UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
SEQUÊNCIA DIDÁTICA: Conflitos em torno da demarcação de terras no Brasil.
Érica Alves Cavalcante/nº USP: 7286106
2016
DISCIPLINA: ENSINO DE HISTÓRIA: TEORIA E PRÁTICA
DOCENTE: PROFA. DRA. ANTÔNIA TERRA CALAZANS FERNANDES
Tema: Conflitos em torno da demarcação de terras no Brasil.
Público Alvo: Alunos da 1ª série do EM. Nº de aulas: Média de 09 aulas. Objetivos:
- Analisar distintos interesses na demarcação de terras indígenas no Brasil.
- Analisar estratégias de povos indígenas na luta por seus direitos.
- Desenvolver a habilidade de analisar documentos históricos.
- Identificar a importância religiosa, simbólica, econômica e política na relação de povos indígenas com a terra.
- Reconhecer e problematizar a forma como os indígenas são apresentados na atualidade: dizimados, vítimas, isolados na natureza.
- Refletir sobre a política indigenista do Estado brasileiro na atualidade.
Apontamentos preliminares:
A proposta a seguir foca o trabalho com o que Antoni Zabala chamou de conhecimentos factuais, procedimentais e atitudinais. Espera-se que os alunos reconheçam a importância da demarcação de terras para diferentes povos indígenas, que os identifiquem como protagonistas da própria história, que reconheçam que o número de indígenas tem aumentado e que, portanto, a ideia de contínuo desaparecimento é uma falácia, mas também que desenvolvam habilidades necessárias para a análise de documentos de diferentes naturezas, que desenvolvam a habilidade de fazer inferências, de comparar fontes e opiniões, de comunicar por meio de diferentes linguagens (escolhidas para a apresentação que será desenvolvida para o restante da turma) e que atuem de maneira colaborativa para que possam expor os resultados de suas pesquisas.
Nesse sentido, cada um dos momentos propostos na presente sequência didática, têm intenções educacionais claras e relacionadas entre si, capazes de auxiliarem na consecução dos objetivos. Vale destacar, entretanto, que sugere-se que o(a) professor(a) promova a mediação da aprendizagem, que munido(a) dos objetivos aqui elencados e de outros que a eles possam ser somados, não apresente respostas prontas aos alunos, mas os auxilie a fazerem inferências e a construírem suas compreensões sobre a temática.
Em síntese, espera-se que o trabalho com essa proposta possa ser conduzido considerando, efetivamente, as funções cognitivas (segundo a teoria de Feuerstein) que precisem ser desenvolvidas com o grupo foco e que os alunos sintam-se instigados em aprender mais e mais sobre esse tema.
Estratégias:
1º momento: Explique aos alunos que “os conflitos em torno da demarcação de terras no Brasil” será o tema das próximas aulas. Então faça questionamentos para verificar seus conhecimentos prévios sobre o tema. Registre as ideias centrais de seus alunos na lousa, compondo uma tempestade de ideias. Seguem sugestões de questionamentos:
- Vocês consideram o tema de nossas próximas aulas importante para a sociedade brasileira?
- O que entendem por demarcação de terras indígenas?
- Por que a demarcação de terras indígenas é tão importante para essas comunidades?
2º momento: Explore os conhecimentos prévios dos alunos e um texto que defina o que são terras indígenas (sugestão a seguir) para que eles confirmem e/ou refutem suas conhecimentos/hipóteses iniciais sobre a importância da demarcação de terras indígenas no Brasil. É importante mediar a leitura para certificar-se de que a compreensão de alguma
palavra não atrapalhe o entendimento global do texto.
Terra Indígena (TI) é uma porção do território nacional, de propriedade da União, habitada por um ou mais povos indígenas, por ele(s) utilizada para suas atividades produtivas, imprescindível à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e necessária à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições. Trata-se de um tipo específico de posse, de natureza originária e coletiva, que não se confunde com o conceito civilista de propriedade privada.
O direito dos povos indígenas às suas terras de ocupação tradicional configura-se como um direito originário e, consequentemente, o procedimento administrativo de demarcação de terras indígenas se reveste de natureza meramente declaratória. Portanto, a terra indígena não é criada por ato constitutivo, e sim reconhecida a partir de requisitos técnicos e legais, nos termos da Constituição Federal de 1988.
Ademais, por se tratar de um bem da União, a terra indígena é inalienável e indisponível, e os direitos sobre ela são imprescritíveis. As terras indígenas são o suporte do modo de vida diferenciado e insubstituível dos cerca de 300 povos indígenas que habitam, hoje, o Brasil. (...)
Nesse contexto, inaugurou-se um novo marco constitucional que impôs ao Estado o dever de demarcar as terras indígenas, considerando os espaços necessários ao modo de vida tradicional, culminando, na década de 1990, no reconhecimento de terras indígenas na Amazônia Legal, como as terras indígenas Yanomami (AM/RR) e Raposa Serra do Sol (RR).
Disponível em: < http://www.funai.gov.br/index.php/nossas-acoes/demarcacao-de-terras-indigenas>. Acesso em: 13 jun. 2016.
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3º momento: Então, crie, por meio de questionamentos, uma situação problema para fomentar comparações entre as relações de índios e não-índios com a terra. Seguem sugestões de perguntas que podem ser feitas nesse momento dos trabalhos:
- Vocês acreditam que as relações dos povos indígenas com a terra, tenham dimensão econômica e/ou significado cultural e simbólico semelhantes aos existentes entre não- índios?
- Vocês podem citar exemplos de semelhanças e diferenças nas relações entre índios e não-índios com a terra?
4º momento: Verificar os conhecimentos prévios dos alunos e, sem fazer comentários preliminares, exibir vídeo no qual indígenas evidenciem a importância de determinadas terras para suas comunidades e trecho de um texto no qual os alunos possam reconhecer relações de grupos indígenas com a terra, diferentes do que as habituais entre não-índios. Seguem sugestões a seguir:
Vídeo: CLIP Pirinop meu primeiro contato 5: (Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=ggcV8NBQOpI>.Acesso em: 13 jun. 2016) |
(...) Segundo Novaes (1983), as aldeias Bororo são tradicionalmente circulares. Um número variável de casas se dispõe ao redor de um círculo que tem no centro a casa dos homens e pátio, chamado bororo. Como em várias aldeias do grupo linguístico Gê, a periferia constituída pelas casas corresponde à esfera doméstica e feminina da sociedade Bororo, enquanto a bai mana gejewu e o bororo correspondem à esfera jurídica, política e ritual da sociedade, que, embora possa ser ocasionalmente frequentada pelas mulheres, caracteriza-se por ser uma esfera tipicamente masculina. A autora destaca, não obstante, que a aldeia circular, formada por casas que mantêm a mesma distância entre si e a mesma distância do centro da aldeia, aponta claramente que esta é uma sociedade igualitária e que os diversos grupos que a compõem (clãs, grupos domésticos, linguagens) mantém entre si uma relação de complementaridade nas suas diferenças, ao invés de uma relação do tipo dominação/subordinação (Novaes, 1983), reflexão que podemos estender à questão de gênero, por exemplo. É importante ressaltar, por outro lado, que atualmente nem todas as aldeias Bororo conseguem manter essa mesma disposição circular. Segundo Novaes (1983), só para que se tenha uma ideia, as áreas ocupadas pelos Bororo na época de seus estudos correspondiam a apenas 0,1% de seu território tradicional de ocupação. Além disso, muitas das novas aldeias foram construídas por funcionários da FUNAI, que não respeitaram a tradição da disposição circular.
GRUBITS, Sônia; DARRAUT-HARRIS, Ivan; PEDROSO; Maira. Mulheres indígenas: Poder e Tradição. Psicologia em Estudo, Maringá, v.10, n.3, p.363-372, set/dez.2005, p. 367.
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5º momento: Fomentar debate sobre o vídeo e texto por meio de perguntas problematizadoras, tais como:
Perguntas sobre o vídeo:
- Para a cultura de vocês teria relevância o fato de um antepassado estar enterrado em determinado local para a escolha do lugar para viver? Por que o indígena faz referência ao local onde sua placenta foi enterrada?
- Como vocês interpretam a seguinte fala “No meu mundo nós brigávamos de arco e flecha, hoje nós precisamos de guerreiros que saibam brigar no papel, porque hoje em dia o papel dói mais.”
- Comparem os interesses de índios e não-índios na posse das terras referenciadas no vídeo.
- Os fazendeiros citados pelos indígenas estão movidos por que tipo de interesse? E os indígenas? Podemos dizer que uma dessas culturas está correta e a outra equivocada?
- Como solucionar problemas como esse?
Perguntas sobre o texto:
- Que traço analisado por Novaes, pesquisadora citada no texto, aponta para uma sociedade igualitária entre os Bororo?
- Quais as consequências da interferência de grupos não-índios na cultura desse povo?
- Alguém sabe o que é a Funai? Vocês esperariam que a Fundação Nacional do Índio pudesse definir um tipo de demarcação de terras que desconsiderasse valores culturais e necessidades materiais de povos indígenas?
Perguntas relacionando vídeo e texto:
- No caso apresentado no vídeo, os indígenas foram expulsos de suas terras. Entre os Bororo não ocorreu expulsão, mas a diminuição drástica de seus territórios. Vocês acreditam que a atuação dos órgãos governamentais está sendo eficiente?
- Considerando esses exemplos, é possível ter medidas padrão para o tratamento das questões relativas à terra indígena no Brasil? O que deve ser estudado para que a atuação governamental garanta os direitos indígenas garantidos em nossa Constituição?
6º momento: Distribua aos alunos duas notícias sobre processos relativos às demarcações de terras indígenas no Brasil. Peça que durante a leitura grifem as informações mais importantes e registrem as dúvidas e/ou dificuldades de compreensão em seus cadernos.
É importante que as notícias tragam posicionamentos distintos sobre as demarcações, que remetam aos interesses de diferentes sujeitos históricos. Seguem duas sugestões de notícias, ambas sobre o mesmo caso, mas apresentando argumentos diferentes para a expulsão ou permanência do mesmo grupo indígena.
Zé Teixeira comemora acórdão do STF que anula demarcação em MS (Disponível em: http://www.pantanalnews.com.br/contents.php?CID=106801. Acesso em: 13 jun. 2016.
MPF recorre de decisão do STF que anulou demarcação de terra indígena em MS (Disponível em: <http://www.prms.mpf.mp.br/servicos/sala-de- imprensa/noticias/2014/10/mpf-recorre-de-decisao-do-stf-que-anulou-
demarcacao-de-terra-indigena-em-ms>. Acesso em: 08 jul. 2016)
7º momento: Depois que os alunos realizarem a primeira leitura e apresentarem a síntese dos argumentos trazidos por aqueles que defendiam ou eram contrários à anulação da demarcação da Terra Indígena Guyraroká, em Mato Grosso do Sul, faça as perguntas que considerar necessárias para que analisem os textos com maior profundidade, buscando interpretar essas fontes no contexto e por quem foram produzidas – os questionamentos abaixo podem ajudar a direcionar essa análise:
Perguntas para análise da notícia: “Zé Teixeira comemora acórdão do STF que anula demarcação em MS”:
- Onde a notícia foi veiculada?
- Vocês acreditam que o fato da notícia ter sido veiculada site do próprio deputado Zé
- Teixeira interfere na forma que o fato é apresentado?
- O que vocês entenderam por marco temporal?
P erguntas para análise da no tícia: “ MP F reco rre de decisão do STF que anulo u dem arcação de
te rra indígena em M S” :
- Onde a notícia foi veiculada?
- Vocês acreditam que o fato da notícia ter sido veiculada site do Ministério Público Federal interfere na forma que o fato é apresentado?
- Essa notícia explica que os índios foram expulsos de suas terras e que, portanto, as determinações do chamado marco temporal deveriam ser relativizadas, vocês acreditam que essas informações seriam ressaltadas na notícia veiculada no site do deputado Zé Teixeira?
- Como os indígenas estão buscando seus direitos?
8º momento: Explorar o aprofundamento da análise dos textos para fomentar reflexões sobre a atuação de diferentes povos indígenas em busca de seus direitos. Então, explicar aos alunos que será apresentado um exemplo de luta de um grupo indígena, no caso os Enawene Nawe, e os problemas políticos que esse grupo tem enfrentado, para que depois os alunos, dispostos em grupos, possam fazer pesquisas autônomas e apresentar suas descobertas e questionamentos ao restante da turma.
Então, exibir vídeo para que os alunos reconheçam a relevância do ritual Le Yaokwa para os Enawene Nawe (Sugestão - Disponível em : <http://www.unesco.org/culture/ich/fr/USL/le- yaokwa-rituel-du-peuple-enawene-nawe-pour-le-maintien-de-lordre-social-et-cosmique-
00521>. Acesso em: 12 jul. 2016). Fomentar discussões para que problematizem a importância:
- material da pesca;
- da construção das barragens para a pesca;
- espiritual da pesca para a manutenção do equilíbrio e da harmonia com a natureza e com os deuses;
- da luta pelo reconhecimento do ritual Le Yaokwa como bem imaterial para a preservação da cultura e da história dos Enawene Nawe, bem como para a luta em prol dos direitos desse povo etc.
9º momento: Disponibilizar texto para leitura, debate e sistematização das discussões sobre os Enawene Nawe, explicando aos alunos que o foco é identificar quem são os poderosos que se colocam contra a manutenção das terras e do acesso ao rio Juruema pelos Enawene Nawe – grandes produtores de soja, inclusive a família do governador de Mato Grosso.
Sugere-se a abordagem do texto: “Os Enawene Nawe” (Disponível em: <http://www.survivalinternational.org/povos/enawenenawe>. Acesso em: 12 jul. 2016).
10º momento: Explicar aos alunos que exibirá um segundo vídeo sobre os Enawene Nawe e que eles deverão assisti-lo visando problematizar a maneira como esse grupo indígena é representado e comparando a forma como uma mesma cultura foi apresentada nos dois vídeos.
Sugere-se o seguinte trecho de uma longa reportagem desenvolvida pela equipe do Globo Repórter: Disponível em: < http://globoplay.globo.com/v/1984845/>. Acesso em: 12 jul. 2016. E a orientação prévia de que os alunos deverão focar a análise em aspectos relativos:
- a representação do não-índio (missionário) ao chegar a aldeia dos Enawene Nawe;
- ao ato de dar presentes aos indígenas;
- o uso dos termos: civilizado e chamado civilizado;
- as referências idílicas aos indígenas;
- as referências constantes ao isolamento dos Enawene Nawe;
- a ideia de dependência econômica dos indígenas, cujo problema originário está relacionado à maneira que a demarcação de terras foi efetivada etc.
11º momento: Levar os alunos ao laboratório de informática da escola e orientar as pesquisas, explicando que cada grupo deverá apresentar o grupo indígena e a luta desenvolvida por suas terras, para que não ocorra coincidência de temas entre dois ou mais grupos.
Disponibilizar tempo para a pesquisa e apresentar as etapas que devem ser cumpridas por todos os grupos na organização das apresentações para o restante da classe, visando o desenvolvimento da habilidade de análise de documentos e o reconhecimento dos problemas enfrentados pelos povos indígenas na atualidade, especialmente os problemas relativos à demarcação de terras no país.
12º momento: Orientar os alunos para que escolham um meio (cartaz, pequena esquete, infográfico etc) para apresentarem os resultados de suas pesquisas e suas opiniões sobre os problemas enfrentados por diferentes grupos indígenas na luta pela demarcação de terras no Brasil.
Organizar as apresentações e fazer questionamentos para que os diferentes grupos reflitam sobre as especificidades dos casos apresentados pelos colegas.
13º momento: Solicitar que os alunos escrevam em uma folha de sulfite, o aspecto estudado que considerado mais interessante. Compor um mural com as apreciações dos alunos.
Referências bibliográficas:
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. História das populações indígenas na escola: memórias e esquecimentos. In:PEREIRA, Amilcar Araújo; MONTEIRO, Ana Maria (Orgs.). Ensino de histórias afro-brasileiras e indígenas. Rio de Janeiro: Pallas, 2013, p.101-132.
CANDAU, Vera Maria. Multiculturalismo e educação: desafios para a prática pedagógica. In: MOREIRA, Antonio Flávio e CANDAU, Vera Maria (org.). Multiculturalismo – Diferenças culturais e práticas pedagógicas. 10. Ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013, p. 13-37.
CUNHA, Manuela C. Cultura com aspas e outros ensaios. São Paulo: CosacNaify, 2009.
GRUBITS, Sônia; DARRAUT-HARRIS, Ivan; PEDROSO; Maira. Mulheres indígenas: Poder e
Tradição. Psicologia em Estudo, Maringá, v.10, n.3, p.363-372, set/dez.2005, p. 367.
FEUERSTEIN, Reuven. Além da inteligência: aprendizagem mediada e a capacidade de mudança do cérebro/Reuven Feuerstein, Refael S. Feuerstein, Louis H. Falik; prefácio de John D. Bransford; tradução de Aline Kaehler. – Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.
SANTOS, Carlos José Ferreira dos Santos. Histórias e Culturas Indígenas – Alguns Desafios no ensino e na aplicação da Lei 11, 645/2008: De qual História e Cultura Indígena Estamos Falando? História e Perspectivas, Uberlândia (53): 179-209, jan/jun.2015.
TERRA, Antônia. Uma nova ótica sobre a história indígena no ensino de História. Disponível em: < http://novaescola.org.br/fundamental-1/nova-otica-historia-indigena-ensino-historia-
780296.shtml>. Acesso em: 12 jul. 2016.
ZABALA, Antoni. As sequências didáticas e as sequências de conteúdos. In: A Prática Educativa:
como ensinar/ Antoni Zabala; tradução Ernani F. da F. Rosa. – Porto Alegre: Artmed, 1998.
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