A População de Rua em São Paulo: espaço, direito e cidadania

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
A População de Rua em São Paulo: espaço, direito e cidadania
Proposta de sequência didática
Ana Carolina Warigoda Guedes
9826539
 
Trabalho final para disciplina “Uma história para a cidade de São Paulo: um desafio pedagógico”, profa. Dra. Antônia Terra Calazans Fernandes // Ana Carolina Warigoda Guedes, e-mail ana.carolina.guedes@usp.br, nUSP 9826539.
 
 
 
Sumário
 
 
Introdução à sequência didática
 
Para qual série se destina essa temática...............................................................2
Importâncias do ensino sobre a população de rua....................................................2
Como trabalhar com esta sequência didática.........................................................4
 
 
Primeira parte – Saindo do senso comum
 
Por que os moradores de rua incomodam?.............................................................5
O que leva alguém a morar na rua......................................................................6
A relação dos moradores de rua com o trabalho......................................................8
Segunda parte – Problematizando historicamente
A repressão à vadiagem..................................................................................10
Os projetos de higienização da cidade................................................................12
 
 
Terceira parte – Para não concluir
 
Retratos para a posterioridade..........................................................................15
Bibliografia.................................................................................................19
Índice de imagens.........................................................................................20
 
 
 
 
 
INTRODUÇÃO À SEQUÊNCIA DIDÁTICA
 
 
 Para qual série se destina essa temática?
 
Para que as propostas dessa sequência sejam completamente absorvidas e permita a total participação dos alunos, é recomendável que seja aplicada na idade de operações formais, conforme os estudos de Jean Piaget – ou seja, a partir dos 11-12 anos, quando, uma vez absorvida experiência de aprendizado de situações concretas, o estudante passa a ser capaz de raciocínios com certo grau de abstração. Tal abstração é necessária para que o aluno exerça a alteridade (colocar-se no lugar do outro) para a compreensão da realidade das pessoas em situação de rua em São Paulo.
 
Outro fator importante para esta aplicação constitui a capacidade dos alunos de lidar de maneira séria com assuntos de maior profundidade e suas consequências.
Especificamente, portanto, sugere-se o uso desta sequência a partir do 1º ano do Ensino Médio.
 
 
 Importâncias do ensino sobre a população de rua
 
 
 
 
 
Como será demonstrado ao longo deste trabalho, os moradores de rua em São Paulo (e de maneira geral, no Brasil) sofrem cotidianamente com diversas faces da violência –desde sua invisibilização perante os demais cidadãos e o Estado até os extremos da violência física. Isso se dá não só por uma cultura construída (da qual também se falará) e a imposição de seus valores a partir de cima, mas também pela falta de consciência das experiências dessa parcela da população e de uma alteridade que combata o senso comum, seu estigma e as consequentes violências a que são submetidos.
 
 
 
Embora tenha ocorrido um aumento significativo das políticas públicas de assistência a tais sujeitos em âmbito nacional, estudos recentes, documentos oficiais e relatos orais dos moradores de rua se contradizem quanto à real efetividade dessas medidas.
 
Prova-se, portanto, uma urgência prioritária de aumentar a compreensão alheia para guiar tais ações; o que, por extensão, demanda a apreensão da variedade de trajetórias e necessidades individuais, não reduzindo tais indivíduos a definições negativas de julgamento externo.
 
Uma das grandes lacunas de conhecimento geral é, por exemplo, a relação do morador de rua com o trabalho. A imagem criada acerca dessas pessoas é geralmente associada à mendicância, a ausência de qualquer atividade remunerada lícita ou ilícita, de forma que se propagou ao longo do tempo a figura do “mendigo” como um indivíduo fracassado, que teria falhado na grande luta da vida. Não é raro ouvir-se pela capital alguém a clamar “Vai trabalhar, vagabundo!”, numa crença infundada de que todos partem das mesmas oportunidades e aqueles não inseridos na lógica trabalhista “não se esforçaram o suficiente”, ignorância ou negligência das experiências alheias – enfim, o mito da meritocracia.
 
A presente sequência didática pretende, em primeiro lugar, portanto, auxiliar a compreensão dos alunos acerca dos problemas da população de rua não apenas saindo dos lugares-comuns repercutidos sobre estes, mas partindo de uma análise histórica do tratamento a que foram submetidos e as maneiras por que tais mentalidades antigas se manifestam até a atualidade.
 
É um propósito deste trabalho, também, trazer à reflexão dos alunos qual a imagem de São Paulo que nossa geração recebeu de tempos anteriores, e resgatar a memória da população nacional pobre, apesar das persistentes tentativas de ocultá-las e afastá-las. E questionar, da mesma forma, a imagem que estamos passando.
 
 
 Como trabalhar com esta sequência didática
 
Devido à extensão do trabalho e ao possível cansaço gerado pelas discussões propostas, a sequência foi separada em três módulos, que em princípio corresponderiam a três aulas. Cada parte trabalha uma camada rumo à melhor compreensão da problemática da população de rua em São Paulo, se comunicando e prestando auxílio entre si. Dessa forma, as desmistificações da primeira parte articulam-se com a introdução da perspectiva histórica da segunda, que por sua vez tem influência sobre as situações problematizadas na terceira parte, de questionamentos finais.
 
A proposta é que o docente utilize o material composto para colocar questões e problemas aos alunos, e assim os guie para que construam uma percepção em grupo. Espera-se, assim, que os alunos não tenham a impressão de uma aula expositiva e de opinião somente do professor, mas sim de um conhecimento que adquiriram e pretendem manter.
 
Este documento escrito consiste na proposta explicada e sugerida ao professor. Não é recomendável utilizá-lo nesse formato em sala, uma vez que algumas das explicações são de interesse do docente e não precisam necessariamente ser mostradas aos alunos.
 
 
 
PRIMEIRA PARTE – Saindo do senso comum
 
 Por que os moradores de rua incomodam?
 
Podemos analisar o repúdio e violência aos moradores de rua em São Paulo a partir de duas visões: a primeira, defende que as características da vida itinerante da população de rua incomoda a ordem sedentária instaurada atualmente1. A segunda, por sua vez, acredita que a associação da vadiagem, do não-trabalho, aos indigentes determina a sua não inclusão na lógica burguesa de organização do espaço, o que os torna passíveis de repressão.
 
Podemos dizer, portanto, que os moradores de rua determinam uma presença incômoda à sociedade por desafiarem a confusa lógica público-privada vigente. Ou seja, numa ordem em que os dois tipos de espaço muitas vezes se confundem, a existência da população de rua inevitavelmente cria dilemas acerca do que é público e de livre circulação e o que é particular, a ser frequentado apenas por grupos selecionados.
 
Para esclarecer tal problema, propõe-se a seguinte atividade:
 
 
1 FRANGELA, Simone. Corpos Urbanos Errantes: uma etnografia da corporalidade de moradores de rua em São Paulo. 1ª edição. São Paulo: Annablume, Fapesp, 2009. p.42-43
2 SOBRINHO, Afonso Soares de Oliveira. “São Paulo e a Ideologia Higienista entre os séculos XIX e XX: a utopia da civilidade” In: Sociologias, Porto Alegre, ano 15, no 32, jan./abr. 2013, p. 210-235.
 
 
 
Em sala, o professor coloca as duas imagens acima, lado a lado; explica seu conteúdo para os alunos e coloca a questão: Embora a rua seja um espaço, em teoria, público, bares e restaurantes se apropriam dela para funcionar, impedindo a circulação nesse trecho. Da mesma forma, embora shoppings centers sejam espaços de aparência pública, uma vez que têm suas portas abertas e grande circulação de pessoas, eles voltam a funcionar de maneira privada a partir de uma presença indesejada no local. Nesse contexto, onde se encaixam os moradores de rua?
 
O objetivo é que os alunos percebam que tal indeterminação do espaço a ser ocupado por esses sujeitos ajuda na criação de seu estigma, que endossa a violência contra eles.
 
 
 
 O que leva alguém a morar na rua?
 
O fenômeno da população em situação de rua não é novo em São Paulo, e provém tanto de uma desigualdade histórica, quanto de fenômenos novos (a imigração de refugiados africanos, p.e.) que acabam por ter consequências graves se mal conduzidos ou negligenciados pelas autoridades locais. Como já foi dito, a crença na meritocracia e a não compreensão da realidade alheia são fatores que frequentemente aumentam a violência contra esse grupo; em contraposição a tal senso comum, o professor pode apresentar à classe a reprodução da música “Dança do desempregado”, de Gabriel Pensador:
 
 
 
Essa é a dança do desempregado
Quem ainda não dançou tá na hora de aprender
A nova dança do desempregado
Amanhã o dançarino pode ser você
E vai levando um pé na bunda vai
Vai por olho da rua e não volta nunca mais
E vai saindo vai saindo sai
Com uma mão na frente e a outra atrás
E bota a mão no bolsinho (Não tem nada)
E bota a mão na carteira (Não tem nada)
E bota a mão no outro bolso (Não tem nada)
E vai abrindo a geladeira (Não tem nada)
Vai procurar mais um emprego (Não tem nada)
E olha nos classificados (Não tem nada)
E vai batendo o desespero (Não tem nada)
E vai ficar desempregado
 
 
E vai descendo vai descendo vai
E vai descendo até o Paraguai
E vai voltando vai voltando vai
"Muamba de primeira olhaí quem vai?"
E vai vendendo vai vendendo vai
Sobrevivendo feito camelô
E vai correndo vai correndo vai
O rapa tá chegando olhaí sujô!...
 
 
(Agora é só as mulheres!)
E vai rodando a bolsinha (Vai, vai!)
E vai tirando a calcinha (Vai, vai!)
E vai virando a bundinha (Vai, vai!)
E vai ganhando uma graninha
E vai vendendo o corpinho (Vai, vai!)
E vai ganhando o leitinho (Vai, vai!)
É o leitinho das crianças (Vai, vai!)
E vai entrando nessa dança
 
 
E bota a mão no bolsinho (Não tem nada)
E bota a mão na carteira (Não tem nada)
E não tem nada pra comer (Não tem nada)
E não tem nada a perder
E bota a mão no trinta e oito e vai devagarinho
E bota o ferro na cintura e vai no sapatinho
E vai roubar só uma vez pra comprar feijão
E vai roubando e vai roubando e vai virar ladrão
E bota a mão na cabeça!! (É a polícia!) (É a polícia!)
E joga a arma no chão
E bota as mãos nas algemas
E vai parar no camburão
E vai contando a sua história lá pro delegado
"E cala a boca vagabundo, malandro, safado".
E vai entrando e olhando o sol nascer quadrado
E vai dançando nessa dança do desempregado
 
 
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=TTKpJZKFLLg. Acesso em 13/12/16.
 
 
 
O interesse dessa apresentação é dar aos alunos um primeiro contato da trajetória de um indivíduo à situação de rua por meio de uma mídia diferente e lúdica, mas que também aproxima esse processo à realidade dos alunos por meio da linguagem utilizada – a “dança do desempregado” é representada como algo passível de ocorrer a qualquer um que uma hora se encontrasse “empregado”, não discriminando as camadas mais altas ou baixas da sociedade.
 
Além disso, a construção da narrativa até culminar na rua, na ilegalidade e na prisão apresenta o indivíduo como passivo, vítima de fome e de outras necessidades de sustento, no lugar da lógica culturalmente vigente de uma “escolha” pela criminalidade.
 
 
 A relação dos moradores de rua com o trabalho
 
 
É comum, no imaginário urbano, associar a imagem do morador de rua àquela do mendigo, ou seja, do indivíduo cujos ganhos mensais se dão por via da mendicância (pedir esmolas, dependendo da compaixão alheia). No entanto, é necessário desmistificar tal relação da população de rua com o trabalho.
 
Embora uma grande parcela da renda de muitos moradores de rua provenha da mendicância, são bastante comuns outros tipos de atividades remuneradas, havendo inclusive um pequeno grupo dentre os abrigados com trabalho remunerado e carteira assinada. Os demais, em sua maioria autônomos, realizam outras formas de complementar sua renda, como a coleta de materiais e o comércio ambulante.
 
 
 
Há, no entanto, que problematizar as primeiras dificuldades impostas à inserção desse contingente populacional ao mercado de trabalho:
 
 
E, a partir disso, manter a discussão central do preconceito como um obstáculo à assistência a esses sujeitos.
 
 
 
SEGUNDA PARTE – Problematizando historicamente
 
 
 A repressão à vadiagem
 
Um breve estudo sobre as políticas de assistência à população de rua no Brasil leva a concluir, nas palavras de Maria Carolina Ferro, que houve no país dois tipos:
 
“Um primeiro tipo de política, que remonta à origem das ruas, é a criminalização e repressão dessas pessoas por agentes públicos. O uso da violência tem sido prática habitual para afastar essas pessoas dos centros urbanos e levá-las para áreas remotas ou para outros municípios, em nítidas políticas de higienização social. Esse tipo de ação estatal reflete, é claro, a cultura dominante em nossa sociedade de discriminação e culpabilização do indivíduo por estar e morar nas ruas, visão que é projetada e estimulada por diversos meios de comunicação. O segundo tipo de política consiste na omissão do Estado e, como consequência, na cobertura ínfima ou inexistente das políticas sociais para este segmento em todos os três níveis de governo (municipal, estadual e federal), ou seja, a invisibilidade do fenômeno para o poder público. Nesse sentido, a ausência de políticas sociais é também uma política”.3.
 
 
A rede de caridade, portanto, foi um elemento importante para o sustento de políticas de auxílio ao longo da história paulistana. Na mentalidade cristã, por exemplo, a mendicância era vista como uma forma de trabalho – nas Listas Nominativas de São Paulo (espécie de “censo” antigo da província, meados do século XVII em diante), por exemplo, a mendicância era citada como uma profissão, enquanto a prostituição era omitida.
 
A legislação acerca do que ficou conhecido como “vadiagem” (termo mais próximo do que hoje conhecemos como a situação de rua, embora abranja diversas situações e tenha frequentemente sido usada como meio de acusação garantida – quando se desejava culpabilizar e prender alguém sem provas, denunciava-o por vadiagem) se provou, desde o início, bastante agressiva. Existindo punições desde as Leis Filipinas, foram adotadas no Código Penal de 1890 – estas consistiam desde castigos físicos e prisões temporárias até ao envio forçado a “Casas de Correção” ou “Colônias Correcionais”, cuja proposta era recuperar o indivíduo pelo trabalho. No entanto, na prática tal pena somente era aplicada a indivíduos de baixa renda.
 
Em seu trabalho sobre a repressão à vadiagem em São Paulo durante a Era Vargas (que em meio às consequências da Crise de 1929 presenciou um aumento do desemprego e,
 
3 FERRO, Maria Carolina Tiraboschi. “Política Nacional para a População em Situação de Rua: o protagonismo dos invisibilizados.” In: Revista Direitos Humanos, Nº 08. Secretaria Nacional de Direitos Humanos da Presidência da República. Janeiro 2012. p. 36
 
 
 
portanto, da “vadiagem”), Silvia Helena Zanirato Martins4 relata diversos casos em que a vadiagem, mesmo não comprovada, determinou a prisão de indivíduos pobres que não se encaixavam na ordem de trabalho vigente. Sugerimos, portanto, que o professor apresente o seguinte relato para a sala:
 
 
 
A questão que a partir disso deve colocar para a sala é: por que Eduardo foi preso? Se não houve prova concreta de sua vadiagem, por que o delegado manteve a acusação que resultou em sua prisão?
 
4 MARTINS, Silvia Helena Zanirato. Artífices do Ócio: mendigos e vadios em São Paulo. 1933-1945. cap. 5. Tese (Doutorado em História) - Universidade Estadual de São Paulo, Assis, 1996.
 
 
 
A conclusão a que se pretende chegar é a da arbitrariedade das prisões. Eduardo foi preso por ser pobre e estar “sujo e mal vestido”. É o que Zaluar chama de “sinais codificados como perigosos” 5: a cor, a juventude e a pobreza.
 
 
 Os projetos de higienização da cidade
 
 
 
Em meados do século XIX para o XX, iniciou-se na Europa (em especial na Paris de Haussmann) um movimento de reconstrução do espaço urbano pela lógica burguesa. Nesse sentido, as ruas se tornaram mais largas, houve um aumento crescente na especulação imobiliária, afastando as famílias mais pobres dos grandes centros e deixando alguns bairros nas mãos exclusivas das classes altas.
 
Tal modelo de urbanização foi, então, importado para as metrópoles brasileiras sob as bandeiras da modernidade e da civilização. Em São Paulo, isso determinou não apenas demolições em massa, mas também políticas higienistas, cujo impacto sentiu-se não
 
5 ZALUAR, A. Condomínio do Diabo, Rio de Janeiro, Revan, Ed. UFRJ, 1994, p. 64.
 
 
 
apenas fisicamente, com o desaparecimento de cortiços e demais habitações populares dos grandes centros econômicos, mas também socialmente. A associação entre sujeira indesejável e doenças remetia ao pobre e sua casa; dessa forma, com a desculpa de melhorar as condições de saúde e limpeza da cidade, as autoridades expulsaram as camadas mais baixas para a periferia urbana, organização espacial que de certa forma perdura até hoje.
 
O modelo espacial de São Paulo acabou claramente segregacionista, e sua mensagem era clara: não há espaço para a pobreza numa cidade moderna. Não tendo a pobreza deixado de existir, recolheu-se às áreas-limites.
 
Assim exposto, é importante que o professor proponha uma discussão em sala sobre os espaços públicos da cidade e por quem são ocupados, assim como por que. Uma breve explicação sobre a história de tais políticas higienistas pode auxiliar o início do debate (talvez utilizando a fotografia acima como forma ilustração mais realista), e para maiores aprofundamentos, sugere-se a seguinte atividade:
 
 Hospital Emílio Ribas
 Rua Diogo de Faria
 Avenida Vital Brasil
 Bairro Higienópolis
 
 
O professor passa para a sala os quatro locais acima, que embora de grandezas diferentes e em pontos às vezes distantes da cidade, têm algo em comum. Pede para que os alunos descubram qual o elo que une os quatro. Em seguida, a partir da descoberta de que os quatro nomes possuem relações com a política de higienização anteriormente explicada (médicos sanitaristas que contribuíram com as reformas e uma clara menção a “um local higienizado/higiênico”), o professor questiona: Qual é a memória que estamos construindo sobre esse período? É saudável para a memória de uma cidade que um processo agressivo de afastamento e rechaço da população pobre seja prestigiado por meio de suas grandes figuras?
 
 
Ademais, nessa reorganização espacial muitos moradores da periferia acabam por fazer suas vidas nas ruas do centro, pernoitando noites fora de casa e retornando temporariamente. É o caso de Maria, moradora de rua entrevistada pelo movimento SP Invisível:
 
 
 
 
 
 
TERCEIRA PARTE – Para não concluir
 
 
 Retratos para a posteridade
 
 
Um importante problema quando analisando a situação dos moradores de rua em São Paulo é pensarmos em que tipo de documentos eles são mencionados, e de qual forma.
 
As pequenas participações desse grupo nas fontes históricas se dão principalmente em registros policiais e de repressão e reportagens jornalísticas (geralmente sobre agressões de extrema violência, uma vez que as agressões diárias não são retratadas, ou apresentando os moradores de rua como agentes do crime).
 
Tendo isso em vista, um exercício interessante em sala para refletir acerca da imagem que nos foi passada e sobre a imagem que estamos passando ao futuro é comparar duas atividades:
 
Em primeiro lugar, o docente apresenta as seguintes fotografias da década de 1910 para a sala, questionando: Qual a imagem de São Paulo que ele quer retratar?
 
 
 
 
 
 
 
O objetivo é que os alunos notem as grandes construções, os fios elétricos, os bondes e a grande movimentação de pessoas como elementos de uma cidade grande e importante, os já mencionados projetos de europeização de São Paulo. Logo em seguida, porém, o professor apresenta cortes das fotos:
 
Um engraxate, um carregador e uma mulher sentada na calçada – ou seja, a população nacional pobre, em contato com a rua e/ou com trabalhos marginais – encontrados em cantos de fotos, longe da atenção.
 
 
 
A segunda atividade, então, faz o paralelo com a atualidade. O professor mostra à sala as seguintes fotografias, em sequência:
 
 
 
 
 
 
 
As três fotografias tratam de momentos cronologicamente próximos, mas semanticamente diferentes, do massacre de Agosto de 2004, quando um grupo em pernoite na rua sofreu agressões físicas de extrema violência no centro de São Paulo. O ataque resultou na morte de sete moradores de rua, todos golpeados na cabeça, e gerou grande comoção à época.
 
A primeira foto trata de um morador de rua prestando depoimento a uma policial sobre as agressões. A segunda, de uma passeata contra a violência à população de rua e em desaprovação do massacre. E a terceira, de um homem voltando a dormir próximo a um local manchado de sangue, no centro da cidade. A questão que podemos colocar aqui é: A violência contra a população de rua em São Paulo é tão grande que choca apenas em grande proporções e por pouco tempo, sem que nunca seja resolvida. Como, nessas condições, apareceriam eles na imagem que formamos ao futuro?
 
Embora hoje em dia sejam mais comuns as representações e fotografias de moradores de rua, como no projeto SP Invisível, ainda há um longo caminho até que a sociedade paulistana deixe de invisibilizar tais sujeitos e haja um esforço por compreender sua realidade.
 
Essa sequência didática é só um início perante a gama de complexidades do tema, na qual se tentou abordar e problematizar a questão de um ponto de vista histórico e suas repercussões pela mentalidade comum até a atualidade.
 
 
 
BIBLIOGRAFIA
 AMARAL, Denise Perroud. A rede de atenção à população em situação de rua: possibilidades de interferência na definição e concretização de uma política pública na cidade de São Paulo. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) – Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2010. 162 p.
 
 BELLO, José Luiz de Paiva. A teoria básica de Jean Piaget. Vitória, 1995.
 
 FERRO, Maria Carolina Tiraboschi. “Política Nacional para a População em Situação de Rua: o protagonismo dos invisibilizados.” In: Revista Direitos Humanos, Nº 08. Secretaria Nacional de Direitos Humanos da Presidência da República. Janeiro 2012.
 
 FRANGELA, Simone. Corpos Urbanos Errantes: uma etnografia da corporalidade de moradores de rua em São Paulo. São Paulo: Annablume, Fapesp, 2009.
 
 LIMA, Marcos Melo de. A Vadiagem e os Vadios: controle social e repressão em São Luís (1870 – 1888). Dissertação (Mestrado em História Social) – Universidade Federal do Maranhão, São Luís, 2014, 173 p.
 
 MARTINS, Silvia Helena Zanirato. Artífices do Ócio: mendigos e vadios em São Paulo. 1933-1945. cap. 5. Tese (Doutorado em História) - Universidade Estadual de São Paulo, Assis, 1996.
 
 MILAGRE JR., Sérgio Luiz. “A República e a Repressão à Vadiagem: abordagens sobre os vadios em Minas Gerais (1895 – 1901)” In: Anais do XIX Encontro Regional de História, 2014, Juiz de Fora. 9 p.
 
 RIBAS, Luciana Marin. “O combate à invisibilidade da população em situação de rua: orientação jurídica e empoderamento da pessoa”. In: Aracê – Direitos Humanos em Revista, Ano 2, No. 3, Set/2015.
 
 SANTOS, Milton. Por uma outra globalização - do pensamento único à consciência. São Paulo, Editora Record, 2000.
 
 _____________. O Espaço Dividido: Os dois circuitos da economia urbana dos países subdesenvolvidos. São Paulo, Edusp, 2008.
 
 Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Diálogos sobre a população em situação de rua no Brasil e na Europa: experiências do Distrito Federal, Paris e Londres. Brasília: SDH, 2013.
 
 
 SOBRINHO, Afonso Soares de Oliveira. “São Paulo e a Ideologia Higienista entre os séculos XIX e XX: a utopia da civilidade” In: Sociologias, Porto Alegre, ano 15, no 32, jan./abr. 2013, p. 210-235.
 
 TEIXEIRA, Alessandra. Construir a delinquência, articular a criminalidade: um estudo sobre a gestão dos ilegalismos na cidade de São Paulo. Tese (Doutoramento em Sociologia) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012, 352 p.
 
 TEIXEIRA, Alessandra; SALLA, Fernando Afonso; MARINHO, Maria Gabriela da Silva Martins da Cunha. “Vadiagem e prisões correcionais em São Paulo: Mecanismos de controle no firmamento da República” In: Estudos Históricos. Rio de Janeiro, vol. 29, no 58, p. 381-400, maio-agosto 2016.
 
 VIEIRA, F.; LINO, D. “As contribuições da teoria de Piaget para a pedagogia da infância.” In: OLIVEIRA-FORMOSINHO, J.; KISHIMOTO, T.M.; PINAZZA, M.A. (org.) Pedagogia(s) da infância: Dialogando com o passado, construindo o futuro. Porto Alegre: Artmed, 2007.
 
 WALTY, Ivete. “Os intelectuais e os moradores de rua: uma parceria em construção” In: Letras de Hoje. Porto Alegre, v. 42, n. 4, p. 77-84, dezembro 2007.
 
 ZALUAR, A. Condomínio do Diabo, Rio de Janeiro, Revan, Ed. UFRJ, 1994.
 
 
 
ÍNDICE DE IMAGENS
Figura 1 - Citações de Jean-Paul Sartre em "Sartre, existencialismo e moradores de rua", apresentação de Victoria Alexander. ................................. 2
 
Figura 2 - Bares ignoram a lei e invadem a calçada. Marcos Vieira / EM/D.A. Press ...................................................................................... 5
 
Figura 3 - Shopping Iguatemi fecha as portas para evitar "rolezinho"; manifestantes protestam. Lívia Machado / G1 .............................................. 6
 
Figura 4 - Atividades exercidas pelos autônomos.. ............................................................................................................................. 9
Figura 5 - Razões apontadas para não encontrar emprego, autônomos...................................................................................................... 9
Figura 6 – A história de Eduardo Pinto, preso por suspeita de vadiagem ................................................................................................... 11
Figura 7 - Homem sentado entre casas destruídas. Vicenzo Pastore, circa 1910. ........................................................................................ 12
Figura 8 - Maria - SP Invisível / Reprodução - Folha de SP .................................................................................................................... 14
Figura 9 - Depoimento de Maria para o SP Invisível / Reprodução - Folha de SP .......................................................................................... 14
Figura 10 - Edifício Brasilianiche bank für Deustchland - Vincezo Pastore.................................................................................................. 15
Figura 11 - Sem legenda - Vicenzo Pastore, circa 1910. ....................................................................................................................... 16
Figura 12 - Morador de rua dando depoimento a policial ...................................................................................................................... 17
Figura 13 - Passeata contra o Massacre de 2004 ............................................................ 17
Figura 14 - Homem dorme no chão onde fora o massacre ............................................. 17
Referencia
Graduandos
Anexo Tamanho
a_populacao_de_rua_em_sp.pdf 2.07 MB