Visões de São Paulo colonial na trajetória de Thebas, o arquiteto (1721-1811)

Visões de São Paulo colonial na trajetória de Thebas, o arquiteto (1721-1811)

 

 

 

 

Daniel Sean Bosi Concagh Profa. Dra. Antonia Terra

NºUsp: 4676224

Uma História para a Cidade de São Paulo: um desafio pedagógico

 

 

 

Introdução:

 

A cidade de São Paulo, ao logo de sua história, viveu um intenso processo de transformação material e esquecimento das suas memórias. Os edifícios, casas, ruas e traçados coloniais hoje são quase impossíveis de serem visualizados. As reformas urbanas e intervenções destruíram ou reformaram praticamente todo o seu modelo antigo. As outras grandes cidades brasileiras, apesar de também terem sofrido significativas transformações na passagem do século XIX para o XX, mantiveram sua arquitetura e estruturas coloniais. São Paulo, todavia, adquiriu sua configuração atual nos últimos 100 anos1. O objetivo deste material didático é o de propor um olhar sobre a cidade de São Paulo ao longo do século XVIII, focando na trajetória do arquiteto Thebas, ou Joaquim Pinto de Oliveira; E com isso, se pretende duas coisas: 1ª buscar vislumbrar elementos materiais da cidade naquela época, por meio das construções de Thebas, e a percepção daqueles espaços; 2ª Desmistificar as visões tradicionais da História de São Paulo que, por um lado, construiram a imagem da cidade colonial como a cidade dos bandeirantes, ou raça de gigantes, mantendo todavia o século XVIII em um grande vazio entre o período bandeirante (séculos XVI e XVII), e o enriquecimento do café (século XIX); e, por outro, apagaram a trajetória de um arquiteto escravizado negro, duvidando de sua capacidade de construir coisas tão belas, ou ainda buscando embranquecer a sua imagem. A figura de Thebas, contudo, se não recebeu a devida atenção na literatura, permaneceu como uma lenda dentro do imaginário social urbano. E este ponto será fundamental para este projeto didático: a cidade não é apenas a sua arquitetura e seu traçado urbano. Mas é também a imagem que se faz da cidade.

 

 

1 Glezer, Raquel. Visões de São Paulo. In: Bresciani, Stell (org.). Imagens da cidade - séculos XIX e XX. São Paulo. Marco Zero. ANPUH/FAPESP. 1994.p. 164.

 

 

 

Proposta didática:

 

A proposta didática deste projeto foi pensada para duas aulas de 50 minutos e para um público alvo de ensino médio (1º ao 3º ano), dentro de um cronograma do curso sobre a história de São Paulo. Neste material preparado, o professor terá indicações sobre as atividades em sala de aula, e os pontos principais a serem debatidos.

 

Aula 1 - a cidade de São Paulo no século XVIII:

 

Nesta primeira aula, o professor deverá falar a sobre a história da cidade no século XVIII, apresentando a sua configuração urbana e seus principais elementos sociais, económicos, geográficos, arquitetônicos e políticos.

 

Ponto 1: Se, nas aulas anteriores, o professor apresentou o mito bandeirante e as suas contradições, é importante que ele reforce no começo desta aula que a cidade não era composta apenas por viajantes aventureiros em busca de riqueza. Havia diversos tipos de ocupação nesta cidade, tais como: agricultores, tropeiros, lavadeiras, escravos, comerciantes, pedreiros, etc. Esta colocação é importante, na minha opinião, porque na literatura tradicional são apresentadas duas visões genéricas sobre São Paulo: a primeira da vila dos bandeirantes e aventureiros do sertão (nos séculos XVI e XVII), e a segunda, como será tratado com os alunos em aulas futuras, da riqueza do café (século XIX). Com isso, nesta visão, o século XVIII, e a primeira metade do século XIX, permaneceram em um ostracismo. Por meio de uma apresentação das ocupações e atividades neste período, o professor poderá incutir nos alunos uma imagem mais complexa da cidade.

 

Ponto 2: É quase impossível enxergar o centro antigo nos dias atuais, e talvez alguns alunos sequer tenham ido ao centro nas suas vidas, ou ido pouquíssimas vezes. Por isso o professor pode começar perguntando:

 

- Vocês já foram ao centro nas suas vidas?

- Têm algum prédio antigo que se lembram?

- Vocês acham que as ruas do centro eram iguais às de antigamente? Por quê? O que vocês acham que poderia ter mudado?

 

É importante que o professor apresente uma planta da cidade na época, para demonstrar as suas características e traçados. Infelizmente, não dispomos de plantas mais abrangentes de São Paulo no século XVIII, mas esta planta abaixo de Affonso A. De Freitas, da cidade entre 1800 - 1874, ainda que represente uma configuração urbana do final do século XVIII, e início do XIX, quando Thebas já estava velho, apresenta características importantes da cidade no 18, que poderão ser discutidas com os alunos. Em primeiro lugar, vale ressaltar que a cidade ainda tinha superado pouco os limites dos rios Tamanduateí e Anhangabaú, para lá do Viaduto do Chá, e menos ainda antes de 1800. Ela se mantinha nesta região. Em segundo, que o leito do rio Tamanduateí, que começou a ser retificado em 1848, corria livremente antes disso, conforme é possível ver no mapa. Havia muitas ruas e lugares que hoje tem nomes diferentes (rua jogo da bola ou o morro da forca), e becos, que eram chamados assim por outros motivos. A cidade, também, era mais estreita, e não tinha as avenidas alargadas como as de hoje, que conheceram as reformas urbanas do século XX. As igrejas eram os principais pontos da cidade, e também os lugares mais altos. Um viajante que avistasse a cidade de longe, teria nelas o ponto de maior amplitude, conforme no desenho abaixo.

 

Autor desconhecido. “Dezenho por idea da cidade de São Paulo.” 1765-1775. Vista da cidade tomada do Morro do Chá. Como se vê, as igrejas são os pontos mais altos. A Igreja da Sé e o Mosteiro de São Bento estão à esquerda, e a de São Francisco à direita. Lembrar aos alunos que não haviam fotos nessa época. Fonte: original manuscrito na Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro. Imagem tirada de: http://www.sudoestesp.com.br/file/colecao-imagens-periodo-colonial-sao-paulo/667/

 

 

 

Planta do Centro Antigo. Affonso A, de Freitas. (1874).

 

 

 

Ponto 3: apresentar algumas características mais gerais sobre a história de São Paulo neste período. Como por exemplo a Guerra dos Emboabas (1707-1709), que não trouxe os benefícios do ouro para São Paulo, cuja economia no século XVIII foi voltada para a agricultura. Ou como a vila adquiriu o nome de cidade em 1711. Falar sobre o seu aumento demográfico e urbano, causado principalmente pelos imigrantes portugueses, também chamados por alguns de “desclassificados”, que não entraram no negócio das minas, encontrando aqui outras ocupações, como: tropeiros, comerciantes, ou ainda nas pequenas corporações de ofício que estavam surgindo na cidade (sapateiros, artesões, etc.). E como na segunda metade do século XVIII a cidade vai ganhar a condição de capital da província, atraindo alguns recursos da Coroa para a sua administração, pavimentação de ruas e construção de obras. É justamente neste período que o nosso Thebas vai migrar para a cidade, junto com o seu senhor, com o objetivo de construir o que ela precisava.

 

Ponto 4: falar sobre as dificuldades do abastecimento de água da cidade, e a importância dos rios. Na cidade de hoje, os seus habitantes não tem a mesma relação com os rios e córregos, quase todos poluídos, que tinham os do passado.

 

O professor pode então perguntar:

 

- Me digam o nome de alguns rios da cidade. Qual é a condição deles?

- Vocês acham que as pessoas do passado tinham uma outra relação com esses rios? Qual (is)

- Como nós fazemos para adquirir água hoje em dia? Como vocês acham que as pessoas do passado na cidade faziam? Todos tinham água encanada?

 

“São Paulo, por causa de sua situação em terreno elevado e cercado de baixios alagáveis, não oferecia facilidade na captação de água” (Carlos A. Lemos: 2004; pg 169). A cidade estava concentrada em um terraço elevado entre o Anhagabaú e o Tamanduateí, e não tinha um sistema público de captação de água. Nesta época, conforme Lemos, as pessoas ou tinham que ir até um dos dois para buscar água, ou ainda coletavam em alguns tanques que prendiam a água dos rios. Foi somente no final do século XVIII que a cidade teve o seu primeiro chafariz público, o da Misericórdia, construído justamente por Thebas.

 

Nos dias atuais, os habitantes de São Paulo se esquecem com frequência dos rios da cidade, pois, a maioria deles está soterrado ou canalizado, e certamente poluído. Mas nesta época eles eram fundamentais para a vida cotidiana. Seja para o abastecimento de água, seja para o transporte (o que vale ressaltar para os alunos, era bastante comum), seja para a pesca ou para as lavadeiras, que eram uma paisagem comum da cidade. É importante então ressaltar esta característica de São Paulo na sala de aula, para que os estudantes possam vislumbrar uma outra visão da cidade com relação aos rios, que hoje é tão diferente. E, talvez até a época dos seus avós ou bizavós, ainda predominasse esta outra. O professor também pode perguntar isso a eles.

 

Ponto 5: O último aspecto que me parece ser fundamental a ser tratado pelo professor na aula é o da arquitetura e das técnicas de construção nesta época. Ele pode perguntar aos alunos então:

 

- Com que materiais são construídos os edifícios e casas atuais?

- Vocês acham que esses materiais são os mesmo de antigamente? Por quê? Vocês sabem como eram construídas, e com materiais, as casas de antigamente?

 

As casas e edifícios da São Paulo colonial eram, fundamentalmente, de taipa e barro comprimido. Havia pouquíssima pedra, e praticamente ninguém que soubesse manipula-la. Thebas foi um dos primeiros. As poucas pedras da cidade eram usadas grosseiramente em algumas calçadas em frente às casas, para impedir o acumulo de água barrenta nas faixadas (posto que em São Paulo chovia muito naquela época). Vejamos uma ilustração da técnica disso.

 

 

 

 

Ao final da aula o professor poderá pedir aos alunos que pesquisem em casa sobre quem foi Joaquim Pinto de Oliveira, o arquiteto Thebas.

Aula 2 - A vida do arquiteto Thebas

 

Música “Tebas, o escravo”, de Geraldo Filme:

 

TEBAS NEGRO ESCRAVO

PROFISSÃO ALVENARIA

CONSTRUIU A VELHA SÉ

EM TROCA DA CARTA DE ALFORRIA

TRINTA MIL DUCADOS QUE LHE DEU PADRE JUSTINO

TORNOU SEU SONHO REALIDADE

 

DAÍ SURGIU A VELHA SÉ

QUE HOJE É O MARCO ZERO DA CIDADE

EXALTO NO CANTAR DE MINHA GENTE

A SUA LENDA, SEU PASSADO, SEU PRESENTE

 

PRAÇA QUE NASCEU DO IDEAL

E BRAÇO ESCRAVO, É PRAÇA DO POVO

VELHO RELÓGIO, ENCONTRO DOS NAMORADOS

ME LEMBRO AINDA DO BONDINHO DE TOSTÃO

 

ENGRAXATE BATENDO NA LATA DE GRAXA

E O CAMELÔ FAZENDO PREGÃO

O TIRA-TEIMA DOS SAMBISTAS DO PASSADO

BIXIGA, BARRA FUNDA E LAVAPÉS

 

O JOGO DA TIRIRICA ERA FORMADO

O RUIM CAÍA, O BOM FICAVA DE PÉ

 

NO MEU SÃO PAULO, OLÊ OLÊ, ERA MODA

VAMOS NA SÉ QUE HOJE TEM SAMBA DE RODA.

 

Fonte: http://www.sasp.com.br/a_escola_carnaval_samba.asp?rg_carnaval=14103#.WCit3CQRfIU

 

 

 

Nesta segunda aula o professor pode começar tocando esta música: “Tebas, o escravo”, do sambista Geraldo Filme, composta em 1974. A música sempre pode ser uma ferramenta importante para um professor de história. Pois, para além de seu aspecto rítmico e harmônico, ela é também cronista de uma narrativa, de um acontecimento, tão importante quanto qualquer outra apresentada por um documento histórico escrito. Esta relação pode ser apresentada para os alunos em sala de aula.

 

Antes de começar a falar sobre a letra, o professor pode perguntar para os alunos sobre o seu ritmo e gênero musical. Pois, sendo um samba, e estando relacionada à memória de um arquiteto negro, ela apresenta uma narrativa sobre a história da cidade que é particular, e diferente das que aparecem nos livros de história tradicionais. Geraldo Filme busca reconstituir uma memória da cidade que foi transmitida de geração à geração, com imagens do seu passado. Essa canção trata de muitas coisas importantes da história da cidade, que infelizmente não poderão ser tratadas nesta aula com a devida atenção. Mas é importante percebe que, ainda que tenha sido excluída da literatura convencional, a vida de Thebas permaneceu em narrativas e fontes de tradição oral ao longo do tempo - a lenda de Thebas. É fundamental então apresentar esta ideia para os alunos: os livros não são as únicas fontes que tratam da história da cidade. Tão importante quanto eles são as narrativas orais, os depoimentos, a memória, diários de pessoas, fotos, imagens, edifícios antigos, músicas, pregões, etc. E foi justamente por meio dessas outras fontes que pudemos conhecer o nome de Thebas.

 

 

Biografia:

 

O professor pode então falar sobre a biografia de Thebas, mas sem perder de vista o foco da história de São Paulo no século XVIII, e a relação entre a sua vida e as transformações da cidade neste período. Ele pode começar perguntando sobre a pesquisa que os alunos fizeram, aonde acharam as informações, e depois entrar no tema seguinte.

 

Joaquim Pinto de Oliveira, o Thebas, nasceu em 1721 em Santos, no litoral da província. Seus pais foram escravos e, logo na infância, começou a trabalhar duro. Seu senhor, o português Bento de Oliveira Lima, era uma célebre mestre de obras da cidade, que ensinou a Joaquim Pinto o ofício de pedreiro. Àquela época, já eram comuns em Santos as construções de pedra lavrada, ao contrário de São Paulo, como pudemos ver na última aula, e Thebas aprendeu a construir edifícios que tinham elas.

 

Conforme discutimos, São Paulo passa por algumas reformas urbanas e aumento demográfico na segunda metade do século XVIII. Bento de Oliveira, ao saber que lá as construções estavam a todo o vapor, decidiu migrar para a cidade com Thebas. Isto por volta do início da década de 1750. O escravo tinha a esta altura cerca de 30 anos, e já alguma experiência.

 

A primeira grande obra em que trabalhou foi a torre da antiga Igreja da Sé. Quando se pensa na igreja, atualmente, e deve ser esta a imagem que vêm à cabeça dos alunos, se pensa na monumental Catedral da Sé. É importante o professor ressaltar que a catedral não existia nessa época. Existia, como na canção de Geraldo Filme, um pouco à frente do que é a Sé hoje em dia, no final da praça, perto da rua direita, onde está localizada a estátua do padre anchieta, a antiga Igreja da Sé, que era uma das principais da cidade. Mas, até 1750, ela não tinha torre. Fazer uma construção alta, sabendo manipular a pedra lavrada, e construir uma torre de Igreja, era uma tarefa que ninguém sabia fazer na cidade na época. Vale dizer, era uma cidade pequena, sem a opulência e a importância das cidades do nordeste ou de Minas, que já tinham edifícios bastante sofisticados. Mas Thebas conseguiu a proeza dessa obra, concluindo-á em 1755. Sua fama começou a se espalhar pelas ruas: “o que contribuiu para a fama de Thebas foi a sua capacidade de trabalhar em construções altas. Só ele sabia fazer as torres das Igrejas de São Paulo na época”. (Lemos: 1988; pg. 77). Para alguns historiadores, conforme Wagner Ribeiro, a construção dessa torre, e o pagamento da igreja ao português Bento de Oliveira, teriam garantido a alforria de Thebas, como está na canção de Filme. Sobre isso não podemos ter certeza. Mas na certidão de casamento de Joaquim Pinto com sua esposa Natária de Souza, em 10 de Junho de 1762, sete anos depois da construção da torre portanto, ele já aparece livre (Ribeiro: 2012; pg. 2)

 

 Fonte: http://lounge.obviousmag.org/cafe_amargo/2012/12/marc-ferrez-e-militao-augusto-fotografos-da-historia.html

 

 

- Vocês conhecem a Igreja do Carmo no centro? Aonde ela está localizada? (indiquem na planta da cidade)

 

O historiador Nuto Sant´ Anna escreveu que o apelido “Thebas” foi adquirido por Joaquim Pinto justamente pela sua habilidade como construtor, e inspirado no arquiteto tebano Édipo de Tebas. Na década seguinte, em 1766, Pinto construiu o frontispício da Igreja do Carmo. A nova fachada passou a exibir características barrocas com curvas e antecurvas, substituindo o frontão triangular original; uma porta de entrada com arco batido e novas janelas paralelas.

 

 

Fachada atual da Igreja do Carmo. Fonte: https://www.pinterest.com/pin/374150681521330859/

 

 

 

 

Tendo já adquirido certo renome e fama, Thebas foi chamado pessoalmente para construir o primeiro chafariz público da cidade, em 1791. A

água, conforme vimos na aula anterior, era consumida de acordo com as condições de cada um. O professor pode então perguntar:

 

- Vocês já viram ou ouviram falar de algum chafariz público? Para que serve esses sistema, e como ele é utilizado?

 

Novamente, vale ressaltar isto com os alunos: era preciso ou ir para algum dos rios busca-la, ou ter acesso a um tanque que a desviasse. Nas memória que temos sobre o chafariz, construído no antigo Largo da Misericórdia, hoje no atual início da rua direita, vemos que entre a população as vezes a água era disputada à tapa. Muitos formavam filas para se abastecer. A água era conduzida por gravidade das nascentes do Caaguassú, no atual bairro do Paraíso, por meio de tubos produzidos com papelão betumado. Ele tinha quatro bocas, e este talvez tenha sido o primeiro sistema de abastecimento de água público da cidade. Foi concluído em 1792. Quando o sistema de água da companhia canadense Light and Power se instalou em São Paulo, no início do século XX, os chafarizes e tanques foram destruídos. Hoje em dia é impossível visualizar qualquer resquício da antiga obra de Thebas.

 

Foto do antigo chafariz de Thebas com as suas quatro bocas. Desenhado por Miguel Benício Dutra (sem data).

Fonte: http://www.al.sp.gov.br/noticia/?id=259639

 

 

 

Foto do chafariz no antigo Largo da Misericórdia. Desenho de José Wash Rodrigues (1922).

Fonte: http://garoahistorica.blogspot.com.br/2014/08/jose-wasth-rodrigues.html

 

 

 

 

A sua última grande construção foi no Mosteiro de São Bento. Em 1797, já com 76 anos de idade, Joaquim Pinto foi responsável por talhar a pedra de fundação do mosteiro.

 

- Vocês conhecem o Mosteiro de São Bento? Indiquem no mapa onde ele está localizado.

 

Fonte: http://garoahistorica.blogspot.com.br/2014/07/mosteiro-de-sao-bento.html

 

 

Mosteiro de São Bento hoje. Mostrar aos alunos como ele mudou; bem como o cenário da cidade com relação à foto anterior. Fonte: http://mosteiro.org.br/visita-virtual/

 

 

 

 

Depois dessa empreitada, já com uma idade avançada, o arquiteto Thebas se retirou da tarefa de construir essas grandes obras. Mas é notório pensar que ao longo do século XVIII, praticamente não existiram engenheiros ou eruditos da construção em São Paulo. Mesmo assim, Thebas foi capaz de captar o estilo barroco e as técnicas de construção mais avançadas da época. Suas obras transformaram o cenário urbano da cidade. Apesar de ser negro, e ter sido escravo uma boa parte da vida, em algumas construções ele chegou a receber o salário de 640 réis por dia, cerca de uma vez e meia o salário de um construtor branco, tamanho o seu prestígio, ainda mais considerando a situação da época. Para comprovar a sua importância, o professor poderá apresentar o título que Joaquim Pinto recebeu em 1808 de Juiz de Ofício, dado somente pelo quartel militar de São Paulo como uma louvação à figuras ilustres. Thebas morreu em 1811, com 90 anos (idade avançada para a época), sendo sepultado na Igreja de São Gonçalo.

 

 

Título de Juiz de Ofício. (1808) Nuto Sant´Anna, arquivo do Estado de São Paulo.

 

 

 

Nestas aulas, portanto, foi importante o professor apresentar o cenário de São Paulo no século XVIII, através da vida de um arquiteto negro liberto, que certamente foi o maior construtor da cidade na época. Sua memória foi preservada por meio de narrativas, por meio da oralidade, e estas fontes também são importantes, como qualquer outra página de um livro. O aluno deve compreender isto, que uma entrevista com os seus pais ou seus avós pode ser uma fonte muito rica sobre a história da cidade. Por ter sido um arquiteto, algumas de suas obras permaneceram na cidade, ou deixaram registros materiais duradouros, o que certamente é raro em uma cidade que sofreu tantas transformações. O antes e o depois precisa ser o eixo dessas aulas, para que os alunos possam visualizar uma outra cidade, e um outro cotidiano.

 

 

 

Bibliografia comentada do professor:

- BLAJ, Ilana. A trama das tensões - o processo de mercantilização de São Paulo colonial (1681-1721). São Paulo: Humanitas. FAPESP. FFLCH/USP. 2002. P. 39-85. Este capítulo da obra de Blaj apresenta as imagens históricas que foram construídas sobre São Paulo colonial desde o final do século XIX até os dias atuais. Como o mito dos bandeirantes foi traçado, da “raça dos gigantes”, em um período de opulência do café e necessidade da construção de símbolos históricos. E, nessa perspectiva, se legou um vazio para o século XVIII. Esse material pode ser interessante então para o professor para e compreender a historiografia da história de São Paulo, e os diversos discursos construídos.

 

- CERQUEIRA, Carlos G. Tebas - vida e atuação na São Paulo colonial. In: Cadernos do IPHAN/SP. 2011. O texto de Cerqueira discute principalmente sobre como a historiografia apresentou a imagem de Thebas. Alguns historiadores buscaram negar que ele existiu, relegando-o ao plano da lenda, e os outros que comprovaram a sua existência, tentaram embranquece-lo. Nas poucas descrições que Carlos Cerqueira encontrou, ou ele foi chamado de branco, ou de “amulatado”. E ninguém podia acreditar que ele pudesse ter sido um escravo antes. Pois, como explicar dentro de um discurso elitista da historiografia paulista da primeira metade do século XX, que o maior arquiteto da cidade no 18 foi um negro liberto? O texto de Cerqueira pode então ser importante para o professor para ilustrar a produção destes discursos, e sobre como a memória de Thebas foi preservada dentro de uma narrativa negra na cidade.

 

- Glezer, Raquel. Visões de São Paulo. In: Bresciani, Stell (org.). Imagens da cidade - séculos XIX e XX. São Paulo. Marco Zero. ANPUH/FAPESP. 1994.p. 163 - 175. Este texto de Glezer é importante para compreendermos a dificuldade que temos em observar os traçados das cidades colonias brasileiras, e especialmente São Paulo, que adquiriu sua configuração nos últimos 100 anos. Quando miramos o passado, infelizmente o fazemos com as imagens do presente. E anacrónicamente projetamos para este passado estas imagens. A São Paulo de hoje, porém, é absolutamente diferente daquela colonial. Este capítulo é então importante ao professor para ele pensar as formas de enxergar esse passado com os alunos, e o exercício de comparar o cenário atual com o antigo.

 

- LEMOS, Carlos. Organização urbana e arquitetura em São Paulo dos tempos coloniais. In: PORTA, Paula (org.). História da cidade de São Paulo - a cidade colonial 1554-1822. São Paulo: Paz e Terra. 2004. P. 145-177. Neste texto Lemos apresenta os aspectos arquitetônicos e urbanos mais gerais de São Paulo colonial, ressaltado a técnica de taipa e barro compresso, a falta de pedra lavrada, o abastecimento e a circulação de água, os caminhos e traçados urbanos, enfim. Me parece um texto importante para se compreender os elementos urbanísticos mais gerais da cidade no século XVIII, e o contexto em que Thebas construiu as suas obras.

 

- LEMOS, Carlos. Thebas. In: Araújo, Emanoel (org.). A mão afro-brasileira. São Paulo. Tenege. 1988. Neste estudo Lemos apresenta as técnicas

construtivas de Thebas, enfocando a sua habilidade de trabalhar em lugares altos a com a pedra lavrada, material raro em São Paulo. Ao professor pode ser uma material importante para a sua compreensão das diferentes obras de Thebas, e a forma como ele construiu cada uma delas.

 

- RIBEIRO, Wagner. Tebas: o escravo arquiteto do século XVIII. São Paulo: Revista Leituras da História (edição 50). 2012. Neste artigo Ribeiro apresenta uma biografia mais geral sobre a vida de Thebas. Me parece interessante que em sua pesquisa ele encontrou alguns documentos inéditos, como a certidão de casamento de Joaquim Pinto, um atestado de suas propriedade e outro de óbito e o seu sepultamento na Igreja de São Gonçalo em 1811. Enfim, ainda que curto talvez seja o melhor estudo biográfico sobre a sua vida.

 

- TERRA, Antonia. A história das cidades brasileiras. Coleção Como eu ensino. São Paulo: Melhoramentos. 2012. P. 30-82. Neste capítulo de seu livro, Terra apresenta, ao longo das décadas do século XX, as diferentes abordagens e correntes de estudos sobre as cidades brasileiras. Da visão mal planejada das cidades colonias de Sérgio Buarque, até a revisão deste paradigma, os estudos com enfoque econômico, as abordagens das transformações urbanas do início do 20, o enfoque mais social, etc. Este texto pode ser bastante frutífero para o professor para que ele possa compreender melhor os debates em torno das cidades brasileiras, e como este enfoque da historiografia mais atual na vida de Thebas se relaciona com isso.

 

Referencia
Graduandos