Universidade de São Paulo
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
Departamento de História
Disciplina: Uma História para a Cidade de São Paulo: Um Desafio Pedagógico
Professora: Antonia Terra de Calazans Fernandes
Sequência Didática
Nome: Dayane Santiago Nascimento N° USP 6838603
São Paulo, 13 de dezembro de 2013.
A Vida é Diferente da Ponte Pra Cá?[1]
Objetivos:
Despertar visão crítica nos alunos quanto a realidade do bairro onde residem, da condição social e identidade racial, para que criem sua própria imagem da realidade e de transformação do seu cotidiano.
Conteúdos:
Esta sequência busca uma análise da região sul da cidade, do cotidiano e das diferentes visões e propostas para sua realidade. O significado da definição do lugar “da ponte pra cá” e seus agentes. Uma região que durante muitos anos estampou violência nos jornais e que ainda enfrenta grandes problemas de estrutura urbana e social, uma realidade a ser pensada pra ser modificada por seus moradores, seus agentes históricos.
Publico alvo: Alunos do Ensino Médio[2].
Número de aulas: 3
Desenvolvimento
A sequência tem como base a análise de dois documentos:
- Documentário “A Ponte”, dirigido por Direção: Roberto T. Oliveira e João Wainer. Disponível em: http://vimeo.com/14814248
- Canção “Fim de Semana no Parque” do grupo de Rap Racionais MC’s. Disponível no álbum “Raio X Brasil” dos Racionais MC”s
Aula 1
- Exibição do documentário “A Ponte” para os alunos.
Aula 2
- Apresentação das seguintes questões sobre o documentário aos alunos:
- O que mostra o documentário?
- Qual é o posicionamento das pessoas que participam desse documentário?
Com estas questões será problematizada a história da região sul da cidade de São Paulo a partir do que mostra e esconde o documentário.
A “ponte” aparece como um símbolo, o muro de Berlim entre pobres e ricos, mas não são apresentadas as causas dessa divisão, as pontes do rio pinheiros, que separam o lado pobre da zona sul dos bairros ricos. É preciso abordar com os alunos as questões de crescimento população da cidade e segregação da população pobre que geraram as periferias. Tema não abordado no documentário, onde o símbolo de segregação, a ponte, torna-se ao longo do filme, um símbolo para a Casa do Zezinho[3].
A cidade de São Paulo criou sua história de progresso e de expansão que não foi acompanhado de uma planejamento social urbano que desse conta do grande contingente que chegava a cidade, dos estrangeiros no começo do século XX, vindos num projeto que mais que econômico, era ideológico, que buscava excluir a população negra da cidade e das relações de trabalho no pós abolição, aos nordestinos vindos na década de 50 empurrados para áreas cada vez mais distantes do centro e da visão do Estado.
A população pobre foi sendo expulsa do centro da cidade, cada vez mais valorizado, foi obrigada a estabelecer-se em áreas periféricas sem a mínima infraestrutura urbana. Era o único lugar onde o trabalhador conseguia ter uma casa que pudesse pagar, mesmo afastado quilômetros do trabalho, num lugar muitas vezes sem escolas, hospitais, lazer, transporte público.
“O afro-descendente vem sendo penalizado não apenas quanto à dificuldade de ingressar no mercado de trabalho, mas também por localizar-se em espaços segregados, de miséria e de escola pública sem investimentos. A baixa escolaridade e a má qualificação profissional lhes restringem oportunidades no mercado de trabalho. Assim, cabe analisar quais têm sido as perspectivas, a forma de organização e de luta dessa comunidade no espaço urbano, sua expressão e seus significados.”[4]
Quando se propõe pensar nas falas do documentário, tem se a intenção de ver os vários discursos sobre a realidade da zona sul. Destacando as principais falas do documentário:
- Os que estão de fora: o ex-secretário do desenvolvimento social da cidade, Floriano Pesaro que apenas apresenta dados sobre a periferia sem problematização alguma da história da região e o depoimento de João Batista Cardoso um dos empresários que custeou a construção da atual sede a casa do Zezinho.
Os que estão dentro: os zezinhos (como são chamados os educandos da Casa do Zezinho) que contam um pouco do seu cotidiano, Dagmar Garroux(fundadora da Casa do Zezinho), que relata histórias que viu na região e o trabalho da Casa, o que mostra-se como o objetivo final do documentário, e o rapper mano Brown, pensando além da realidade, da condição da periferia.
Problematizar com os alunos a situação da periferia, a questão do esquecimento do estado quanto a periferia e as perspectivas de melhoria, para que eles também consigam ser agentes desta mudança, que está muito além do assistencialismo, da inserção no mercado de trabalho ou do conformismo.Os alunos devem ser levados a pensar em o que poder ser feito para melhorar a sua própria realidade, colocarem sua história e propostas no seu ponto de vista e não aceitar o panorama de miséria que quer mostrar o opressor.
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[1] O titulo faz referência ao verso da canção “Da ponte pra cá” dos Racionais MC’s.
[2] Pensado para, mas não exclusivamente, os alunos residentes na zona sul da cidade de São Paulo.
[3] A Casa do Zezinho é uma associação educacional e assistencial localizada no bairro Parque Santo Antonio, na zona sul da cidade de São Paulo, fundada em 1994. Onde são realizadas atividades para crianças e jovens, que vão desde a recreação a preparação para o mercado de trabalho e é financiada por instituições privadas. (http://www.casadozezinho.org.br/)
[4] CARRIL, Lourdes. Quilombo, favela e periferia: a longa busca da cidadania. São
Paulo: Annablume: FAPESP, 2006.(página 145)
AULA 3
- Análise da letra de ”Fim de semana no parque”.
- Colocando o Rap como voz da periferia que está se pensando:
“O potencial crítico do rap, como espaço de contestação, expressando a voz de quem experimenta a vida na periferia, pode simbolizar o que Benjamim chama de “reversão dialética”, na qual a massa é capaz de pensar sobre sua condição de indivíduo consumindo a arte como mercadoria, transformando o valor de uso da música, por exemplo, como fator de educação e formação dos jovens da periferia, assumindo o caráter político do movimento Hip Hop”[5]
- Apresentação das seguintes questões sobre o documentário aos alunos:
- O que a letra da canção mostra?
- A quem falam os Racionais MC’s nessa canção?
A letra mostra as duas realidades separadas pela ponte, o “lado de lá”, dos bairros ricos e o “lado de cá” da periferia pobre. Começa com uma dedicatória, “A toda a comunidade pobre da zona Sul”, é a eles que canção fala, a eles se quer dar voz e ser voz ao negro, ao pobre, a toda a periferia esquecida e discriminada.
O “parque” na música representa dois lugares, os dois lados da ponte. A primeira parte da canção mostra o parque como o local público de lazer, “do lado de lá”, “à 1 hora da minha quebrada”. Onde a classe média usufrui da diversão, mostra seus bens de consumo. Logo após Mano Brown(integrante do grupo Racionais MC’s) apresenta-se, e apresenta a outra realidade, o ‘lado de cá da ponte”, onde faltam áreas de lazer, onde crianças estariam “Jogando bola descalços nas ruas de terra” sem o luxo ostentado do “lado de lá”; “Eles também gostariam de ter bicicleta/De ver seu pai fazendo cooper tipo atleta/Gostam de ir ao parque e se divertir/E que alguém os ensinasse a dirigir/Mas eles só querem paz e mesmo assim é um sonho/ Fim de semana do Parque Santo Antônio.”.
E ao apresentar essa realidade avessa e produto direto da riqueza do lado de lá, que criou a periferia, que fechou os olhos para uma população excluída. O Parque deixa de ser o espaço publico de lazer e torna-se a realidade da periferia, o ”parque” do lado de cada, é apenar o que nomeia os bairros, como o “Parque Santo Antonio”
Após o refrão, a canção segue, como um olhar de menino que como se sobre aponte, olhasse os dois lados, “E a maioria por aqui se parece comigo”, “Aqui não vejo nenhum clube poliesportivo/Pra molecada frequentar nenhum incentivo/O investimento no lazer é muito escasso/O centro comunitário é um fracasso/Mas aí se quiser se destruir está no lugar certo/Tem bebida e cocaína sempre por perto”. Não se fecha a canção com uma solução para a realidade, a ideia é confrontar os “dois mundos” pra pensar a sua ação no cotidiano. Apontando para uma história de exclusão que começou como índio, depois para o negro, para o nordestino, para o pobre, a cidade modelo moderna branca, rica às custas da periferia.
- Atividade proposta para o final da aula:
- Colocar para os alunos a realização de um texto em que eles abordem a sua própria visão da periferia, onde eles possam colocar sua visão critica quanto a sua realidade e propostas para a superação do “ideal de miséria”.
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[5] FLORINDO, Ana Claudia. As representações sociais acerca dos jovens da periferia: uma breve reflexão sobre o documentário A Ponte. In Proceedings of the 1st. Colóquio Internacional Culturas Jovens Afro-Brasil América: Encontros e Desencontros Anais do Primeiro Colóquio Internacional Culturas Jovens Afro-Brasil América: Encontros e Desencontros, São Paulo .2012.Disponível em:http://www.proceedings.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=MSC0…. (página 17)
______________________________________________________Bibliografia
CARRIL, Lourdes. Quilombo, favela e periferia: a longa busca da cidadania. São Paulo: Annablume: FAPESP, 2006.
FONTES, Paulo. Um nordeste em São Paulo. Trabalhadores migrantes em São Miguel Paulista (1945-1966). Rio de Janeiro: Editora FGV, 2008, p.41-131.
FLORINDO, Ana Claudia. As representações sociais acerca dos jovens da periferia: uma breve reflexão sobre o documentário A Ponte. In Proceedings of the 1st. Colóquio Internacional Culturas Jovens Afro-Brasil América: Encontros e Desencontros Anais do Primeiro Colóquio Internacional Culturas Jovens Afro-Brasil América: Encontros e Desencontros, São Paulo .2012.Disponível em:http://www.proceedings.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=MSC0….
GARCIA, Walter, Sobre uma cena de Fim de Semana no Parque, do Racionais MC’s. In: Revista Estudos Avançados, volume 25, 71, janeiro/abril 2011– Dossiê São Paulo Hoje, IEA, USP
KEHL, Maria Rita, A frátira órfã: o esforço civilizatório do rap na periferia de São Paulo. In: Função fraterna. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2000,
SANTOS, Carlos José Ferreira dos. Nem tudo era italiano – São Paulo e pobreza (1890-1915). São Paulo: Fapesp/Annablume, 2003, p.27-64.
Anexo:
“Fim de Semana No Parque”
(Racionais Mc's)
" A toda comunidade pobre da zona sul"
Chegou fim de semana todos querem diversão
Só alegria nós estamos no verão, mês de janeiro
São Paulo zona sul
Todo mundo à vontade, calor céu azul
Eu quero aproveitar o sol
Encontrar os camaradas prum basquetebol
Não pega nada
Estou à 1 hora da minha quebrada
Logo mais, quero ver todos em paz
Um dois três carros na calçada
Feliz e agitada toda "prayboyzada"
As garagens abertas eles lavam os carros
Desperdiçam a água, eles fazem a festa
Vários estilos vagabundas, motocicletas
Coroa rico boca aberta, isca predileta
De verde florescente queimada sorridente
A mesma vaca loura circulando como sempre
Roda a banca dos playboys do Guarujá
Muitos manos se esquecem, na minha não cresce
Sou assim e estou legal, até me leve a mal
Malicioso e realista sou eu Mano Brown
Me de quatro bons motivos pra não ser
Olha meu povo nas favelas e vai perceber
Daqui eu vejo uma caranga do ano
Toda equipada e o tiozinho guiando
Com seus filhos ao lado estão indo ao parque
Eufóricos brinquedos eletrônicos
Automaticamente eu imagino
A molecada lá da área como é que tá
Provavelmente correndo pra lá e pra cá
Jogando bola descalços nas ruas de terra
É, brincam do jeito que dá
Gritando palavrão é o jeito deles
Eles não tem videogame, às vezes nem televisão
Mas todos eles têm um dom são Cosme são Damião
A única proteção.
No último natal papai Noel escondeu um brinquedo
Prateado, brilhava no meio do mato
Um menininho de 10 anos achou o presente,
Era de ferro com 12 balas no pente
E fim de ano foi melhor pra muita gente
Eles também gostariam de ter bicicleta
De ver seu pai fazendo cooper tipo atleta
Gostam de ir ao parque e se divertir
E que alguém os ensinasse a dirigir
Mas eles só querem paz e mesmo assim é um sonho
Fim de semana do Parque Santo Antônio.
(Refrão):
Vamos passear no parque
Deixa o menino brincar
Fim de semana no parque
Vou rezar pra esse domingo não chover
Olha só aquele clube que da hora
Olha aquela quadra, olha aquele campo
Olha, olha quanta gente
Tem sorveteria cinema piscina quente
Olha quanto boy, olha quanta mina
Afoga essa vaca dentro da piscina
Tem corrida de kart dá pra ver
É igualzinho o que eu ví ontem na tv
Olha só aquele clube que da hora,
Olha o pretinho vendo tudo do lado de fora
Nem se lembra do dinheiro que tem que levar
Do seu pai bem louco gritando dentro do bar
Nem se lembra de ontem, de hoje e o futuro
Ele apenas sonha através do muro...
Milhares de casas amontoadas
Ruas de terra esse é o morro
A minha área me espera
Gritaria na feira (vamos chegando!)
Pode crer eu gosto disso mais calor humano
Na periferia a alegria é igual
É quase meio dia a euforia é geral
É lá que moram meus irmãos meus amigos
E a maioria por aqui se parece comigo
E eu também sou bam bam bam e o que manda
O pessoal desde às 10 da manhã está no samba
Preste atenção no repique atenção no acorde
(Como é que é Mano Brown?)
Pode crer pela ordem
A número, número 1 de baixa renda da cidade
Comunidade zona sul é dignidade
Tem um corpo no escadão a tiazinha desce o morro
Polícia a morte, polícia socorro
Aqui não vejo nenhum clube poliesportivo
Pra molecada frequentar nenhum incentivo
O investimento no lazer é muito escasso
O centro comunitário é um fracasso
Mas aí se quiser se destruir está no lugar certo
Tem bebida e cocaína sempre por perto
A cada esquina 100 200 metros
Nem sempre é bom ser esperto
Schimth, Taurus, Rossi, Dreyer ou Campari
Pronúncia agradável estrago inevitável
Nomes estrangeiros que estão no nosso meio pra matar m.e.r.d.a.
Como se fosse ontem ainda me lembro
7 Horas sábado 4 de dezembro
Uma bala uma moto com 2 imbecis
Mataram nosso mano que fazia o morro mais feliz
E indiretamente ainda faz, mano Rogério esteja em paz
Vigiando lá de cima
A molecada do Parque Regina
(Refrão)
Tô cansado dessa porra de toda essa bobagem
Alcoolismo, vingança treta malandragem
Mãe angustiada filho problemático
Famílias destruídas fins de semana trágicos
O sistema quer isso a molecada tem que aprender
Fim de semana no Parque Ipê
(Refrão)
"Pode crer Racionais MC's e Negritude Junior juntos
Vamos investir em nós mesmos mantendo distância das
Drogas e do álcool.
Aí rapaziada do parque ipê, Jardim São Luiz, Jardim Ingá, Parque Araríba, Váz de Lima
Morro do Piolho e Vale das Virtudes e Pirajussara
É isso aí Mano Brown (é isso ai Netinho paz à todos)
- Letra disponível em: http://letras.mus.br/racionais-mcs/63447/
[1] O titulo faz referência ao verso da canção “Da ponte pra cá” dos Racionais MC’s.
[2] Pensado para, mas não exclusivamente, os alunos residentes na zona sul da cidade de São Paulo.
[3] A Casa do Zezinho é uma associação educacional e assistencial localizada no bairro Parque Santo Antonio, na zona sul da cidade de São Paulo, fundada em 1994. Onde são realizadas atividades para crianças e jovens, que vão desde a recreação a preparação para o mercado de trabalho e é financiada por instituições privadas. (http://www.casadozezinho.org.br/)
[4] CARRIL, Lourdes. Quilombo, favela e periferia: a longa busca da cidadania. São
Paulo: Annablume: FAPESP, 2006.(página 145)
[5] FLORINDO, Ana Claudia. As representações sociais acerca dos jovens da periferia: uma breve reflexão sobre o documentário A Ponte. In Proceedings of the 1st. Colóquio Internacional Culturas Jovens Afro-Brasil América: Encontros e Desencontros Anais do Primeiro Colóquio Internacional Culturas Jovens Afro-Brasil América: Encontros e Desencontros, São Paulo .2012.Disponível em:http://www.proceedings.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=MSC0…. (página 17)
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