Yanomami destacada na imagem possui a floresta mais ou menos preservada do que as áreas ao seu redor? É possível dizer que suas características como território indígena contribuem para isto?
A reflexão final feita com auxílio dos questionamentos acima é posta como fechamento das atividades propostas pela sequência. O que espera-se é que, a partir dos últimos documentos apresentados, a classe consiga construir uma relação entre todos os documentos analisados, formando uma percepção panorâmica da questão indígena brasileira, partindo de visões tradicionais, passando pelas leis geradas pelas reivindicações e direitos destes grupos, e por fim chegando na atualidade dessa discussão.
A construção de um paralelo entre crenças, direitos assegurados e acontecimentos contemporâneos ajuda a demonstrar a historicidade da questão, que merece ser reforçada durante as indicações feitas pelo professor. Desse modo, através da gama de documentos expostos, as atividades proporcionam aos estudantes a elaboração ativa do debate sobre as questões, criando um aprendizado que passa pelos pontos principais da luta indígena por direitos no Brasil.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

AILTON Krenak. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2021. Disponível em: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa641357/ailton-krenak. Acesso em: 11 de Jul.
2021.

BITTENCOURT, Circe. História das populações indígenas na escola: memórias e esquecimento. IN: Pereira, Amilcar Araújo e MONTEIRO, Ana Maria (org.). Ensino de história e cultura afro-brasileiras e indígenas. RJ: Pallas, 2013, p. 101 – 132.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Centro Gráfico, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 11 de Julho de 2021.
CUNHA, Manuela Carneiro da. Índios na Constituição. Novos estudos Cebrap, São Paulo, v.
37, nº 03, p. 429-443, set-dez, 2018. Disponível em: https://www.scielo.br/j/nec/a/d9Kq7jjTt8GqR8DqBSgQbTK/?lang=pt. Acesso em: 11 de Julho de 2021.
GARIMPEIROS tentam invadir comunidade na Terra Yanomami em 10º dia de ataque, dizem indígenas. G1: Roraima, 20 de Maio de 2021. Disponível em: https://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2021/05/20/garimpeiros-tentam-invadir-comunidade- na-terra-yanomami-em-10o-dia-de-ataques-dizem-indigenas.ghtml. Acesso em: 11 de Julho
de 2021.
ÍNDIO CIDADÃO – O FILME. Índio Cidadão? – Grito 3 Ailton Krenak. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=kWMHiwdbM_Q. Acesso em: 11 de Julho de 2021.
KRENAK, Ailton. O eterno reencontro do encontro. In: NOVAES, Adauto (org.). A Outra Margem do Ocidente. São Paulo: Minc-Funarte/Companhia das Letras, 1999. Disponível online em: https://www.geledes.org.br/narrativa-krenak-o-eterno-retorno-do-encontro/. Acesso em: 11 de Julho de 2021.

Referencia
Graduandos