ARRAES TÁ AÍ (DE NOVO?)

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

ENZZO SATO INADA - 10258024

ARRAES TÁ AÍ (DE NOVO?)

Construção memorialística e esvaziamento de sentido na política pernambucana sob

à ótica dos jingles eleitorais (1998-2022)

(sequência didática)

São Paulo - SP

2022

Objetivos: Esta sequência didática tem como objetivo aprofundar em sala de aula o estudo de

alguns fenômenos da redemocratização e da Nova República brasileira, período este tão

deixado de lado nas aulas de história. Nesta sequência, utilizaremos o estudo de caso do jingle

político de Miguel Arraes (1998) e suas subsequentes apropriações por Eduardo Campos

(2010) e Marília Arraes (2022) para propor uma reflexão crítica sobre como a memória de

“grandes figuras públicas” é criada, reapropriada e ressignificada de acordo com o tempo e

com o contexto político e social em questão.

Introdução: Miguel Arraes (1916-2005) foi governador de Pernambuco eleito em 1963 e

deposto no ano seguinte pelo Golpe Militar. Com atuação política de esquerda, o governo de

Arraes foi marcado por robustas políticas sociais voltadas ao fortalecimento dos sindicatos e

das ligas camponesas, sobretudo na Zona da Mata, região esta há tempos dominada pelos

grandes usineiros e latifundiários locais. Com o fim do regime que o exilara, Arraes se elege

novamente governador em 1995 pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), mas falha em sua

tentativa de reeleição para um segundo mandato em 1998 por conta uma série de problemas

no estado, incluindo uma greve das polícias militar e civil que durou doze dias.

Apesar do fim de carreira política não tão apoteótico, o legado de Arraes como crítico

da ditadura e como líder popular, bem como os vários avanços positivos na primeira gestão do

governador, foram méritos exaltados pela memória coletiva do estado. Não só seu jingle de

1998, “Arraes tá aí”, de Duda Mendonça, se tornou um dos mais memoráveis da história

republicana brasileira, como também a família Arraes conseguiu projetar muitos outros

membros em cargos políticos importantes. Em 2010 seu neto, Eduardo Campos (1965-2014)

ganha a reeleição do governo do estado com um jingle que não apenas imita o de Arraes na

melodia, como também faz um verdadeiro tributo à biografia do avô. Já em 2022, no entanto,

a história é outra: Marília Arraes, outra neta, também se lança ao governo com o mesmo

script do jingle simulando o original de 1998. Em um partido diferente do avô, com outra

plataforma de governo e rodeada por um contexto político muito diferente do de 2010, Marília

não logrou sucesso, nem com o argumento de autoridade que se pensara gozar seu sobrenome.

Entender essa dinâmica envolvida na emulação do legado de Miguel Arraes por mais

de vinte anos depois de sua última campanha para governador é algo útil em sala de aula não

apenas para conferir maior palpabilidade ao período estudado de resistência civil à ditadura e

subsequente redemocratização, como também possibilita uma análise documental fortuita

com os alunos, uma vez que eles poderão perceber que não apenas os documentos são

construídos com uma determinada finalidade (expressa ou não), como este sentido também

pode ser historicamente cambiável ao sabor das circunstâncias e contexto nos quais o

documento é apropriado.

Público-alvo: Preferencialmente alunos do ensino médio, pois é esperado que os estudantes

já tenham alguma bagagem referencial dos contextos de ditadura e redemocratização. Além

disso, alunos do ensino médio, que já presenciaram em vida uma ou duas eleições que se

recordam bem, teriam maior capacidade analítica de entender determinadas movimentações

políticas aqui descritas.

Metodologia: A condução dos objetivos será feita através da análise assertiva de fontes

devidamente anexadas nas páginas finais do trabalho. Tratam-se, respectivamente, dos jingles

eleitorais das campanhas para governador(a) de Miguel Arraes (1998), Eduardo Campos

(2010) e Marília Arraes (2022). As presentes atividades também foram pensadas

considerando a multiplicidade de acepções e respostas possíveis dos alunos. Assim, apesar de

esta sequência requerer uma condução ativa do docente ao longo das análises de fonte, isto

tampouco torna os alunos passivos, uma vez que as respostas e conclusões finais podem ser

diversas entre si, desde que se cumpram as percepções propostas nos objetivos. As respostas

serão feitas no registro oral, a partir do debate coletivo promovido pela turma, com mediação

do professor em um primeiro momento, para depois liberar os estudantes a escrever uma

pequena reflexão crítica sobre a última fonte, com acesso à devida pesquisa bibliográfica e de

internet que julgarem necessária.

ATIVIDADES: Construção de personalidade e ruína memorativa

A primeira atividade tem como objetivo estabelecer as balizas referenciais que os

alunos já possuem sobre a redemocratização e a Nova República. Para isso, o professor

utilizará conteúdos expositivos, sempre que possível se valendo de comparações com o tempo

presente e com parâmetros niveladores comuns ao contexto político que os alunos estão

familiarizados no momento da vigência da aula. É necessário, portanto, que o conteúdo de

Ditadura Militar já tenha sido ministrado e que os alunos já tenham alguma familiaridade com

o tema tratado.

A partir disso, o professor deverá introduzir alguns apontamentos rápidos sobre a

trajetória política de Miguel Arraes (sempre frisando se tratar apenas de um estudo de caso de

análise documental, e não como uma metonímia absoluta para o período estudado)

atrelando-se ao contexto da temporalidade pretendida, desde sua eleição em 1963, sua recusa

de ceder aos militares, a liderança pela democracia no exílio e sua segunda experiência à

frente do executivo pernambucano pós redemocratização. Após tais esclarecimentos,

tocaremos o jingle de Arraes de 1998 (a transcrição com a letra original se encontra no final

do documento e cópias deverão ser entregues para os alunos acompanharem). Logo após a

escuta, o professor deverá estimular os alunos a expressarem suas impressões a alguns

questionamentos; que efeitos a música desperta? Qual o sentido que os alunos acreditavam

que a música almejava atingir? Em alguma menor medida, qual o intuito do jingle político

como um todo? Para qual tipo de público ele se comunica, e com qual finalidade última? Essa

finalidade foi alcançada? (considerando que Arraes perdeu).

Com esses questionamentos em mente, o professor deverá reproduzir o segundo

jingle, de Eduardo Campos (2010), explicando que se trata do neto de Arraes. A partir da

escuta, novos questionamentos devem ser feitos: existe alguma similaridade entre os jingles

apresentados? Se sim, elas são intencionais? Existe, novamente, alguma finalidade definida

para o jingle em questão? Ela foi alcançada? Os recursos contidos na letra pretendem emular

qual mensagem, e se comunicar com qual tipo de público? E talvez o mais importante: a

reapropriação do jingle de Arraes por Campos altera o sentido possível do primeiro

documento em uma perspectiva histórica?

Promovendo e fomentando o debate, passa-se para o último jingle, o de Marília Arraes

(2022), outra neta. É necessário deixar claro que, diferente de Campos, Marília perdeu as

eleições. Sobre esse último jingle, o professor deverá deixar a critério dos alunos pesquisarem

sobre o contexto das eleições e, como tarefa avaliativa, trazerem algumas reflexões de crítica

documental, tal qual fora feito com os dois exemplos anteriores. Muito embora o jingle

isoladamente não explique a vitória de Campos ou a derrota de Marília, alguns recursos

conativos empregados (ou eventualmente abandonados) podem servir de termômetro para

compreender outras dinâmicas existentes. As respostas possíveis são variadas, mas em geral,

podem possivelmente orbitar em torno das seguintes reflexões:

Memória de Miguel Arraes: Marília perdeu as eleições porque não conseguiu emular

para a população o legado de Arraes (tanto no partido quanto no programa político

pretendido) versus Marília perdeu as eleições, mesmo se ancorando na imagem de

Arraes, porque o legado do avô caiu no esquecimento ou indiferença diante das novas

gerações de eleitores pernambucanos (coisa que ainda funcionaria em Campos, doze

anos atrás).

O novo jingle evoca Arraes apenas pelo nome, e não por suas realizações (como fizera

o de Campos) porque: ou a lembrança da Ditadura Militar se perdeu para o eleitor

médio, ou porque no contexto político de fortalecimento do bolsonarismo (que não era

uma força nacional consolidada em 2010), tocar nesse tema sensível não é

eleitoralmente interessante. Nesse segundo caso, também é possível se problematizar

se Marília teria, tal qual o avô, um compromisso orgânico com o combate à ditadura,

ou até mesmo se Campos o tinha, ou apenas o explorava eleitoralmente em um

contexto mais favorável à retórica da defesa da democracia (as possibilidades são

abertas).

Marília pode ter perdido as eleições não por não conseguir emular a imagem de

Arraes, mas precisamente por tê-lo feito. Apesar de forte, o PSB tem sido

imensamente impopular no estado, ficando fora do segundo turno em 2022 pela

primeira vez em 16 anos.

Essas são apenas algumas dentre as várias possibilidades de resposta. Conforme visto,

essa atividade objetiva não apenas um mergulho mais incisivo neste capítulo tão importante

da história brasileira (que por muitas vezes é até ignorado nos currículos como se fosse

“atualidades”, ou meros regionalismos insignificantes para o sudeste), como também se

propõe a realizar um exercício de crítica de fonte dentro de um contexto que é próximo e

palpável aos alunos.

Documentos:

Jingle 1: Jingle de Campanha de Miguel Arraes para o governo do estado de

Pernambuco (1998)

Acende a luz do candeeiro

Toca de novo a ciranda

Que a fé em nosso conselheiro

Renova a vida e não desanda

Meu Pernambuco tá ficando iluminado

Minha esperança não se desfez

E nosso futuro abençoado

É Arraes mais uma vez

Esse eu conheço, e posso confiar

Tem muita coragem e força pra mudar

Merece respeito, merece gratidão

Pernambuco tem Arraes, e eu não abro mão

Não vá se embora, fique mais um bocadinho

O nosso orgulho é ter pra sempre o seu carinho

Eu sou Arraes, e eu não mudo não

Sou Pernambuco e tenho Arraes no coração (2x)

Arraes tá aí, Arraes tá aí de novo

Arraes tá aí, defendendo o nosso povo

É Pernambuco respeitado por todo país

Arraes tá aí pra gente ser feliz (4x)

Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=rDrz4clrreo&gt;. Acesso em 11. nov. 2022

Jingle 2: Jingle de Campanha de Eduardo Campos para o governo do estado de

Pernambuco (2010)

Quando Eduardo nasceu sua história estava escrita

E pra quem não acredita é só prestar atenção

Na sua casa se dormia e se acordava

Sonhando com a liberdade, com o fim da escuridão

Naquele tempo era tudo proibido

Todo mundo tinha medo, ninguém podia falar

Mas muita gente continuou lá na luta

Esperando a liberdade que um dia ia chegar

E foi assim que ele cresceu

E foi assim que Eduardo se criou

Passo a passo, aprendendo o passo a passo,

Acompanhando as lutas do seu avô (2x)

Miguel Arraes era mais que um herói

Admirado por toda nação

E Eduardo aprendeu com ele

Que trabalhar pro povo é sua missão

Tem hora pro sol nascer

Tem hora pra noite chegar

Pra fruta ficar madura

E pro mandacaru florar

E foi assim que o tempo foi passando

E mais claro foi ficando o que o destino pra ele reservou

Cuidar do nosso povo, trabalhar por Pernambuco

Mostrando pro Brasil o que é ser governador

Ele tá aí

Ele tá aí, ele tá aí de novo

É Eduardo defendendo o nosso povo

É Pernambuco respeitado por todo país

Ele tá aí pra gente ser feliz (4x)

Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=YQyeYcGK8RQ&gt;. Acesso em 11. nov.

2022.

Jingle 3: Jingle de Campanha de Marília Arraes para o governo do estado de

Pernambuco (2022)

A feira

Tem

Tem Marília Arraes

Tem a galera na rua

Tem abraço de verdade

Que é do povo de Lula

Todo mundo aqui conhece

Que mané apresentar

Vai andando pela feira

O movimento marilhar

Marília Arraes é Pernambuco na veia

É Pernambuco, vem com a gente marilhar (2x)

Já saiu atrás do banco

Quer ver Marilia passando

Vem correndo abraçar

(Abraça, abraça, abraça, abraça, abraça, parou?)

(Quando vier de lá, traga um copo d’água pra eu que tô morrendo de sede)

Gente que para pra falar

Vem até correndo atrás

Pensa como é querida

Lembra até Miguel Arraes

Arraes tá aí,

Arraes tá aí de novo

É Marília pra cuidar do nosso povo

(sim senhora)

Marília Arraes é Pernambuco na veia

É Pernambuco, vem com a gente marilhar (3x)

(todo mundo sabe disso)

Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=5lzBTKba6-8&gt;. Acesso em 11. nov.

2022.

Referencia
Graduandos
Anexo Tamanho
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