Existia gente na Amazônia? Conhecendo a História Indígena pré-colonial com fontes arqueológicas

Universidade de São Paulo
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas Departamento de História

 


Joseane Pereira da Silva | Nº USP: 8670246

FLH0421 - Ensino de História: Teoria e Prática

Profª Drª Antonia Terra Calazans Fernandes
Sequência didática

São Paulo Junho de 2018

 


Tema: Existia gente na Amazônia? Conhecendo a História Indígena pré-colonial com fontes arqueológicas


Público-alvo: Alunos do 9º ano do Ensino Fundamental
Duração: 2 aulas de 1h40min


Objetivos: Levando em conta o desconhecimento geral sobre os povos que viveram no Brasil em tempos pré-coloniais, a sequência didática aqui apresentada busca construir ferramentas que levem tais temas a estudantes do Ensino Fundamental. Baseando-se no olhar da Arqueologia sobre o território Amazônico, a proposta envolve utilizar imagens e conteúdo audiovisual como ferramentas para que os alunos percebam as dinâmicas socioculturais que ocorreram por aqui no período correspondente à Idade Média Europeia. Desta forma, ao se colocarem em contato com vestígios de culturas que floresceram antes da chegada dos colonizadores, os estudantes podem desenvolver abordagens que questionem o discurso sobre o tradicional “descobrimento do Brasil” datado do século XVI.

Nesse sentido, proporcionando reflexões sobre a existência de povos pouco (ou nunca) mencionados em livros didáticos, a sequência se pautará na análise de objetos arqueológicos, fotografias de escavações, mapas e uma reportagem de televisão. A leitura do mapa poderá ser feita junto aos professores de Geografia em uma abordagem multidisciplinar. Dessa forma, busca-se ampliar nos alunos a capacidade de leitura iconográfica/cartográfica, maximizar os debates em sala de aula e o proporcionar o entendimento sobre a diversidade cultural existente no território brasileiro em tempos remotos.

 


Material necessário:
- imagens de objetos arqueológicos pertencentes a culturas da Tradição Polícroma da Amazônia1 (400-1600 d.C.);
- imagens de escavações arqueológicas e mapa retirado de revista de divulgação;
- Computador com acesso a internet e retroprojetor.

Outra possibilidade seria, junto ao material elencado, utilizar os kits de Arqueologia da Amazônia provenientes do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP para que os alunos completem sua experiência através da análise de objetos concretos. Caso o professor não consiga acessar os kits, o conteúdo aqui disponibilizado será suficiente para se atingirem os objetivos da sequência.

 


Plano de aulas


AULA 01: Introdução à análise arqueológica
A primeira aula tem como objetivo introduzir as alunas e alunos à temática da Arqueologia e à análise de imagens. Primeiramente, o professor ou aplicador da sequência deverá projetar a seguinte imagem:

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1 Para explicações sobre a Tradição Polícroma da Amazônia, ver APÊNDICE.

 

registro de uma escavação arqueológica realizada na Ilha de Marajó/PA em 1915
Esta imagem é o registro de uma escavação arqueológica realizada na Ilha de Marajó/PA em 1915, dirigida pelo arqueólogo William Farabee da Universidade da Pensilvânia. O episódio está inserido nas inúmeras escavações feitas em território brasileiro em fins do século XIX e começo do XX, que resultaram na exportação de muitos objetos para museus internacionais. Os objetos retratados são urnas funerárias de grupos indígenas pertencentes à cultura Marajoara, que viveram na Ilha de Marajó do século V d.C. ao século XV d.C.

A observação da imagem deve ser direcionada a partir das seguintes perguntas:
1. Quais objetos aparecem na imagem?
2. Como é a paisagem no entorno?
3. O que você acredita ser o principal foco da imagem?
4. A partir da imagem, você consegue distinguir algum tipo de trabalho/profissão?

Espera-se que os alunos cheguem à conclusão de que a imagem representa uma escavação arqueológica. A pergunta 02 possibilita a percepção de que a escavação se realiza em paisagem tropical, pela observação das folhas de bananeira ao fundo. As questões 01 e 03 facilitam a percepção de que o foco está nos objetos encontrados pelos arqueólogos, que aparecem espalhadas no centro da imagem como um “tesouro”.

Após a observação, realizada pelos estudantes em conjunto, a sala deverá ser dividida em quatro grupos. Cada grupo receberá a imagem de um objeto arqueológico seguida de uma pequena definição sobre “o que é arqueologia”, e a ideia é que os estudantes atuem como grupos de arqueólogos, retirando informações sobre os objetos a partir de questões propostas e, assim, desenvolvendo a capacidade procedimental2 de análise. Os materiais seguem abaixo:

caixa de texto


 


Imagem 01

imagem urna funerária Marajoara

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2 “Os conteúdos procedimentais, por estarem configurados por ações, podem ser considerados dinâmicos com relação ao caráter estático dos conceituais (...). A aprendizagem de procedimentos implica, portanto, a aprendizagem de ações.” (ZABALA, 1993)

 

Informações para o professor: urna funerária Marajoara, datada por volta de 700 d.C. Distribuída em montes de terra acima da superfície na Ilha de Marajó/PA, apresentam forma globular com figuras antropozoomorfas, representando um ser humano ou animal com olhos semicerrados. Utilizadas para enterramento secundário3 de famílias poderosas da cultura Marajoara, que desapareceram antes do contato com o colonizador. Atentar para a observação dos padrões geométricos que formam figuras.


Imagem 02

imagem urna funerária Maracá
Informações para o professor: Urna Funerária Maracá, distribuída na superfície de abrigos rochosos e cavernas no sul do Amapá. Parecem ter tido contato com os europeus, pelas contas de vidro encontradas em seu interior. Antropomorfismo estilizado, com braços e pernas tubulares e destacados do corpo. As tampas formam cabeças, e as decorações da urna representam adornos e pinturas corporais.

Os ossos humanos de apenas um indivíduo, uma vez decorados, eram colocados dentro da urna de forma padronizada.

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3 ver APÊNDICE

 

 


 APÊNDICE

Imagem 03

imagem urna funerária Guarita

Informações para o professor: Urna funerária Guarita, da Amazônia Central. A datação varia de 700
d.C. até a época do contato. Variam entre 25 e 80 cm de altura, e o rosto é sempre contornado por aplique em forma de faixa que termina em espirais, círculos ou cabeça de cobra. As pernas são flexionadas como se o indivíduo estivesse sentado, e os pés são protuberantes. Utilizada para enterramento secundário.


Imagem 04

imagem urna funerária Caviana

Informações para o professor: Urna funerária Caviana, do Pará. Medem entre 40 e 70 centímetros de altura, e representam corpos humanos sentados sobre bancos. Apresentam corpos fálicos com pernas flexionadas e apoiadas ao solo. As tampas, em forma de cuias, representam as cabeças, com olhos, nariz, boca e outros elementos em apliques modelados. A decoração elaborada remete às práticas de pintura corporal.

 


Após receber as imagens, o grupo conduzirá suas análises com base nas seguintes questões:

01. Qual o formato do objeto? O que chama mais a atenção?

02. Em que parte do mundo você acha que ele foi encontrado?

03. Levante hipóteses sobre o uso desse objeto. Com que finalidade ele foi feito?

Aqui, os alunos deverão desenvolver a capacidade de análise iconográfica, percebendo a forma, relevo e grafismos presentes nos objetos. Após responder as perguntas, cada grupo deve apresentar os resultados para o restante da sala, mostrando as informações que conseguiram extrair da imagem e as hipóteses que levantaram sobre o local e uso dos objetos. Nesse momento o professor deve atentar para as opiniões sobre o local de origem, que será o tema gerador para a próxima aula.

 

 

AULA 02: Brasil ano 1000

Nessa aula os alunos serão introduzidos à temática da Arqueologia Amazônica. A ideia é estimular uma reflexão sobre como estava o território Brasileiro em uma época onde geralmente os livros didáticos se focam na Europa medieval: o ano 1000. Os alunos utilizarão as ferramentas já estimuladas na aula anterior, fazendo uma conexão entre o conhecimento historiográfico e o arqueológico ao perceberem que é possível entender o Brasil do ano 1000 a partir da análise da cultura material. A aula deverá iniciar com as seguintes perguntas:

● Quem os arqueólogos estudam quando pesquisam sobre o passado do Brasil?

● Existiam pessoas aqui antes dos portugueses chegarem? Quem eram essas pessoas?

● Imagine agora o território Amazônico. Você acha que existem pessoas lá hoje em dia?

● Como você imagina a Amazônia do ano 1000?

Após o estímulo propiciado pelas questões, a professora ou professor deve projetar o mapa que se segue, retirado de uma edição da revista National Geographic sobre a Amazônia pré-colonial:

mapa do território amazônico em meados do ano mil

Mapa do território Amazônico em meados do ano 1000

Com o mapa podem ser abordadas inúmeras questões, entre elas as que estão elencadas abaixo. A ideia é que os alunos discutam entre si as questões propostas:

● O que significam as manchas rosa no mapa?
A legenda mostra que as manchas rosa representam as culturas arqueológicas. Ou seja, cada mancha mostra uma população indígena com costumes e tradições diferentes, o que é revelado com o estudo dos objetos escavados, dos vestígios orgânicos encontrado em fogueiras e cemitérios, em suma, da pesquisa arqueológica.

● Onde está o rio Amazonas? O que são as manchas verdes em volta dele?
Também com a leitura da legenda, pode-se perceber que as áreas de maior densidade populacional encontram-se em volta do Amazonas e seus afluentes. Aqui, o professor pode relembrar conteúdos já aprendidos sobre os grandes povos que se desenvolveram em volta de rios (os egípcios com o Rio Nilo, mesopotâmicos com Tigre e Eufrates, chineses com Amarelo e Azul, indianos com o Rio Indo), para que os alunos debatam se na Amazônia ocorreu o mesmo fenômeno.

● Você consegue identificar no mapa os artefatos arqueológicos analisados na aula passada? Onde eles estão? Existe alguma relação entre eles?

 

Todos os artefatos analisados são urnas funerárias que fazem parte da Tradição Polícroma da Amazônia, e que por terem características parecidas (urnas de enterramento secundário representando figuras antropomorfas sentadas, com cores vermelho e preto em fundo branco) demonstram a possibilidade do estabelecimento de trocas culturais entre os povos locais. Aqui os alunos irão confirmar ou negar as próprias hipóteses sobre local e uso dos objetos, reformulando-as com base na análise cartográfica.

A leitura deste mapa pode continuar posteriormente com o auxílio dos professores de Geografia, abordando outros aspectos e aprofundando o conhecimento sobre o tema.

Após o estudo do mapa e reformulação das hipóteses, o professor deverá passar o seguinte vídeo do Youtube, produzido no ano de 2018, sobre uma pesquisa arqueológica realizada atualmente na Amazônia. O estudo, que tem como um dos idealizadores o arqueólogo brasileiro Eduardo Góes Neves, procura desvendar os modos de vida das populações indígenas do passado, entendendo, entre outras coisas, como essas populações manejavam a floresta de forma sustentável.

Vídeo: “Expedição científica em busca dos vestígios de povos antigos da
Amazônia”
https://www.youtube.com/watch?v=GOJ-VMRHVMM

 

Avaliação da sequência didática: após terminadas as etapas da sequência, a avaliação poderá ser feita da seguinte forma: os alunos devem, novamente separados em quatro grupos na sala, produzir um vídeo ou áudio em conjunto utilizando o celular de um dos integrantes do grupo. O conteúdo audiovisual deve ser norteado por estímulos como o que segue:

Fale um pouco sobre os povos que viviam na Amazônia antes da chegada dos portugueses no Brasil. Em qual parte da floresta eles estavam concentrados? Quais objetos produziam? Como enterravam seus mortos? Eles tinham alguma relação de trocas entre si? E qual área do conhecimento nos ajuda a entender essas questões?

Dessa forma, os estudantes passarão a entender que estudar a história de um povo vai muito além de analisar documentos escritos, e que a Arqueologia pode ser vista como História em sentido amplo. Os alunos devem entregar esse conteúdo ao professor por pen drive, ou via Whatsapp, até o fim do horário de aula.
Obrigada!!!

 

 

APÊNDICE


● O que são fases e tradições arqueológicas?

As fases e tradições arqueológicas são convenções criadas pelos arqueólogos que garantem uma nomenclatura-base para seus estudos.

Uma fase seria um “grupo cultural”, caracterizado por uma cronologia específica e por objetos que guardam relação de continuidade entre si (como a fase Marajoara, que agrupa os povos que viveram na Ilha do Marajó entre 400 e 1300 d.C.). Por sua vez, uma Tradição é uma junção de fases distintas com objetos de características comuns, que agrupa povos dispersos geográfica e cronologicamente apontando para a transmissão de técnicas e interação social.

 

● O que é a Tradição Polícroma da Amazônia?

A Tradição Polícroma da Amazônia é uma junção de fases arqueológicas cujos objetos têm como característica comum a aplicação das cores preto e vermelho em fundo branco, e que datam de 400 a 1600 d.C.

Agendamento para o uso do kit de Arqueologia da Amazônia do MAE/USP: educativo.mae@usp.br

 

 

Outro exemplo de imagem para a Aula 01

imagem de arqueólogos americanos
Arqueólogos norte-americanos Betty Meggers e Cliffod Evans em expedição na Ilha de Marajó, 1949.

 

 

Bibliografia

BARRETO, Cristiana. Meios místicos de reprodução social: arte e estilo na cerâmica funerária da Amazônia antiga. São Paulo: Programa de pós-graduação em Arqueologia. Museu de Arqueologia e Etnologia. Universidade de São Paulo (Tese de Doutorado), 2009. (ver Capítulo III - A Arqueologia das Urnas Funerárias da Amazônia)

BELLETTI, Jaqueline. A Tradição Polícroma da Amazônia. In: BARRETO, Cristiana; LIMA, Helena pinto; BETANCOURT, Carla Jaimes (Orgs.). Cerâmicas arqueológicas da Amazônia: rumo a uma nova síntese. Belém: IPHAN; MPEG, 2016. p.348-364.

BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. História das populações indígenas na escola: memórias e esquecimentos. In: PEREIRA, Amilcar Araujo; MONTEIRO, Ana Maria (Orgs.). Ensino de histórias afro-brasileiras e indígenas. Rio de Janeiro: Pallas, 2013. p. 101-132.

NEVES, Eduardo G. Arqueologia da Amazônia. Coleção Descobrindo o Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2006.

ZABALA, Antoni. Os enfoques didáticos. In: COLL, César, MARTÍN, Elena… (org.). O construtivismo em sala de aula. São Paulo: Ática, 1996, p. 153 – 196.

Prévia da edição Brasil Ano Mil da National Geographic, utilizada na elaboração da sequência: https://pt.scribd.com/document/31752228/Brasil-Ano-Mil-National-Geograp…

Referencia
Graduandos
Anexo Tamanho
Existia gente na Amazônia.pdf 1.03 MB