Universidade de São Paulo
Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas
SEQUÊNCIA DIDÁTICA 1 - A comunidade brasileira do
Benim: Preservação e construção de identidades
Disciplina: Ensino de História, Teoria e Prática
Professora: Antônia Terra Calazans Fernandes
Aluno: Pedro Henrique Fortes Fernandes, nº USP 8030266
Tema: A comunidade brasileira no Benim e a construção de identidades culturais no mundo atlântico.
Público Alvo
Alunos do Ensino Médio, preferencialmente do segundo ano, para acompanhar o estudo dos contatos entre povos europeus e africanos. Assim, é recomendado que seja aplicada em classes que já tenham estudado as dinâmicas do comércio transatlântico.
Duração das Atividades
Não há uma duração exata para as atividades desta sequência, e cabe ao professor distribuí-las de modo conveniente para o aprendizado, variando conforme as especificidades de cada conjunto de alunos. Lembramos também que esta atividade é pensada como complementar ao estudo de história afro-brasileira, sendo secundária a esta.
Objetivos
Esta sequência didática pretende trabalhar com os alunos o contato entre povos através do oceano atlântico, usando os agudás (a comunidade “brasileira” do Benim) como exemplo para discutir a formação de identidades e expressões culturais. O caso da comunidade agudá (e dos tabons de Gana e dos amarôs no Togo e na Nigéria, que tem origem similar) é exemplar porque permite aos alunos estabelecer paralelos com o Brasil, particularmente aqueles que não têm contato com as religiões de matriz africana, pois neste caso a “cultura de origem” é familiar: O Carnaval, a religião católica, as vestimentas e a arquitetura, por exemplo. Outro objetivo importante é ilustrar os africanos como sujeitos históricos e ativos que moldam seus costumes respondendo a seu tempo. Estas atividades foram concebidas como complementares ao estudo curricular da história afro-brasileira, não tendo a ambição de substituí-lo.
Na atividade um, o professor usará as fotos para introduzir os alunos ao tema das comunidades brasileiras na África, os agudás, tabons e amarôs. Os questionamentos tem como intuito fazê-los notar as semelhanças e procurar entender seu porque. O texto de Macedo é usado com o intuito de provocar nos alunos questionamentos sobre as visões mais tradicionais de miscigenação no Brasil. Também busca mudar o ponto de partida do estudo da diáspora africana. Se, nos currículos escolares, é comum partir da chegada dos africanos no Brasil, é possível levar este ponto de partida de volta para a África, valorizando seus processos internos e historicidade. Deste modo, prepara-se terreno para a atividade três.
A atividade dois procura explorar a história da comunidade agudá, trazendo três biografias para ilustrar a diversidade das origens das famílias. Continuando a proposta anterior, busca-se reconstruir os vínculos entre Brasil e África mostrando um lado pouco explorado pelo ensino, o retorno de africanos à África, e as influências que suas vidas no Brasil tiveram em sua integração ao restante dos povos lá estabelecidos. O texto de Law e Mann contém outras biografias ainda mais diversas, que podem complementar ou substituir aquelas presentes na sequência se assim o professor preferir. Estas biografias são contrapostas ao discurso do governo colonial francês, que tem uma perspectiva mais macro, e mostrar como já está presente a ideia de uma comunidade com identidade própria, e não apenas um conjunto de indivíduos.
Por fim, a atividade três usa o documentário para dar um panorama amplo da comunidade agudá. São exploradas a religião e a oralidade, procurando estabelecer paralelos com a história do Brasil. Tendo em mente as duas outras atividades, procura-se estabelecer o contato de Brasil e África como uma relação dialética, dotada de historicidade, que tem impacto tanto no Brasil como na África (neste caso, o Benim). A sugestão de atividade para casa tem por objetivo dar ao aluno um papel mais ativo do que é possível em uma discussão em sala de aula, trazendo o material para discussão e estabelecendo conexões com o presente.
Atividade 1
A atividade começa com a apresentação, sem contexto, das seguintes fotografias, de preferência impressas, sem legenda, e entregues para que cada aluno possa examiná-las. O professor deve incentivar a discussão entre os colegas.
[Mesquita Central de Porto Novo, capital do Benim. Disponível em: <http://www.panoramio.com/photo/8327831> Acessado em 10/06/2015]
[Agudás em comemoração da Festa do Nosso Senhor do Bonfim. Disponível em: <https://fronteirasetransgressoes.wordpress.com/palestrantes/milton-guran/> Acessado em 10/06/2015
Após um tempo para a análise, o professor pedirá que os alunos comentem as fotos, e se possível estabelecer relações entre elas. Se achar ncessário, o professor pode fazer perguntas para direcionar os alunos para elementos específicos. Abaixo há uma lista de sugestões de direcionamentos que o professor pode dar, reforçando que são apenas sugestões e a atividade dependerá das particularidades de cada classe e como o professor se adapta a ela:
- As fotos podem ser relacionadas?
- Quem são estas pessoas? Reparem nas roupas, instrumentos, adornos, etc.
- Existem elementos familiares? Se sim, quais?
- Aonde acham que foram tiradas?
- Quais suas impressões do ambiente ao redor?
O professor então pode esclarecer à classe o que as fotos mostram, que foram tiradas no Benim, no oeste da África, antiga colônia francesa, e que o primeiro prédio é uma mesquita. A partir disso é possível continuar os questionamentos:
- Porque vocês acham que estes elementos podem ser encontrados no
Benim?
- Já viram uma mesquita? A mesquita da foto é diferente de algum modo?
Como?
O professor pode optar, a seguir, por passar aos alunos o seguinte texto para ser lido em sala, de preferência com um voluntário lendo em voz alta enquanto o restante da sala acompanha. O trecho foi tirado de uma obra sobre os Congados e Moçambiques, manifestações culturais e religiosas com origem nas etnias banto, aliadas à Irmandade da Nossa Senhora do Rosário. Foi escrito pela entidade e presenteado à Secretaria de Estado de Cultura para auxiliar na proteção do patrimônio imaterial da Irmandade.
“Na cultura Brasileira a África é sempre tratada como distante. A idéia de distante reflete outro estereótipo que é a ideia da falta de integração da África aos espaços econômicos mundiais. Significa que ficou isolada e atrasada até o dia em que os europeus correram ao seu socorro. Na versão brasileira a África é ausente de integrações internas e externas ao continente. (...) A fantasia ou pesadelo da tribo de homens nus leva pensarmos a África como um conjunto de povos dispersos na mata e incomunicáveis uns com os outros. (...) O método de isolamento africano é estrutural ao pensamento racista brasileiro. Ele faz questão de desconhecer a espécie humana como um híbrido resultante de processos milenares de troca de população. Daí elege o Brasil e unicamente o Brasil como país da existência de misturas de populações diversas”
[MACEDO, Toninho. “Reinados de Congos”. Pgs 64-65]
- Como a dinâmica interna da África é relevante para o estudo do Brasil?
- O que os alunos pensam da “ideia da falta de integração da África aos
espaços econômicos”? E os espaços culturais ou políticos?
- O que os alunos conhecem sobre a Irmandade de Nossa Senhora do
Rosário? E sobre os Congados e Moçambiques?
- Porque o autor considerou este documento importante para a proteção de patrimônio?
- Considerando as fotografias anteriores e os conhecimentos dos alunos, é certo dizer que o Brasil é o “país da existência de misturas de populações diversas?”
Atividade 2
Esta atividade pode ser realizada tanto individualmente, como separando a classe em grupos pequenos para discussão conjunta. O professor deve oferecer aos alunos, sem contexto, o seguinte trecho para leitura, novamente para ser lido por alguém da classe:
“A chamada população crioula, de aproximadamente 500 pessoas, composta, em sua maioria, de negros que estão voltando do Brasil e, em menor proporção, de negros de Lagos, Serra Leoa e Costa do Ouro, é de particular interesse. Católicos, protestantes e até muçulmanos, quase todos os crioulos falam português e alguns falam inglês. Eles escrevem e lêem essas línguas e alcançaram um alto grau de civilização. (…) Vestem- se como europeus (…). Todos os crioulos compreendem perfeitamente o mecanismo da justiça [européia]. (...) Quando o ensino francês houver penetrado nessa população, quando a influência cotidiana de nossas instituições e de algumas medidas a houver tornado nossa, encontraremos no grupo crioulo um sólido apoio para a civilização da região.”
[“Archives d’Outre-Mer, Aix-en-Provence, dossier: Daohmey, général”. In: SOUMONNI, Elisée. “Daomé e o mundo atlântico”. Pg. 12]
Depois de lido, o professor deve iniciar uma discussão com a sala, podendo fazer os seguintes questionamentos:
- Quem escreveu este documento? Que tipo de documento é este?
- Do que trata o documento?
- De acordo com o documento, o que caracteriza essa comunidade?
- De que forma o documento apresenta a “população crioula” do Daomé? O aluno pode perceber como a diferenciação é feita, analisando o discurso do colonizador.
- Que comparações podem ser feitas entre este texto e o texto da atividade 1?
- Com quais objetivos o governo colonial descreve a comunidade? Porque a necessidade do ensino francês? Aqui os alunos podem lembrar que os agudás falam francês, tendo perdido o contato com a língua portuguesa.
Após este momento o professor pode esclarecer que é um documento do governo colonial do Daomé francês, escrito no começo do século XX, e discutir com a classe as implicações disso. Em seguida o professor deve fornecer aos alunos os trechos abaixo:
“O crescimento da comunidade comercial da Costa dos Escravos criou uma demanda por artesãos para realizar serviços especializados tanto no comércio de escravos como para abastecer o gosto e as vontades dos mercadores de escravos enriquecidos por residências construídas no estilo brasileiro, bens e serviços. Alguns destes artesãos eram [nascidos] livres, mas outros foram comprados e trazidos do Brasil, ou para lá enviados para se especializarem. (...) José Paraíso, um ex-escravo estabelecido em Porto Novo, trabalhou originalmente como barbeiro, e, segundo um relato, foi trazido do Brasil para este propósito por Domingo Martinez. José Francisco dos Santos, um liberto brasileiro estabelecido em Ouidah, embora mercador de escravos, foi originalmente um alfaiate a serviço da família de Souza, mantendo, no entanto, sua profissão aderida ao nome (O Alfaiate)”
[LAW, Robin; MANN, Kristin. “West Africa in the Atlantic Community: the Case of the Slave Coast”. Pg.13]
“(...) [Outro caso é o de] Antônio Vaz Coelho, descrito como “um negro livre, nascido no Brasil, onde ele foi ensinado a ler, escrever e fazer contas”. Fez várias viagens a Porto Novo como mercador, e se estabeleceu por lá. Tornou-se um respeitável comerciante, casou-se numa das principais famílias da comunidade, adquirindo em consequência considerável influência e grande ascendência nos conselhos públicos. Ele foi notado por armar seus dependentes com bacamartes (um tipo de arma de fogo) e a ele é creditada a introdução das armas nas canoas de guerra, usadas nas lagoas costeiras. Suas canoas desempenharam papel importante nas campanhas contra as cidades vizinhas na década de 1780, recorrentemente salvando as forças de Porto Novo da derrota em duas ocasiões ”
[LAW, Robin; MANN, Kristin. “West Africa in the Atlantic Community: the Case of the Slave Coast”. Pgs.8-9]
- Porque os alunos pensam que José Francisco dos Santos se estabeleceu como mercador de escravos?
- Qual era o papel do comércio de escravos na economia local? E da guerra?
- Porque os mercadores como Antônio Vaz Coelho e Francisco Félix Coelho se casam nas comunidades locais? O professor pode fazer paralelos com os casamentos entre portugueses e indígenas, como João Ramalho e Bartira.
- Quais foram as influências destes indivíduos na Costa dos Escravos?
Como atividade para casa, o professor pode pedir que os alunos pesquisem sobre o contato entre o Brasil e a África historicamente (relações comerciais, quais os povos africanos levados para o Brasil e qual é sua expressão hoje) e atualmente (notícias, projetos, de que forma se dá o contato hoje em dia, se é tratado como relevante).
Atividade 3
O professor deve passar em sala trechos do documentário “Atlântico Negro - Na Rota dos Orixás”, com link na bibliografia deste trabalho. Seria preferível exibir o documentário inteiro, porém, se necessário, considerando a disponibilidade de tempo de aula e os temas já abordados no currículo regular, o professor é livre para aumentar ou diminuir a duração do vídeo. O trecho crítico para atividade é aquele entre 17:40 e
45 minutos, O professor também é livre para pausar o vídeo a qualquer momento se sentir que é necessário explicar à sala um fato ou uma palavra.
Após a exibição do documentário, o professor deve abrir espaço para uma discussão com a classe. Para isso, pode propor à sala as seguintes questões, lembrando que este não é um guia rígido. Sua aplicação será influenciada pelo método do docente e a diversidade que cada classe apresenta:
- O que os alunos conhecem sobre as diferentes etnias africanas mencionadas (nagôs, hauçás, minas, jejes, etc). O professor pode complementar os conhecimentos dos alunos com seus próprios, ou buscar uma atividade coordenada com as aulas e geografia.
- Quais etnias e religiões contribuíram para formar esta comunidade?
- Como é essa identidade com o Brasil, ou seja, que tipo de Brasil está representado?
- Além das similaridades, os alunos podem pensar em diferenças?
- O que solidificava as relações entre ambos os lados deste mundo atlântico? Esta ligação permanece ou foi rompida?
- Qual é a importância da oralidade?
- Por que é interessante aos agudás e a casa Fanti Ashanti preservar estes laços?
- A partir do exemplo desta comunidade, os alunos conseguem estabelecer comparações com o estabelecimento dos africanos no Brasil?
- Os alunos conseguem pensar em outros exemplos de comunidades similares?
- Como os documentos desta sequência podem auxiliar no estudo da história afro-brasileira?
Por fim, o professor deve apontar que existem outras comunidades similares em Gana (os tabons), Nigéria e Togo (os amarôs). Os alunos devem procurar em casa notícias sobre o estado destas comunidades, atualmente. Também, se houverem comunidades africanas tradicionais na região, os alunos podem pesquisar seus membros, costumes, e como são vistas pelo (ou integradas ao) restante da população local. As descobertas podem ser discutidas na aula seguinte.
Bibliografia
BITTENCOURT, Circe. “Ensino de História: fundamentos e métodos”. São Paulo, Cortez, 2004.
LAW, Robin; MANN, Kristin. “West Africa in the Atlantic Community: the Case of the Slave
Coast”. William and Mary Quarterly, 3a. serie, v. LVI, 1999, p. 304-334.
MACEDO, Toninho. “Reinados de Congos”. In: Secretaria de Estado da Cultura, Processo
69577/2013, Fls. 64-65
SOUMONNI, Elisée. “Daomé e o mundo atlântico”. Disponível em
<http://www.casadasafricas.org.br/wp/wp-content/uploads/2011/08/Daome-e-o-mundo- atlantico.pdf> Acesso em 08/06/2015
ZABALA, Antônio. “Os enfoques didáticos”. In: COLL, César, MARTÍN, Elena, ... (org.). O
construtivismo em sala de aula. São Paulo, Ática, 1996.
Vídeos
BARBIERI, Renato. Atlântico Negro - Na Rota dos Orixás; Disponível em:<https://www.youtube.com/watch?v=5h55TyNcGiY> Acessado em: 08/06/2015
Imagens
http://www.panoramio.com/photo/8327831
Acessado em: 10/06/2015
https://fronteirasetransgressoes.wordpress.com/palestrantes/milton-guran/ Acessado em: 10/06/2015