Uma análise das formas de socialização entre adolescentes na Vila Cruzeiro na segunda metade da década de 1970 e de 1980

Aluno (a): Daniel Gomes de Carvalho

Disciplina USP: Uma História para a Cidade de São Paulo: Um Desafio Pedagógico
Docente responsável: Antonia Terra Calazans Fernandes
 

 

 

     Este trabalho tem como objetivo realizar uma análise comparada das formas de socialização entre adolescentes de 15 a 18 anos, na Vila Cruzeiro, na segunda metade da década de 1970 e de 1980; o trabalho será estruturado de maneira didática, com a finalidade de ser útil a um professor. Várias atividades e reflexões foram sendo sugeridas ao longo do trabalho; longe de fornecer ao professor um roteiro a ser seguido, são apenas propostas que devem ser utilizadas de acordo com a necessidade, condições, ritmo e interesse de professores e alunos. Boa parte das propostas de uso desse material foram pensadas para alunos de 15 a 18 anos, para os quais a comparação seria mais direta.

     Para cumprir esse objetivo, foram entrevistados os irmãos Maria Cristina, que viveu a adolescência na Vila Cruzeiro (o nome oficial do lugar é Várzea de Baixo, porém, os habitantes não usam tal denominação) no fim da década de 1970, Rogério da Silva (ainda residente no local), que viveu sua adolescência no fim da década de 1980, e José Pereira da Silva, pai deambos, que forneceu a visão paterna a respeito da adolescência dos filhos. Ao longo da elaboração do trabalho, foram feitas, por telefone, várias outras perguntas aos entrevistados que, infelizmente, não puderam ser gravadas por limitações de diversas ordens.

     O uso das entrevistas pelo professor daria aos alunos uma visão concreta do passado, além de ser essencial para mostrar a eles como hoje estão fisicamente os adolescentes do fim da década de 1970 e 1980.  Seria interessante passar o vídeo antes de qualquer conversa com os alunos para que eles não apenas ajudem a desenvolver as questões aqui propostas como levantem novas questões que eventualmente passaram despercebidas. Foram feitas também algumas fotos da Vila Cruzeiro para que o aluno visualize melhor o contexto com o qual está trabalhando.

     Tal análise permitiria aos alunos comparar as suas formas de buscar diversão com a de seus (não tão distantes) antepassados; com isso perceberiam a singularidade de sua época, o momento histórico em que vivem e suas diferenças com o passado. Um dos objetivos do estudo da história – isto é, compreender a atual realidade como fruto de um processo histórico, e não como eterna, óbvia e imutável – seria, com tal atividade, cumprido. A partir disso, o professor, como veremos, poderia trabalhar outras questões com os alunos, como a mudança no campo dos transportes, da segurança, roupas, costumes, meios de comunicação e relações sociais nos últimos 30 anos em São Paulo. Os alunos perceberiam também a dinâmica das transformações históricas no final do século XX; veriam materialmente que, em pouco tempo (40 ou 30 anos), os costumes e hábitos mudaram muito rapidamente. O aluno deve procurar refletir quais os motivos, portanto, que levaram a essa mudança.

     Antes de tudo, o professor deve ter em vista que ensinar a História de São Paulo na segunda metade do século XX é trabalhar com um universo fragmentado, multiidentitário, composto por uma amálgama de profissões e fortes distinções de classe. Outro visível aspecto da cidade de São Paulo são as marcantes diferenças entre os bairros, os quais, para um viajante desavisado, parecem uma reunião de cidades distintas. Pensar o microcosmo da Vila Cruzeiro na segunda metade do século XX, portanto, implica em levar em conta todos esses fatores. Não se nega, por um lado, o quanto a realidade da Vila Cruzeiro é representativa de um processo histórico e social mais amplo; mas não se pode cair, por outro, na excessiva generalização.

     Trata-se de uma região localizada em Santo Amaro, na Zona Sul, composta essencialmente – tanto hoje quanto na época dos depoimentos – pelo que podemos chamar de classe média baixa; entre os entrevistados, Maria trabalhou na adolescência como dançarina, chegou a completar o magistério, trabalhar como professora e, depois de casar-se com um professor da rede estadual, terminou de trabalhar para ficar com os filhos; Rogério já foi cantor nos anos 1990, trabalhou em serviços não especializados e atualmente está desempregado. Na adolescência, os entrevistados alegaram em vários momentos “falta de dinheiro” para realizar determinadas atividades; tem-se aí, portanto, um primeiro condicionante de tal estudo. A partir dessa falta de dinheiro, várias possibilidades de diversão, abertas a integrantes de outras classes sociais da época, estão fechadas aos habitantes da Vila Cruzeiro. O alegado fato de “não possuírem carro”, numa grande cidade como São Paulo, é um elemento determinante. O professor, a partir de tal constatação, poderia realizar com os alunos uma reflexão sobre os tipos de diversão que, devido à sua condição social, os próprios alunos estariam privados ou teriam acesso. Com isso, teriam um ingrediente para pensar melhor sua posição na sociedade. As fotos, nesse sentido, são essenciais para que o aluno visualize as condições do bairro.

     Nota-se nos depoimentos não apenas uma limitação econômica, mas também uma limitação espacial na diversão dos alunos, que parece ser um costume não unicamente condicionado pelas condições econômicas dos entrevistados. Nas duas décadas, e mais incisivamente na década de 1970, o bairro e suas proximidades são quase as únicas possibilidades de diversão aos adolescentes; poucas vezes iam a bairros distantes encontrar os amigos. A escola e os “bailes” estavam todos nas proximidades, de forma que os adolescentes costumavam, tanto no fim da década de 1970 quanto no fim da década de 1980, se deslocarem unicamente a pé. Cristina lembrou como seus namorados da adolescência moravam todos em seu bairro e, geralmente, estudavam em seu colégio, pois esses eram quase os únicos ambientes de socialização para um adolescente da época. Isso, em parte, se liga a maior precariedade do transporte público na época, a maior segurança e a menor difusão da posse de carro; mais do que isso, parece um costume generalizado, uma vez que alguns amigos que possuíam mais recursos financeiros também integravam o grupo. E isso torna ainda mais relevante o fato de os bairros paulistanos terem identidade própria, diferindo em vários aspectos entre si.

     Há outros tipos de limitação importantes. Trata-se de uma família católica, bastante unida, com uma presença marcante e controladora dos pais, portadores de valores cristãos, muito influenciados pela cultura nordestina, de onde são provenientes. Todas as mulheres da casa se incluiriam na definição “moças de família”; as transgressões desses valores parecem ter sido pouco comuns.

     Dessa forma, a principal forma de diversão para os entrevistados em Santo Amaro, tanto no fim da década de 1970, quanto na década de 1980, eram os bailes e encontros, realizados, em geral, na casa de amigos no próprio bairro (os alunos, provavelmente, estranharão o nome “baile”, acostumados como estão com o nome “balada”). Como existia um controle forte sobre esses adolescentes, realizar esses encontros nas próprias casas era uma maneira de obterem autorização dos pais para se divertirem (com isso, os pais sabiam onde e com quem os filhos estavam). Hoje não desapareceram encontros entre amigos; no entanto, quando os adolescentes buscam lugares para dançar, quase sempre buscam lugares especiais para isso; e os adolescentes da atualidade deslocam-se de um bairro a outro com mais frequência. Do mesmo modo, aqueles que não freqüentavam esses bailes, segundo Cristina, eram qualificados como “nerds”, e permaneciam excluídos; têm-se aí uma importante ferramenta para o professor que pretender trabalhar o temo da exclusão entre seus alunos.

     As outras festas que freqüentavam eram, no máximo, as festas juninas ou festas da igreja em geral. Os cinemas eram frequentados tanto na década de 1970 quanto 1980; Cristina disse que assistia desenhos como Tom & Jerry, filmes com Os Trapalhões, histórias de amor como Love Story, mas ia ao cinema predominantemente para assistir musicais, como Hair e Saturday Night Fever, ligados à cultura disco de sua época.

     Tanto nos anos 70 quanto 80, como quase tudo ocorria no âmbito do bairro, os adolescentes iam e voltavam desses bailes a pé. Diversas questões podem ser levantadas pelo professor nesse sentido; mudanças no âmbito urbano, a maior integração entre bairros, a difusão no uso do carro, a menor segurança em São Paulo (hoje, é, para a maioria, impensável que um adolescente de 15 a 17 anos vá sozinho a uma balada).  O aluno pode, inclusive, repensar a importância de seu bairro em sua vida social, fazendo um balanço das mudanças e permanências notadas no vídeo. Cristina lembrou que, mesmo quando ficou mais velha, e começou a freqüentar bares, ainda limitava-se aos bairros próximos, mais “acessíveis”, como Ibirapuera, Moema ou Brooklin, onde, segundo ela, começaram a florescer as primeiras danceterias.

     Os bailes aconteciam sempre nos sábados; no máximo até meia-noite. Como lembrou Cristina, nos outros dias da semana, inclusive na sexta, eles não saiam, e ficavam em casa.

     Cristina ainda lembrou como, surpreendentemente, muitos desses bailes ocorriam em sua própria escola; nota-se, pelo depoimento, que a escola tinha um lugar muito maior na vida social do aluno, ao contrário de hoje, onde ela progressivamente perde esse papel e concorre cada vez mais com outras instâncias. Ocorriam em média dois bailes por mês na escola, geralmente na parte da tarde. Ela lembrou ainda como sua escola – a qual, aliás, era estadual – promovia diversos concursos de canto e dança, hoje muito incomuns nas escolas.

     Nesses bailes, os próprios amigos selecionavam a música que ouviam – tanto Rogério quanto Cristina lembraram como os bailes eram “improvisados por eles”, que por conta própria traziam o som e as luzes – ao contrário de hoje, onde a música é pré-estabelecida pelos DJ`s. Do mesmo modo, na década de 1970, predominava entre os amigos de Maria Cristina o disco (como exemplo clássico de Bee Gees, além do contexto do filme Embalos de Sábado a Noite como modelo a ser seguido nesses bailes), ao passo que predominava entre os amigos de Rogério o rock (com bandas como The Cure, U2, Legião Urbana e Ultraje a Rigor). Há, dessa forma, outra diferença fundamental nessa cultura de dança: a grande maioria das músicas dançadas nas duas épocas eram também “cantadas”, ao passo que o eletrônico de hoje é caracterizado pela (quase) ausência de voz. Alunos e professores podem trazer músicas da época dos entrevistados e dos alunos para efetuar tal comparação.  No caso de Cristina, aliás, a influência dos “filmes de dança” é bastante forte entre sua faixa de idade; é interessante notar como tais filmes hoje são menos comuns, o que, como pode ser discutido entre os alunos, pode inclusive estar ligado à diferença dos arranjos musicais.

     Os dois entrevistados, especialmente Cristina, deram ênfase ao fato de sua geração ouvir, predominantemente, música norte-americana, e admirar muito a cultura dos EUA; Rogério diz que o fato de sua geração ouvir mais música brasileira que Cristina deve-se ao fato de que o rock nacional estava em alta em sua época, com bandas como Barão Vermelho, Legião Urbana, Ultraje a Rigor, Paralamas do Sucesso, Ira, Engenheiros do Havaí, os quais, como o aluno notará, têm grande relevância no rock nacional até os dias de hoje. O professor pode trabalhar, nesse sentido, a penetração da música norte-americana no Brasil, buscando suas origens e motivos.

     Interessante notar como o pai de Cristina, José Pereira, diz que sua filha não ouvia música norte-americana, mas apenas Roberto Carlos; Cristina não nega o fato de que também ouvia música nacional, mas lembra como fazia muita coisa “escondida do pai”. Em entrevista pelo telefone, ela lembrou, por exemplo, a grande repulsa que o pai – nordestino “machão” – tinha por cantores como os Bee Gees ou, posteriormente, Axel Rose, qualificados por ele como “cabras frouxos”, por dançarem e utilizarem roupas tidas por ele como extravagantes. Nota-se, não apenas nesse momento, um choque entre a cultura trazida pelo pai do nordeste (ele migrou de Pernambuco na época do nascimento de Cristina) e a cultura paulistana, muito mais fluida, diversa e influenciada pelos EUA; eis um ponto importante para o professor trabalhar os impactos da migração nordestina para São Paulo. Como ele enfatiza em sua entrevista, há um constante esforço em preservar em sua família os valores mais tradicionais que trouxe consigo; pai extremamente protetor, cita com orgulho as várias vezes que defendeu suas filhas, e as diversas regras que deveriam rigidamente ser cumpridas por elas.

     Cristina enfatizou ainda a ausência de qualquer forma de drogas ou bebida alcoólica nesses bailes; tal fato, dependendo do grupo de alunos que se estiver trabalhando, pode gerar espanto, uma vez que diversão e álcool estão muito associados nos dias de hoje. Já Rogério notou como, apesar das drogas serem pouco difundidas, já era usual o consumo de bebidas alcoólicas em sua época, tanto entre os meninos como entre as meninas. Com isso, os alunos podem repensar a relação entre drogas, bebida e diversão nesse período e compará-lo com sua época; nota-se, também, a evolução de seu uso, que parece aumentar nas últimas décadas. Mas é preciso lembrar: Cristina enfatizou como outros grupos – rockeiros, hippies – minoria em sua região, faziam uso intenso de drogas na década de 1970. Tal constatação seria esperada, uma vez que o movimento hippie se dá principalmente entre pessoas de classe média alta, fora da realidade da Vila Cruzeiro.

     No campo cultural, há um aspecto do vídeo muito útil para ser trabalhado. No caso de Maria Cristina, nota-se em sua época um padrão comportamental a ser seguido; todos deveriam utilizar “calça boca de sino” e outras roupas “padrão”, em geral muito coloridas (ela lembrou curiosamente como eles viravam o chinelo havaianas para ficar preto); era preciso seguir essa moda nova. Era muito difícil sair desse padrão; uma emblemática foto da época, por exemplo, mostra o futuro presidente Geisel – conhecido por sua intransigência e autoritarismo – também utilizar “boca de sino”. Isso mostra como uma tendência única imperava na época, não obstante as diferenças de personalidade e gosto. Cristina diz que, em sua época, havia unicamente dois grupos: aqueles ligados ao “rock” (Cristina citou bandas como Yes e Pink Floyd) e aqueles ligados ao “disco”; ela não conseguiu lembrar-se de nenhum outro grupo.

     Uma década depois, com Rogério, no entanto, vê-se uma sociedade já sob o signo do que se costuma chamar pós-modernismo; não há mais um único modelo a ser seguido, a diversidade já se tornara regra, de modo que as várias “tribos” tinham plena liberdade para escolher cada um seu modo de se vestir. Como o próprio Rogério afirma, tais diferenças, em geral, estavam apenas nas aparências; não se tornava “punk” por ideologia, mas por “moda”, ou seja, simplesmente pela vontade de ser diferente, utilizar tal cabelo, tal roupa ou freqüentar determinados lugares. Curiosamente, Rogério afirmou que a cultura “disco” de Cristina não mais prevalecia em sua época; no entanto, o rock da década de 1970, apesar de outrora, como foi visto, ser menos predominante que o disco, permaneceu (e ainda permanece) sendo ouvido por todas as gerações.

      Tal diferença é instrumento útil para o professor trabalhar (ou, dependendo de seu ponto de vista, desconstruir) a questão do “pós-modernismo”. Mais do que isso, o professor pode lembrar tendências típicas da época dos alunos (como o “Emo”) e pensar a relação deles com isso. Como, por exemplo, movimentos novos como os “emos” seriam vistos hoje? A que idéias estão associados? Na época de Cristina, os “rockeiros” pareciam ser vistos com maus olhos, associados às drogas, marginalizados, de maneira que os pais de muitos meninos e meninas proibiam os filhos de andar com eles, apesar de serem, como Cristina afirmou, inofensivos. Cristina afirmou que saia com os “rockeiros” escondida do pai (e até casou com um, como brincou). Rogério afirmou que, em sua época, nascia a prática de fazer tatuagem; se hoje, as pessoas exibem calmamente suas inúmeras tatuagens na televisão, em São Paulo no fim da década de 1980 elas deveriam ser escondidas (mesmo quando eram pequenas), pois eram associadas ao “maloqueiro”. Existiria isso ainda hoje? Quais as novas relações do mundo em relação a essas práticas? Do mesmo modo até que ponto tendências existentes ainda hoje (como os “metaleiros”) seriam existentes apenas na aparência ou estariam associadas a um conjunto de idéias e práticas definidas?

     Há outro aspecto interessante por trás desses depoimentos; vê-se que, entre os jovens da década de 1970 e 1980, os grupos formavam-se de acordo com a música que se ouvia; a música, portanto, era meio de associação e, portanto, de exclusão, definindo comportamentos, roupas e até linguagens. O professor, dessa forma, poderia trabalhar tal idéia com os alunos para avaliar até que ponto esse padrão ainda permanece.

     Ainda sobre esse tema, Rogério apontou na década de 1980 uma oposição entre seu bairro e o centro da cidade: enquanto, em seu bairro, as diversas “tribos” conviviam de maneira harmônica, no centro da cidade haveria “punks” e “metaleiros” que poderiam agredir o próximo pelo fato de ser diferente. Por isso, quando saia para o centro da cidade (note que, no caso de Cristina na década de 1970, não se saía no centro), Rogério e seus amigos iam “descaracterizados”. Têm-se na época, portanto, a idéia de um centro da cidade violento e perigoso já era presente, ainda que em menor escala do que hoje.

     Os depoimentos também podem ser usados para trabalhar a questão do gênero e em São Paulo no fim do século XX. José Pereira, pai de Cristina, enfatizou, com orgulho, o estrito controle que fazia sobre os horários de suas filhas. Entre 18 e 19 horas elas saíam de casa pra voltar, no máximo, meia-noite; “horário em que hoje as moças saem de casa”, observou José Pereira. No caso de Rogério, tanto pela época, quanto pelo sexo, tal controle, apesar de existir – Rogério disse pelo telefone que sempre, inclusive mais velho, era obrigado a informar para o pai onde estava – era um pouco mais frouxo.

     De qualquer forma, fica claro do vídeo tal controle que o pai exercia sobre a filha, mantê-la firmemente arraigada aos valores que trouxe de sua vivência no nordeste. É bem claro para José Pereira as diferenças entre moças boas, “de família”, e moças “perdidas”; controlando as roupas, os horários, companhias, José Pereira tinha plena convicção de manter seus filhos “na linha”, sob suas “ordens”, impedindo-os de sair com qualquer pessoa que consumia, por exemplo, bebidas alcoólicas. Pai dedicado, chegou a brigar por elas, como conta na entrevista. Criticou, nesse sentido, os atuais decotes, a hora que hoje as moças saem e a falta de respeito que percebe nas “crianças de hoje”. Maria Cristina lembrou como seus namoros limitavam-se à porta de casa, sob a vigia do pai; não existia em sua adolescência a prática de “sair” com o namorado. Todas as vezes que ia aos bailes, era obrigada a ir acompanhada pelas irmãs (dois ou três anos mais novas); de nenhuma forma poderia ir sozinha. Como ela mesma lembra, certas coisas tinha que fazer “escondida”. Longe de qualquer moralismo anacrônico, o aluno percebe, com isso, as diferenças gritantes de comportamento nas gerações não tão antigas, e entende melhor a visão que seus próprios pais, tios e avós têm de suas atitudes (pois é essa época passada que têm em vista quando vêem seus filhos).

     Cristina e Rogério lembram como não havia, em sua época, a idéia do “ficar”. Isso é uma diferença fundamental entre o mundo adolescente de hoje e das décadas de 1970 e 1980. No fim da década de 1970, no momento em que se beijava o companheiro, automaticamente, se estava namorando. O compromisso estava assumido, e era preciso conhecer os pais. E, do mesmo modo, geralmente os namoros duravam um ou dois anos. Rogério afirma pertencer a uma “época de transição”, quando estava nascendo o conceito de “ficar”. O beijo não implicava diretamente no compromisso, mas não era tão “banalizado”; a expectativa, a conquista e a conversa eram maiores, e não era usual beijar várias pessoas numa única noite. O professor pode trabalhar não só as diferenças e a evolução dessas idéias, mas também refletir com os alunos o papel da mídia nesse processo. Novelas e seriados, quando tratam dessas relações entre adolescentes, simplesmente refletem uma mudança na presente realidade ou também ajudam, senão a criá-la, pelo menos a difundi-la? O uso de filmes, fotos, novelas ou propagandas de outras épocas – hoje disponíveis na internet – é um interessante meio para o professor diferenciar os valores que são aceitos e propagados hoje e outrora.

     Rogério ligou ao contexto da ditadura um estrito controle que, ainda no fim da década de 1980, existia sobre o “palavreado”. Era proibido falar qualquer forma de palavrão, mesmo palavras hoje inofensivas como “pentelho”, as quais, se não eram cortadas, deveriam ser substituídas por palavras como “penteio”; e José Pereira ratificou tal observação, mostrando que uma das principais diferenças entre as épocas seria o uso desse vocabulário que lhe causa “nojo de escutar”. Rogério, em conversa posterior, notou o importante papel da banda Ultraje a Rigor nesse sentido: músicas como Filha da Puta foram revolucionárias em sua época, quebrando padrões e marcando mudanças no contexto de fim da ditadura.

     Dessa forma, a partir dos depoimentos diversos temas podem ser trabalhados: desde a migração nordestina e a ditadura militar, até a tolerância, a repressão de gênero e os problemas do centro da cidade. Com eles, o aluno ganha maior consciência do momento histórico em que está vivendo, compreendendo suas diferenças com o passado e as mudanças que ocorreram num passado recente de 30 a 40 anos. Finalmente, como atividade complementar, o aluno poderia realizar tal entrevista com os próprios pais, tios ou avós, eventuais diferenças e semelhanças com os entrevistados; a partir disso buscaria explicar tais diferenças relacionando-as à época, classe social, bairro, entre outros.

 

 

Fotos Vila Cruzeiro 

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