AINDA PRECISAMOS DE FEMINISMO?

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

DISCIPLINA DE ENSINO DE HISTÓRIA: TEORIA E PRÁTICA (1ºS/2021)

PROFA. DRA ANTÔNIA TERRA CALAZANS FERNANDES

 

 SEQUÊNCIA DIDÁTICA PARA O ENSINO MÉDIO: AINDA PRECISAMOS DE FEMINISMO? 

ANA CAROLINA SODRÉ FERREIRA

 

SÃO PAULO

2021

             1.        INTRODUÇÃO

  

O ensino de História nas escolas, cacacterizado por seu conteúdo eurocêntrico e centrado em uma história de acontecimentos, frequentemente deixa de problematizar os acontecimentos e transformações históricas de pontos de vista diferentes do ponto de vista do sujeito masculino, branco e europeu. Com isso, a história, ação e atuação de outros sujeitos históricos – mulheres, pessoas negras, indígenas e pessoas LGBTQIA+, por exemplo – deixam de ser conhecidas, analisadas e problematizadas, ocupando, por sua vez, um lugar marginal na “história oficial”. 

A História das Mulheres e das Relações de Gênero, por exemplo, não tem por finalidade expor acriticamente a existência da mulher e outros sujeitos históricos diferentes do sujeito masculino branco europeu, mas, sim, produzir novas perspectivas teóricas e metodológicas e conceitos que permitam interpretar e conceber a História, e a produção do conhecimento histórico, a partir de uma nova perspectiva e modo de fazer historiográfico e teórico, evidenciando, assim, a não-existência de uma versão única (universal) ou “oficial” dos acontecimentos históricos e suas respectivas interpretações historiográficas. Como destacou Maria Odila Leite da Silva Dias (p. 32, 1983), “Estudar papéis sociais femininos dentro de uma conjuntura sócio-econômica bem definida é um primeiro passo no sentido de devolver historicidade a valores culturais enviesados de conotações ideológicas, que se têm por imutáveis e fixos” (DIAS, 1983, p. 32).

Diante esse cenário, professoras e professores de História do ensino fundamental e médio enfrentam o desafio de ensinar a disciplina sem reproduzir um conhecimento histórico universalista, essencialista e excludente – centrado no sujeito masculino branco europeu, e na história da Europa Ocidental –, de forma a desenvolver a postura crítica e a autonomia intelectual dos estudantes a partir de uma perspectiva interculturalista, plural, desconstrutivista e diversa sobre a produção e análise do conhecimento histórico, capacitando-os, assim, a enfrentar os problemas e conflitos da atualidade de forma crítica, propondo soluções baseadas no princípio de combate às discriminações institucionalizadas de raça, gênero e classe. 

A presente proposta de sequência didática visa contribuir para a superação desse desafio ao propor o ensino da disciplina de História a partir de conceitos e metodologias históricas do campo da História das Mulheres e das Relações de Gênero e da análise feminista. 

  

             2.       OBJETIVOS DA SEQUÊNCIA DIDÁTICA

  Fazendo uso da metodologia didática construtivista, a sequência didática visa ensinar, a partir de uma construção coletiva do conhecimento, os seguintes conteúdos conceituais, procedimentos e atitudinais aos estudantes, divisão proposta por Zabala (1996, p. 160-163):

 

CONTEÚDOS CONCEITUAIS

Feminismo

Machismo

Categorias históricas de análise: patriarcado, gênero, divisão sexual do trabalho

 

CONTEÚDOS PROCEDIMENTAIS

Debate e diálogo

Pesquisa bibliográfica

Trabalho em grupo

Apresentação oral

Manipulação de recursos e ferramentas digitais (internet, software de apresentações, aplicativos, etc)

 

CONTEÚDOS ATITUDINAIS

Respeito a opiniões e pontos de vistas diferentes sem adotar uma atitude ou ação violenta ou ameaçadora

Atitude não-discriminadora em relação às diversidades de gênero

Atitude de respeito em relação às mulheres, não as considerando inferiores nem objetos, e, sim, pessoas dotadas de direitos civis, sociais e políticos assim como os homens

Trabalho em equipe a partir de cooperação e diálogo

 

Os conteúdos conceituais a serem ensinados visam capacitar os estudantes com categorias históricas de análise que os permitam criticar, questionar e problematizar as questões políticas, sociais, culturais e econômicas de seu cotidiano e da realidade ao seu redor – identificar conflitos históricos, estruturas e relações sociopolíticas discriminadoras –, e os conhecimentos históricos ensinados em sala de aula e presentes em apostilas e livros didáticos a partir da perspectiva, teoria e metodologia feminista, com a desconstrução da ideia do conhecimento histórico como algo fixo, essencialista, universalista e do ponto de vista do sujeito masculino branco europeu. 

 

 

             3.       SEQUÊNCIA DIDÁTICA: AINDA PRECISAMOS DE FEMINISMO?

  

             3.1.      Linguagem da sequência didática

  A partir da próxima subseção, se usará parcialmente a linguagem neutra do Sistema Ile. Como o uso dessa linguagem é incomum na escrita acadêmica e para mim, pode ser que tenha ocorrido o uso incorreto dessa linguagem. Se for o caso, pede-se a compreensão dos leitores, podendo o texto ser reproduzido com as correções e referência devidas. 

 

             3.2.      Público-alvo e duração

A presente sequência didática é destinada aes turmas de Ensino Médio (1º, 2º e 3º ano), devendo ser aplicada no início do ano letivo ou do bimestre, e sua duração fica à critério des professories. 

 

 

             3.3.      Abordagem histórica

  

A sequência didática privilegia a análise da mulher como agente histórica, trazendo discussões sobre a desigualdade de gênero, a luta feminista por igualdade de direitos e a violência de gênero sofrida pelas mulheres a partir da análise de fontes históricas. Ao longo da sequência didática, tanto professories quanto estudantes serão incentivades a trazerem recortes históricos para debate sob essa ótica. 

Como a sequência didática enfatizará o ensino de conceitos e categorias históricas, ela não irá focar-se na análise particular e demasiada de um único acontecimento ou período histórico. Logo, a sequência didática permitirá desenvolver a transformação da consciência de estudante sobre esse assunto, capacitando-e a levar as questões sobre gênero – interseccionando com raça e classe – nos debates efetuados e conteúdos de história que serão ensinados ao longo da vida escolar, além de permitir que mobilize esses conhecimentos para intervenções sociais, políticas, culturais e econômicas nas realidades fora da escola. 

 

 

             3.4.      Materiais necessários

  

Ao mesmo tempo em que le professore exibirá a fonte histórica na lousa por projeção, em alguns momentos da sequência didática, les estudantes também irão acessá-lo através de seus respectivos smartphones. Ao longo da sequência didática, serão necessários os seguintes materiais:

 

Projetor (escola)

Notebook ou computador (escola, estudante)

Internet (escola, estudante)

Smarthphone (estudante; quem não possuir, poderá formar grupo com quem possua)

Papel e caneta (estudante)

 

Caso a escola não possua equipamento de projeção, le professore poderá imprimir as fontes históricas – quando aplicável – e lê-las para a classe, porém, recomenda-se a distribuição de cópias da fonte. 

 

  

             3.5.      Avaliação

  Ao longo da sequência didática, serão propostas algumas avaliações, porém les professores

poderão adaptá-las ou propor novas atividades bem como definir os pesos das notas. 

 

 

             3.6.       Parte I: levantamento de conhecimentos prévios des estudantes

  

A sequência didática irá iniciar-se com o levantamento prévio dos conhecimentos des estudantes sobre feminismo, gênero e divisão sexual do trabalho, havendo a intermediação de professore para o aprofundamento dos conceitos.

 

 

3.6.1. Atividade

 

Projetar no quadro um post da página da USP no Facebook onde ocorreu o compartilhamento de uma matéria publicada no Jornal da USP, e prints de alguns comentários realizados por usuáries:

Fonte: [Assédio Sexual Sofrido por Chatbots]. São Paulo, 4 jun. 2021. Acesso em: 3 jul. 2021.

Fonte: [Assédio Sexual Sofrido por Chatbots]. São Paulo, 4 jun. 2021. Acesso em: 3 jul. 2021. Disponível em:

<https://www.facebook.com/usponline/posts/4078442098876063>.

 

Antes de iniciar a leitura da fonte, le professore deverá orientar ou ensinar les estudantes a acessarem o Facebook e localizarem o post na página da USP (dica: usar o recurso de busca na página – ícone de lupa – e digitar “chatbot” para localizar a postagem). Quem não possuir smartphone, poderá fazer par ou grupo com quem tenha. Essa etapa colocará le estudante como investigadore e sujeite ative na análise da fonte. 


Após, le professore irá ler para les estudantes a chamada do post e da reportagem compartilhada. Em seguida, perguntará aes estudantes se iles sabem o que é a fonte. Sugestões de questionamentos:

 

      O que é isso? (identificar que se trata de uma postagem em rede social)

      Onde foi realizada essa postagem? (identificar a rede social Facebook e a página da USP)

      A reportagem foi postada nesse lugar? (identificar que a reportagem foi compartilhada, ou seja: ela não está no Facebook e, sim, em outro lugar, bem como seu conteúdo; logo, o

Facebook é um espaço de reprodução e não somente produção)

      A julgar pelo título da reportagem, sobre o que será o conteúdo reportagem?

      Vocês já ouviram falar no termo “machismo estrutural”? (verificar nível e tipo de conhecimento da turma sobre esse conceito)

 

Após, le professore lerá alguns comentários e fará outros questionamentos:

 

      Quem fez esses comentários? (identificar les usuráries das redes sociais)

      Quem pode ver esses comentários e o post? (identificar que apenas usuáries de Facebook, ou seja, o acesso é restrito, possui público específico)

      Qualquer pessoa pode acessar esse post? (identificar que somente pessoas com internet conseguem, o que levantará a questão da desigualdade de acesso à internet)

      Todes do Facebook ou que tem acesso à internet poderão ver o post? (destacar que somente quem segue ou curte a página da USP ou procure por conteúdos desse tipo, ou seja: subgrupo específico dentro do grupo de usuáries de Facebook)

      Os comentários dessas pessoas são verdades absolutas? (identificar que são opiniões pessoais sem haver necessariamente um embasamento científico)

 

Esses questionamentos iniciais permitirão a aproximação des estudantes com a fonte histórica – e temática da sequência didática – e despertarão um olhar crítico e não focado no entretenimento e diversão, algumas das características da finalidade de uma rede social. 

Em seguida, separar les estudantes em grupos de 6 à 10 pessoas (pode ser por sorteio ou organização própria des estudantes). 

Por fim, orientar les grupos a responderem coletivamente as questões abaixo, havendo 1 pessoa responsável por registrar as respostas finais, que deverá ser entregue para receber nota e feedbacks de professore:

 

a)     Que tipo de fonte é essa? Quando foi publicada? Quem a produziu?

b)     Vocês consideram a rede social – e seus conteúdos - uma fonte histórica? Explique

c)      Na postagem e nos comentários se destacam um emotion amarelo dando risada. Qual sentimento esse emotion expressa, levando em consideração a matéria compartilhada e os comentários efetuados na postagem?

d)     Vocês sabem o que é machismo estrutural? O que vocês acham que significa?

e)      A partir do título da matéria compartilhada, respondam: vocês concordam com algum dos comentários? Qual comentário le grupo mais concorda? E o que menos concorda?

f)      Na opinião de grupo, comentários de cunho sexual direcionados aes assistentes virtuais podem ser considerados assédio sexual? Justifique sua resposta 

 

Em seguida, le professore irá passar por cada uma das perguntas e ouvir as respostas des grupos. Durante esse processo, le professore deverá mediar a discussão e questionar les estudantes sobre o porquê das respostas e se outres grupos concordam (articulação de debate coletivo). Ao término da discussão, le professore irá projetar a matéria publicada – orientando que les estudantes também a acessem pelo smartphone – e a lerá ae turma: https://jornal.usp.br/atualidades/assediocontra-assistentes-virtuais-revela-acao-do-machismo-estrutural-dasociedade/?fbclid=IwAR1q7zEkamD-

RbsOFmQUWLaoi4KkX77PTCwuXNfAJ2sks1MWd5HwFHn_SAk  (reportagem na seção 5). Le professore deverá pedir que les grupos pesquisem pelo smartphone os termos citados na entrevista que desconhecem ou não entendem, e compartilhem com le turma. 

Em seguida, deverá ser iniciado um novo debate com les estudantes, levantando e colocando problemáticas sobre assédio sexual, discriminação de gênero e divisão sexual do trabalho a partir dos comentários des estudantes e da mobilização desses conceitos como categorias histórica de análise. Le professore também deverá chamar a atenção para o fato de na reportagem haver citações de estudos científicos que sustentam o argumento principal, e nos comentários do Facebook, não.

 

 

             3.7.       Parte II: análise e discussão sobre as categorias históricas de análise

 

 

3.7.1. Trabalho em grupo

  

Les grupos deverão realizar uma pesquisa (de 2 à 4 páginas) sobre os conceitos citados na

matéria:

 

   Patriarcado: definição e exemplo de um acontecimento histórico que seja possível identificá-lo (le professore poderá fornecer exemplos para guiar le grupo)

   Machismo e misoginia: definição e exemplos reais de situações nas quais elas ocorrem (coletar esses exemplos em: matérias de jornais, posts em redes sociais, vídeos no Youtube, entrevistas com familiares etc)

   Divisão sexual do trabalho: definição e levantamento de pesquisas estatísticas que mostram a % de ocupação por sexo e diferença salarial entre homens e mulheres

   Gênero: definição e reflexão de grupo a partir do conteúdo pesquisado sobre o que é gênero

 

Caso haja mais de 4 grupos formados, os temas poderão se repetir. 

Se a escola possuir laboratório de informática, deverá ser incentivada a realização da pesquisa nesse espaço escolar, devendo a pesquisa ser realizada durante o horário da(s) aula(s). Le professore deverá orientar les grupos a estabelecerem uma comunicação entre les integrantes, podendo ser através de grupo no Whatsapp, grupo fechado no Facebook ou Google Grupos etc

Le professore deverá orientar e/ou ensinar les estudantes a como realizar a pesquisa, indicando sites e materiais, e enfatizando que haja uma reflexão do que for lido e não apenas cópia. Exemplos de locais de pesquisa:  Google acadêmico, site do IBGE, indicações de artigos etc Recomenda-se que le professore apresente os locais de pesquisa online durante a aula para que seja possível demonstrar e ensinar les estudantes como se faz uma pesquisa escolar online. Le professore deverá reforçar, também, a importância de citar as fontes utilizadas – no formato da ABNT ou versão reduzida (autoria, ano de pulicação, local)

Les grupos deverão apresentar as pesquisas ao resto da turma, havendo um tempo para perguntas da turma aes grupo e debate sobre os conceitos após cada apresentação, com a intermediação de professore para a conexão deles entre si e às realidades sociais, políticas, econômicas e culturais que nos rodeiam – a partir dos exemplos trazidos peles grupos –, fornecendo exemplos de acontecimentos históricos. Le professore também deverá articular as pesquisas e discussões ao feminismo, colocando questões aes estudantes e les instigande a reflexões. As pesquisas poderão ser apresentadas em formato livre a ser escolhido pele grupo, e serão avaliados.

  

 

             3.8.      Parte III: discurso de gênero na política

  

Nessa parte III, a ênfase será o estudo de gênero na história – em suas dimensões política, econômica e social – a partir da análise de trechos da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão em comparação à Declaração de Direitos da Mulher e da Cidadã de Olympe de Gouges (pseudônimo de Marie Gouze).

Em um primeiro momento, le professore projetará a pintura de Jean-Jacques-François Le Barbier, uma representação da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão:

Fonte: LE BARBIER, Jean-Jacques-François. La Déclaration des droits de l'homme et du citoyen de 1789.

Fonte: LE BARBIER, Jean-Jacques-François. La Déclaration des droits de l'homme et du citoyen de 1789. 1789. Pintura, óleo sobre madeira. Acesso em:

 

03 jul. 2021. Disponível em: <https://www.carnavalet.paris.fr/collections/declaration-des-droits-de-lhomme-et-du-citoyen>

 

Em seguida, le professore iniciará a discussão e análise da imagem com les estudantes.

Sugestões de questionamentos:

 

      Vocês já viram essa imagem antes?

      O que ela é? (foto, pintura etc)

      Vocês sabem qual é a o idioma do texto? (identificação do francês permitirá, também, identificar o acontecimento histórico que remete a pintura)

      Vocês sabem sobre o que ela está falando? (estimular les estudantes a analisarem elementos da imagem; caso não consigam, chamar atenção para as palavras “declaration”, “article”, numeração romana, “assemblé” para, assim, remeter a um contexto político)

      O que les duas pessoas na imagem estão fazendo? O que representam?

      A imagem reflete qual época? (caso les estudantes não consigam articular, chamar a atenção para o ano de “1789” na imagem e demais elementos políticos que rementem ao contexto da Revolução Francesa)

 

Após essa discussão inicial, espera-se que les estudantes tenham identificado o acontecimento histórico da Revolução Francesa e/ou Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão. Caso não, le professore poderá fornecer um breve contexto e questionar les estudantes sobre seus conhecimentos a respeito desse acontecimento. 

Em seguida, le professore irá projetar alguns artigos da declaração em francês[1] e em português[2] (a versão do idioma original visa chamar a atenção para a palavra homme (s)/homem (s)), e os lerá para les estudantes (apenas versão em português):

 

Art. 1er. Les hommes naissent et demeurent libres et égaux en droits. Les distinctions sociales ne peuvent être fondées que sur l'utilité commune.

Art. I Os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem fundamentar-se na utilidade comum.

 

Art. 2. Le but de toute association politique est la conservation des droits naturels et imprescriptibles de l'Homme. Ces droits sont la liberté, la propriété, la sûreté, et la résistance à l'oppression.

Art. 2. A finalidade de toda associação política e a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses direitos são a liberdade, a prosperidade, a segurança e a resistência a opressão.

 

Art. 4. La liberté consiste à pouvoir faire tout ce qui ne nuit pas à autrui: ainsi, l'exercice des droits naturels de chaque homme n'a de bornes que celles qui assurent aux autres Membres de la Société la jouissance de ces mêmes droits. Ces bornes ne peuvent être déterminées que par la Loi.

Art. 4. A liberdade consiste em poder fazer tudo aquilo que não prejudique o próximo: assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem por limites senão aqueles que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes limites apenas podem ser determinados pela lei.

 

Após, le professore questionara les estudantes sobre a quem se destina os direitos dos artigos. Sugestões de perguntas:

 

      De acordo com o artigo 1, quem nasce livre? Quem nasce iguais em direitos? (verificar se les estudantes consideram o termo “homem” sujeite universal e se irão incluir a mulher no gozo desses direitos)

      Segundo o artigo 2, quem tem direito à liberdade, à prosperidade, à segurança e à resistência a opressão? (continuar o questionamento da pergunta anterior)

      De acordo com o artigo 4, quem pode fazer tudo aquilo que não prejudique le próximo?

      Por quê foi utilizado o termo homme (homem) ao invés de pessoa ou ser humano? Por quê as mulheres não são citadas?

      Os direitos nesses artigos também se destinam às mulheres? Por quê? 

      As mulheres lutaram na Revolução Francesa? (identificar o ocultamento na “história oficial” da experiência das mulheres em eventos históricos e, assim, evidenciar que existem versões

de acontecimentos históricos e grupos de poder que impõe uma versão como narrativa geral e “oficial” a partir de seus respectivos interesses políticos)

 

A análise e discussão dos artigos a partir das perguntas acima, visam chamar a atenção des estudantes para a caracterização de sujeite como masculino, e problematizar o uso do termo “homem” para reivindicar direitos, problematizando o universalismo do indivíduo homem e a consequente exclusão da mulher e outras manifestações de gênero.

O rumo da discussão dependerá do conhecimento geral des estudantes: poderá haver a normalização da universalidade de sujeite como masculino (nesse caso, le professore deverá questionar essa normalização e universalização aes estudantes), ou a identificação da exclusão presente na normalização e universalização do termo sem necessariamente haver uma estranheza nessa constatação (aqui, le professore deverá questionar a normalização implícita da masculinização de sujeite), por exemplo.

Após a discussão, le professore projetará os mesmos artigos em francês (REID, 2014, n.p.) e em português, mas na versão da Declaração de Direitos da Mulher e da Cidadã de Olympe de Gouges (pseudônimo de Marie Gouze), colocando ao lado dos artigos anteriores e sem mencionar o título da versão de Gouges (sugestão: falar que alguns anos depois, em 1791, foi proposta outra declaração):

 

La femme naît libre et demeure égale à l’homme en droits. Les distinctions sociales ne

peuvent être fondées que sur l’utilité commune.

Artigo i

A mulher nasce livre e tem os mesmos direitos do homem. As distinções sociais só podem ser baseadas no interesse comum.

 

Le but de toute association politique est la conservation des droits naturels et imprescriptibles de la femme et de l’homme: ces droits sont la liberté, la propriété, la sûreté, et surtout la résistance à l’oppression. artigo ii

A finalidade de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis da mulher e do homem. Estes direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança e, sobretudo, a resistência à opressão.

La liberté et la justice consistent à rendre tout ce qui appartient à autrui; ainsi l’exercice

des droits naturels de la femme n’a de bornes que la tyrannie perpétuelle que l’homme lui oppose ; ces bornes doivent être réformées par les lois de la nature et de la raison artigo iv

A liberdade e a justiça consistem em devolver tudo o que pertence a outrem; assim, o exercício dos direitos naturais da mulher não tem outro limite senão a tirania perpétua que o homem lhe opõe; esses limites devem ser reformados pelas leis da natureza e da razão.

 

Em seguida, a partir de questionamentos, le professore conduzirá a análise dos artigos em

conjunto com les estudantes. Sugestões de questionamentos: 

 

      Há alguma diferença desses artigos para os 3 anteriores? (espera-se que les estudantes identifiquem a diferença de gênero nas declarações, o caráter inclusivo dos artigos de Gouges e a crítica ao sujeito masculino como universal)

      De acordo com o artigo 1, quem nasce livre? (identificar a relação de igualdade entre mulher e homem)

      Segundo o artigo 2, quem tem direito à liberdade, à propriedade, à segurança e, sobretudo, à resistência à opressão?

      De acordo com o artigo 4, quem impõe uma tirania perpétua às mulheres? Por quê?

 

A discussão desses artigos visa conduzir um debate com les estudantes que questione a normalização e universalização de sujeite como masculino bem como a exclusão da mulher na noção de sujeite universal e, portanto, não detentora de direitos. A discussão deverá instigar les estudantes a refletirem sobre as diferenças de gênero e a opressão decorrente das relações de gênero, onde um (o masculino) tende a dominar o outro (feminino). 

 

 

3.8.1. Trabalho em grupo

 

 Le professore deverá separar les estudantes em grupos (por sorteio ou organização própria diles). Les grupos irão realizar pesquisas sobre uma das temáticas abaixo:

      Quem foi Olympe de Gouges (pseudônimo de Marie Gouze): biografia

      Declaração de Direitos da Mulher e da Cidadã: o que foi essa declaração? Por quê ela foi escrita?

      Participação das mulheres na Revolução Francesa (essa temática poderá ser designada a mais de 1 grupo)

 

Assim como na parte II, dar-se-á preferência pela realização do trabalho em grupo e quando possível, em espaços escolares, além de orientações e explicações de professore de como realizar a pesquisa e quais fontes consultar (para mais detalhes, vide subseção 3.7.1).

Les estudantes deverão entregar o trabalho por escrito ou impresso (de 2 à 4 páginas) e apresentá-lo (formato livre de apresentação); tanto o trabalho quanto a apresentação valerão nota. Durante a apresentação das pesquisas, haverá um tempo para perguntas de outres estudantes ao grupo e debate sobre a temática da pesquisa apresentada. Ao longo das discussões, le professore deverá articular o conteúdo apresentado com as questões e relações de gênero (discriminação, exclusão das mulheres de direitos políticos, sociais e econômicos), os conceitos estudados anteriormente (patriarcado, machismo, divisão sexual do trabalho, gênero), problematizar o ocultamento da mulher como agente histórica na Revolução Francesa, questionar a reivindicação por direitos a partir da universalização de sujeite como masculino etc, sempre colocando perguntas e questionamentos aes estudantes para que haja uma construção e desconstrução coletiva do conhecimento. 

 

 

             3.9.      Parte IV: o feminismo e a luta feminista na contemporaneidade 

  

Será exibido – no projetor – um vídeo de umas das intervenções políticas convocadas pelo coletivo feminista Las Tesis no Chile em novembro de 2019, com coreografia e música, que ganhou grande repercussão internacional à época. Em seguida, se lerá a tradução da música aes estudantes.

Vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=yJGE9zqgna8  

Após a apresentação do vídeo, le professore deverá realizar alguns questionamentos aes estudantes para ouvir suas percepções e conhecimentos e auxiliar na condução de análise da fonte, como:

      Vocês já tinham visto esse vídeo ou ouvido essa música antes?

      O que está acontecendo no vídeo?

      Onde está ocorrendo a situação no vídeo? Que lugar é esse?

      Por quê as pessoas no vídeo estão cantando e realizando uma coreografia? (identificar que é um protesto político; uma forma de crítica, resistência e reivindicação)

      Há mais homens ou mulheres no vídeo? Por quê? (identificar a predominância de mulheres e associar com ativismo e ativismo feminista + e questionar o porquê haver mais mulheres do quê homens)

      Por quê algumas das mulheres estão com faixa nos olhos?

      Vocês entenderam o conteúdo da letra da música? O que vocês acham que ela quer dizer levando em consideração o contexto do vídeo?

 

Em seguida, le professore projetará a letra da música[3] (letra original e tradução) e lerá a

tradução para les estudantes:

 

El patriarcado es un juez, que nos juzga por nacer y nuestro castigo es la violencia que no ves.

O patriarcado é um juiz | que nos condena por nascer. | E nosso castigo | É a violência que você não vê

 

El patriarcado es un juez, que nos juzga por nacer y nuestro castigo es la violencia que ya ves

O patriarcado é um juiz | que nos condena por nascer. | E nosso castigo | É a violência que você já vê

 

Es feminicidio Impunidad para el asesino Es la desaparición Es la violación

É o feminicídio |  Impunidade para o assassino |  É a desaparição | É o estupro

 Y la culpa no era mía, ni dónde estaba, ni cómo vestía

 

E a culpa não era minha, nem de onde eu estava, nem de como me vestia

 Y la culpa no era mía, ni dónde estaba, ni cómo vestía Y la culpa no era mía, ni dónde estaba, ni cómo vestía

Y la culpa no era mía, ni dónde estaba , ni cómo vestía

 

E a culpa não era minha, nem de onde eu estava, nem de como me vestia

 El violador eras tú El violador eres tú Son los pacos (policías) Los jueces El estado El presidente

 

O estuprador era você|  O estuprador é você  | os policiais | Os juízes | O Estado |  O presidente

 

El estado opresor es un macho violador El estado opresor es un macho violador O Estado opressor é um macho estuprador.

El violador eras tú

O estuprador era você

 

El violador eres tú

 

O estuprador é você

 Duerme tranquila niña inocente, sin preocuparte del bandolero, que por tus sueños dulce y sonriente vela tu

amante carabinero.

Dorme tranquila | Menina inocente | Sem se preocupar com o bandoleiro | Que o seu sonho | Doce e sorridente | Será velado por um amante carabinero

 El violador eres tú El violador eres tú El violador eres tú El violador eres tú

 

O estuprador é você | O estuprador é você | O estuprador é você | O estuprador é você 

 

Novamente, le professore fará questionamentos aes estudantes sobre a letra, articulando-a

aos debates e pesquisas realizados pelos grupos anteriormente, como:

 

   Sobre o que a música fala?

   Quem é le estupradore?

   A reivindicação dessas mulheres é a mesma do que a de Olympe de Gouges em 1791? (identificar contextos históricos diferentes e a permanência da luta das mulheres por direitos e da desigualdade de gênero)

   Atualmente, você acha que as mulheres já conquistaram direitos plenos, como direitos de liberdade, propriedade, segurança e resistência à opressão conforme Olympe de Gouges reivindicou em sua Declaração de Direitos da Mulher e da Cidadã? Por quê?

   Em nossa atualidade, por quê as mulheres ainda reivindicam essas coisas? 

   Na atualidade, as mulheres são o único grupo que reivindicam por direitos e denunciam discriminações? (chamar a atenção para a diversidade de gênero e grupos sociais, e a opressão como elemento unificador desses diferentes grupos)

Após, le professore questionará les estudantes sobre o contexto histórico do vídeo e da música (onda de protestos no Chile iniciada em 2019) e das reivindicações das mulheres chilenas, fornecendo um breve contexto histórico de acordo com as respostas des estudantes ou da falta delas. 

Em seguida, les estudantes formarão grupos e responderão coletivamente as seguintes questões (uma pessoa será responsável por registrar as respostas finais, que deverá ser entregue para receber nota e comentários de professore), tendo em mente os conteúdos discutidos e pesquisados anteriormente, que deverão ser aplicados para a análise do vídeo e da letra da música:

 

a)     Levando em consideração as pessoas no vídeo, no trecho, “O patriarcado é um juiz | que nos condena por nascer”, quem é condenado por nascer e por quê?

b)     Na letra da música, estupro é utilizado em seu sentido literal e metafórico. Identifique e analise os trechos que ilustram cada um desses usos.

c)      O que o coletivo Las Tesis quis dizer no trecho “O estuprador era você| O estuprador é você | os policiais| Os juízes| O Estado|  O presidente”?

d)     Na performance da coreografia do coletivo Las Tesis, ao cantarem “El violador eres tú / O estuprador é você”, as mulheres usam faixas pretas nos olhos e apontam para frente. O que poderia significar esse gesto?

e)      No trecho “E a culpa não era minha, nem de onde eu estava, nem de como me vestia”, qual é a crítica realizada pelo coletivo?

 

Após, como realizado anteriormente, le professore irá passar por cada uma das perguntas, ouvindo as respostas dos grupos e convidando outros grupos a colocarem perguntas durante a apresentação. Ao decorrer desse processo, le professore deverá mediar e articular a discussão a partir dos conceitos históricos analisados anteriormente (patriarcado, machismo, gênero, misoginia, divisão sexual do trabalho) e do feminismo, colocando questões e problemáticas a serem refletidas e discutidas peles estudantes. 

Ao término do debate, espera-se que se realize uma reflexão sobre a condição da mulher na atualidade e as violências que ainda sofre por causa da discriminação e opressão de gênero, conectando-os à necessidade do feminismo como meio de conquista de direitos iguais e fim das violências de gênero – benéfico para mulheres, homens e pessoas de outros gêneros –, identificando o caráter histórico dessa situação e reivindicação. 

 

3.10. Avaliação final

  

Individualmente, les estudantes realizarão uma redação na qual irão refletir sobre a pergunta Ainda precisamos de feminismo?, a partir das discussões e pesquisas realizadas ao longo da sequência didática, mobilizando os conceitos pesquisados e aprendidos. 

 

 

             4.        REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

DIAS, Maria Odila Leite da Silva. Mulheres sem História. Revista de História, São Paulo, v. 2, n.

             114,                 p.                 31-45,                 jul.                 1983.                  Disponível                  em:

<https://www.revistas.usp.br/revhistoria/article/view/62058>. Acesso em: 03 jul. 2021.

  

GOUGES, Olympe de. Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã. Funchal: Nova Delphi, 2010. Tradução de: Isabel Robalinho.

  

REID, Martine (ed.). Femme, réveille-toi!: déclaration des droits de la femme et de la citoyenne et autres écrits. Paris: Gallimard, 2014.

  

ZABALA, Antoni. Os enfoques didáticos. In: COLL, César (org.). O Construtivismo na Sala de Aula. 6. ed. São Paulo: Editora Ática, 1996. Cap. 6. p. 153-196.

 

  

 

 

             5.         APÊNDICE

 

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[1] LÉGIFRANCE. Le service public de la diffusion du droit. Déclaration des Droits de l'Homme et du Citoyen de 1789. França. Acesso em: 03 jul. 2021. Disponível em: <https://www.legifrance.gouv.fr/contenu/menu/droit-nationalen-vigueur/constitution/declaration-des-droits-de-l-homme-et-du-citoyen-de-1789>

[2] LUSÍADA. Repositório das Universidades Lusíada. Declaração dos direitos do homem e do cidadão: França, 26 de

Agosto de 1789. Lisboa. Acesso em: 03 jul. 2021. Disponível em: <http://repositorio.ulusiada.pt/handle/11067/4074>

[3] SANTOS, Ana Cristina. Canção de resistência feminina sai do Chile e ganha o mundo. Portal Vermelho, Brasília, 2 dez. 2019. Acesso em: 03 jul. 2021. Disponível em: <https://vermelho.org.br/2019/12/02/cancao-de-resistenciafeminina-sai-do-chile-e-ganha-o-mundo/>

 

Referencia
Graduandos