A obra do artista goiano Siron Franco: um olhar para o acidente radioativo envolvendo Césio-137, ocorrido em Goiânia em 1987 - consequências sociais e ambientais.

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS.

DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

Trabalho escrito apresentado como parte dos requisitos para a avaliação na

disciplina: TEORIA E ENSINO DE HISTÓRIA

Profa. Dra. Antônia Terra

Aluno: Matheus Araujo de Andrade Costa

nº USP 8926289

 

 

Temática abordada: A obra do artista goiano Siron Franco: um olhar para o acidente radioativo envolvendo Césio-137, ocorrido em Goiânia em 1987 - consequências sociais e ambientais.

 

 

Objetivo: O presente trabalho tem como principal objetivo divulgar a obra de um dos grande artistas brasileiros ainda em atividade e que, infelizmente, é pouco discutido e comentado nos principais centros artísticos do país. Mais do que isso, a trajetória do artista que se inicia em meados da déc. de 1960 abarca um longo período da nossa história recente e dialoga profundamente com questões sociais. A juventude atual, em sua maioria, desconhece o trabalho deste artista e está mais acostumada com aquilo que vem se produzindo ultimamente nas galerias e museus de arte (em São Paulo, um olhar obsessivo aos artistas ditos modernistas). Siron é contemporâneo à muitos deste artistas, entretanto está alheio ao grande eixo cultural e quase nunca é tão ovacionado aqui quanto o é no exterior - onde realiza, até hoje, inúmeras instalações e exposições.

 

 

Metodologia: Sequência didática e texto teórico visando à introdução do professor/aluno no universo do artista, buscando ambientar e contextualizar sua obra.

PARTE I - Introdução teórica: SOBRE SIRON FRANCO

Texto produzido com base em entrevista dada pelo artista (o aluno o entrevistou), nos dias 19 e 20 de Maio de 2017, em seu ateliê em Aparecida de Goiânia-GO. ( A entrevista será publicada, em catálogo, quando da inauguração da exposição Siron Franco em 38 obras: 1974 - 2017, na Biblioteca Mário de Andrade – em 22/07/2017).

Siron Franco (Gessiron Alves Franco) nasceu na cidade de Goiás Velho, em 25 de julho de 1947. Residiu, nesses seus 70 anos de vida, em Goiânia, São Paulo, Salvador, Rio de Janeiro, Londres. Viajou pelo Brasil e muitos países, voltando com frequência para Goiânia, onde sempre manteve residência e atelier. Reside e trabalha hoje nesta cidade.

 

 

SOBRE SEUS PAIS.

Décimo terceiro e último filho (“na verdade décimo, pois a minha mãe criou mais cinco, dos quais dois vieram a falecer”), ele cresceu num ambiente múltiplo, “eram 16 pessoas para almoçar e jantar”, marcado por grandes dificuldades financeiras.

Cita que nasceu em uma casa de frente a uma igrejinha, frequentada pela mãe, “que fazia ladainhas”. Inúmeras reproduções de quadros sacros pendiam das paredes (Sagrado Coração de Maria, Jesus Orando, São Jorge, Santa Ceia). “A de São Jorge ficava no meu quarto e músicas na voz de Vicente Celestino ecoavam pelos ambientes”.

Sua mãe andava “sobre as brasas nas fogueiras de São João” e “lia a sorte em uma bacia que continha água e duas agulhas”. Do catolicismo inicial, devota de São João Batista, ela virou adventista do sétimo dia. “Minha mãe me obrigava a ler a Bíblia, com suas previsões catastróficas, e o deus que ela me passava da sua nova religião era perverso”.

“Ela queria que eu fosse médico, para assim ajudar a família, mas desde criança eu já dizia que queria ser pintor ou lixeiro” (admirava o caminhão e imaginava que iriam “descartar o lixo no meio da floresta amazônica, num buraco que atravessava a Terra inteira”).

Do pai, assimilou as preocupações com o meio ambiente, com a cultura indígena, que visitou pela primeira vez levado por ele. “Meu pai era raizeiro, conhecia todas as ervas do cerrado e delas fazia remédios”. ”Ele já falava da importância da água quando isso nem era tema, todos riam dele quando afirmava que a água era mais importante que o ouro”.

Ao final da vida o pai ficou cego, entendeu que foi por decisão própria, ”ele falou não vou mais ver, não quis mais ver violência, não sei se estava mentalmente doente”.

Hoje, resultado desse ambiente difuso, também no que se refere à religiosidade (seu pai era espírita) e professando o amor pela ciência desde sempre, Siron faz uma afirmação rigorosa: “sempre achei que a Ciência é o lugar onde está Deus, não é na religião, não é nas escrituras, o Deus das escrituras não me interessa”.

 

 

INFÂNCIA.

Ele era encarregado de montar presépios em sua casa, a pedido da mãe (“quando eu comecei a fazer instalações, nos anos 1970, me lembrei disso”).

Siron já desenhava e pintava também. Aos 12 anos enviou uns desenhos para a Universidade Católica de Goiás, sem citar sua idade. Foi chamado e os professores, surpresos, fizeram com ele um teste ao vivo, sendo aprovado para frequentar o chamado curso livre, com aulas de anatomia e pintura. Frequentou-a até os 17 anos e lá conheceu pintores e professores como Frei Confaloni e D. J. Oliveira. Um pouco mais tarde Cléber Gouveia, pintor que se tornou seu grande amigo e incentivador.

Visitava com frequência o hospício da cidade, ”sempre achei interessante essa visão, que não é surrealismo, mas é deslocada. Esse deslocamento me interessa”.

 

 

O INÍCIO.

Começou fazendo paisagens e retratos, na década de 1960, de moradores da elite, ajudando nas despesas da casa. Ao final dos anos 1960 pintava quadros que sugeriam surrealismo, realiza sua primeira série, “Era das máquinas”. Nos anos 1970, ao lado de sua pintura sobre as relações homem, poder, animal, sagrado, profano, subconsciente, com figuração fantasmagórica, inicia as “Madonas”, talvez resultado do ambiente religioso, dos padres, dos retratos, mas, principalmente, das necessidades financeiras. “Ouvia cantos gregorianos e me lembrava das procissões da infância”. “Não gostava do que fazia, tive que fazer muita coisa para sobreviver, para poder fazer minha pintura”.

Nessa década, muito importante na sua obra, concluiu trabalhos em tamanhos fora dos usuais, grandes, as cores se intensificando, os contornos se definindo, em contraste com o fluído e transparente de obras anteriores.

 

 

BIENAL NACIONAL DE SÃO PAULO, 1974 e BIENAL INTERNACIONAL DE SÃO PAULO, 1975.

Vencedor nas duas edições, na de 1975 participou com a série “Fábulas de Horror”, cujo título foi motivado por uma frase que escutou na rua, em São Paulo, referente a um acontecimento em Uganda. Retratou a situação política do Brasil nessa série, ”era repressão e paulada”.

“Quando ganhei a Bienal, foi um susto aquele tipo de figuração. Fiquei com medo de aquilo virar uma caricatura grosseira. Eu não via meu trabalho dessa forma, não via uma coisa tão caricata, via uma estrutura. Por isso que chegou um momento em que falei, tenho que matar isso aqui”.

 

 

PINTORES e AUTORES REFERÊNCIA.

Cita Brueghel, Bosch, Rembrant (“ele falava que a sombra tem que ter cor”), El Greco (“quando jovem, cheguei a copiar aquele Cristo em vermelho, é uma obra deslumbrante”), Picasso, Bacon.

Bernardo Cid (“fui jovem para São Paulo, ali conheci um pintor muito interessante, achei incrível aquelas pinturas”), Rebolo, Maria Leontina, Milton Dacosta, Volpi, Bruno Giorgi”.

“Adorava estar com eles, mas aquela estética não me pegava”.

Edgar Allan Poe, Gabriel Garcia Marques, Manoel Bandeira, Clarice Lispector, Millôr Fernandes, Rubem Braga, Ferreira Gullar.

“Ferreira Gullar me ajudou muito, meu trabalho era pequeno, sofria com aqueles tamanhos. Ele escreveu que eu deveria trabalhar na escala natural. Estava tão óbvio, mas eu não via”.

 

OUTRAS OBRAS, OUTRAS TÉCNICAS.

“Fiz desde manifestações em Brasília (as antas, os caixões, a bandeira), que hoje chamo de ação, ativismo, a instalações, como Intolerância, Monumento da Paz e a vídeo instalação Brasil Cerrado, além de muitas outras”.

“Um grande trabalho foi o Monumento às Nações Indígenas, infelizmente já destruído, realizado perto daqui. Foi uma forma de resgatar uma série de objetos que culturalmente já se perderam, mas que estão em museus. Um índio, já idoso, trouxe uma peça que estava na USP, em São Paulo, de uns 200 anos de idade.

Tirei uma cópia da mão dele e da machadinha, as usei na obra”.

Siron vai expor agora em junho a instalação, “Cuidado, Frágil”, na embaixada brasileira em Roma, seguindo após para a embaixada brasileira em Londres e em Washington. Está elaborando “uma grade com muitos cabos de aço inox e amostra de água no centro. Nós a estamos fechando, e quando estiver pronta ninguém, nem eu, conseguirá ter acesso a essa água. Quero ver se a coloco na Av. Paulista, em São Paulo”.

A motivação para sua criação “foi uma lembrança do meu pai sobre a importância da água e um comentário que eu ouvi: uma senhora idosa falou – quero pegar água, mas ela está suja. Ao que um homem respondeu – essa comunidade não tem acesso à água. Pronto, isso me motivou”.

Até a escultura de bronze do hall da Biblioteca Mário de Andrade, em São Paulo, uma grande figura feminina em pé, segurando um livro aberto, serviu de inspiração para um comentário, quando de sua visita, este ano: “a peça é ruim, ainda por cima em pé, travada. Poderíamos comprar uns livros, costurá-los e cobrir a peça inteira com eles”.

 

 

SÉRIE PELES

“Que estranho a onça, essa pele. É a única estampa que sobreviveu, a estética da pré-história. Até hoje, no mundo todo, é igual a ouro, todo mundo gosta”.

Com relação às Peles “senti que, do ponto de vista de linguagem, gestos e

movimentos, elas eram um terreno mais fértil que os dos Retratos Imaginários.

Tinham toda uma carga clássica. Fiz um quadro que é só um casaco, você sente que tem gente dentro, mas não a vê. Foi uma procura grande, os quadros eram vendidos antes de serem pintados. Fiquei com medo, fui para casa, peguei um spray... e nunca mais fiz. Isso foi bom para mim”.

 

 

PARTE II - SEQUÊNCIA DIDÁTICA:

O texto teórico busca ser base para aquele que deseja conhecer mais o artista. A partir de sua leitura será possível se familiarizar com suas obras e as temáticas que envolvem, bem como entender seu percurso enquanto artista e ativista política.

Sugere-se que o texto não seja apresentado inicialmente aos alunos, e que o professor, à medida que as atividades transcorrem, apresenta os conceitos, ideias e informações aos poucos.

 

1ª ETAPA - Apresentação de duas obras para serem trabalhadas e discutidas. A intenção é apresentar o artista a partir desta obras, comentando sobre sua atuação política e seu olhar acerca das questões sociais.

 

O Exercício da Censura, 1984.

1,55 x 1,35m - óleo s/ tela.

 

Um certo político ou O Fabricante de Armas, 1984.

1,70 x 1,80m - óleo s/ tela.

 

Análise da obra:

A partir do título, há alguma temática em comum entre elas? Que temática é essa e quais as implicações das relações entre um quadro e outro?

As cores têm algum significado específico? São as mesmas cores nos dois

quadros? Se sim, elas possuem o mesmo tom, o mesmo brilho?

Pode-se dizer que os dois quadros são alegorias? Por quê?

O que as manchas azuis e vermelhas podem representar no primeiro quadro?

 

Comentários sobre as obras:

O Exercício da Censura: Obra de forte apelo visual, pela forma de representação do tema e pelas cores empregadas. Outras mensagens são transmitidas: ao pé da figura uma armadilha, as formas azuis e vermelhas de cada lado representando a flatulência e o sangue, segundo o próprio artista. A assustadora figura a tudo vê e a todos quer envolver num abraço assustador.

Um certo político ou O Fabricante de Armas: Representando as artimanhas dos detentores de “mil dedos”, Siron faz crítica a executivos ou políticos. Igualmente forte em seu apelo visual, a obra foi exposta numa galeria de arte de São Paulo, em 1984, juntamente com “O Exercício da Censura”.

 

2ª ETAPA: Explicar o que foi o acidente envolvendo o elemento químico radioativo Césio-137 que ocorreu em Goiânia-GO no ano de 1987. Sugere-se apresentar um filme/documentário abaixo) que comente o tema aos alunos e, ao final da exibição, ter uma roda de conversa rápida acerca de como pode ter sido aquele acidente – os males gerados, consequências sociais e ambientais, o sofrimento, a questão do lixo radioativo no ambiente etc. Abaixo alguns materiais que podem ser utilizados na discussão.

 

VÍDEO: <https://www.youtube.com/watch?v=-PUJd5qsU0g&gt;

Apesar de extremamente elucidativo a respeito da cronologia dos fatos, o

documentário é bastante extenso e, por isso, se não for possível exibi-lo aos alunos, sugere-se: apresentar entrevista de Fernando Gabeira com Siron Franco sobre os 30 anos do acidente, realizada em 2017. Se esta for a opção, seria interessante apresentar as obras da série Césio (3ª parte) anteriormente.

 

ENTREVISTA:

http://g1.globo.com/globo-news/fernando-gabeira/videos/v/fernando-gabeira-os-30-anos-da-tragedia-do-cesio-137/5980931/

 

DOCUMENTOS:

 

Reportagem sobre o acidente em Goiânia com o césio-137.

Fonte: CISCATO, PEREIRA e CHEMELLO. Química, vol 2, 1ª edição.

Editora Moderna, 2015, p. 445.

 

FOTOS E RELATOS SOBRE O ACIDENTE:

< http://g1.globo.com/goias/fotos/2012/09/veja-fotos-da-epoca-do-acidente… > acesso em 15/06/2017;

< http://www.cesio137goiania.go.gov.br/index.php?idEditoria=3844 > acesso em 15/06/2017;

 

HISTÓRICO DO ACIDENTE

O acidente envolvendo o elemento radioativo ocorreu no dia 13 de setembro de 1987, na Rua 57. Os amigos Wagner e Roberto entraram em um prédio abandonado da Santa Casa de Misericórdia em Goiânia (GO), onde funcionava o Instituto Goiano de Radiologia. Ali encontraram um equipamento e o levaram de lá cogitando vendê-lo como sucata, já que era pesado e, assim, possivelmente, feito de chumbo. Os dois não sabiam, entretanto, que o aparelho em questão era utilizado em tratamentos de radioterapia, e que possuía em seu interior um composto de césio-137, elemento radioativo, motivo pelo qual havia a importante presença protetora do chumbo.

Eles venderam o material ao ferro-velho do Sr. Devair, que ao desmontar a

máquina encontrou um pó branco, semelhante ao sal de cozinha, e não se deu conta do risco potencial que aquilo apresentava. À noite, observando o material, percebeu que aquele pó emitia uma luminosidade de coloração azul e, por consequência de seu deslumbre, manuseou e passou à outras pessoas o cloreto de Césio, elemento altamente radioativo.

Durante quase duas semanas as pessoas estiveram em contato com a radiação emitida pelos aproximados 20g de elemento Césio-137 sem que as autoridades soubessem. Por causa de sintomas como vômito, diarreia, cefaleia, sangramento e febre, os moradores da região que tiveram contato com a substância começaram a procurar os hospitais e, paulatinamente, o governo foi tomando conhecimento da situação. Fora designada uma comissão para averiguar o caso e medir o nível de radioatividade no local. Após vários testes, constatou-se de vez se tratar de um grande acidente radioativo que provavelmente deixaria muitas vítimas.

Como a evolução das consequências trazidas pela exposição do corpo humano à radiação demorarem certo tempo para aparecerem e causarem o óbito, não se sabe ao certo quantas vítimas no total este acidente deixou. Estima-se que cerca de 1600 pessoas tenham se contaminado e que mais de 100 já tenham morrido em decorrência de doenças causadas pela radiação. Na época, cinco pessoas morreram, entre elas Leide das Neves, filha de Devair e de apenas 5 anos – hoje símbolo do acidente.

Para além das consequências ambientais e de saúde, a cidade de Goiânia

passou a sofrer com o preconceito. Na época começou-se a falar sobre a

contaminação na região, que acabava por contaminar qualquer coisa que brotasse da terra ou que estivesse sobre ela. As consequências econômicas foram desastrosas para a municipalidade e os moradores de Abadia de Goiânia até hoje convivem com a discriminação decorrente das instalações que foram construídas ali para receber os rejeitos contaminados do acidente.

 

RELATOS DAS VÍTIMAS:

Sugere-se apresentar tais relatos para ambientar os alunos acerca dos

acontecimentos (os relatos foram retirados da plataforma governamental Césio-137, disponível em: http://www.cesio137goiania.go.gov.br/)

Sobre a ida dos rejeitos para Abadia de Goiânia: “A população, inicialmente, não quis. Virou carro na estrada, não queria deixar o material entrar. Teve uma vez, quando já estava tudo estocado aqui de forma provisória, que os manifestantes quiseram invadir e o oficial que estava de trabalho no dia teve uma boa ideia e falou que todos podiam entrar e que cada um podia pegar um tambor e ir embora. Mas, claro, ninguém teve coragem”, recorda Cesar Luiz, 56.

Sobre doenças causadas pela radiação: “ Eu nunca tive contato direto com o césio, por isso, estou na classificação dos radioacidentados. Mas enfrento inúmeros problemas até hoje, e o ruim é que eles não param de surgir. O problema é que o tratamento deixou sequelas, como na minha memória recente, por exemplo, já que não consigo memorizar nada. Além disso, desenvolvi transtornos de humor e tenho que tomar cerca de 10 comprimidos todo o dia para suportar as dores de cabeça”, diz Marques de sousa, 51.

 

Relatos sobre o dia do ocorrido: “Naquele dia, dei uma bronca no Ivo (irmão de Devair) porque ele não tinha ido vê-lo, e meu cunhado e a Maria Gabriela estavam doentes. Quando ele voltou, já trazia o césio no bolso, achando que alegraria todos.

Depois de tocar no césio, minha filha Leide foi comer um ovo que preparei para ela, que andava ruinzinha para comer. Não notei que ela não tinha lavado a mão, mas achei estranho a cor escura do caldo que escorria entre os dedos que seguravam o ovo, e acabei dando uma bronca. Mas já era tarde. A partir dessa noite ela arroxeou a boca. Poucos dias depois morreu. O efeito físico que sofri do acidente? Essa ferida no coração.” Lourdes das Neves Ferreira, 50.

“Morava perto do meu tio Devair. Quando a gente foi visitá-los, a PM tinha isolado tudo. Fui no estádio e vi minha tia Maria Gabriela. Quando pedi a mão para pedir uma benção, um PM barrou e disse que não podia. Fui parar na Febem também.

Um dia, nós, as crianças que estavam presas na Febem, fomos matar o tempo lavando o chão, mas acabamos contaminando os pés de novo. Lavei os meus com tanta força que saiu sangue. O médico ficou assustado e disse: ‘Não precisava fazer assim, minha filha’, mas valeu porque tive alta. Jamais vou esquecer do meu cãozinho que a CNEN matou a machadadas. Eu tinha dez anos, hoje só tenho pensão da União. O Estado não me reconhece. Tenho pressão alta e já sofri dois abortos.” (Gislene Regina Bastos, 25.

 

3ª ETAPA : Objetiva-se, nesta parte, mostrar as obras desta série aos alunos e discutir os elementos de cada quadro e sua ligação com o acidente.

Série Césio

Quando do acontecimento do acidente, Siron Franco, morador de Goiânia, começa a pintar intensamente. Havendo morado na Rua 57 durante a infância, e senso sensível às questões sociais e ambientais de seu tempo, ele sentia o peso das consequências terríveis que aquele acidente deixaria. Sua indignação era com o

descaso dos governantes quanto ao assunto, com a demora em se resolver o problema e em prestar atendimento às vítimas e, sobretudo, com a displicência dos administradores do hospital e das autoridades em evitar tal desastre, não devendo uma máquina como aquelas, contendo material radioativo, ficar em lugar público e inseguro.

Os quadros, como definiu a crítica de arte Dawn Ades, são uma Guernica brasileira, pois segundo ela capturam a essência do ocorrido com maestria: sendo difícil retratar algo tão impalpável quanto um acidente radioativo e suas consequência, Siron se utiliza dos símbolos e da representação dos lugares que compõem o cenário da tragédia para aludir ao acidente. De modo sombrio e com forte apelo visual, as composições desta série de Siron possuem um quê de instinto, raiva, ranço. São, antes de mais nada, pintadas com tinta e terra - terra goiana contaminada por Césio-137. A obra se torna em realidade material ao incorporar o elemento radioativo de maneira tão simbólica e eficaz.

Análise das obras: Quais elementos estão representados? O que eles significam?

Alguns quadros possuem cores mais sóbrias do que em outros? O que significa o uso de tons mais escuros e frios em contraposição aos tons metálicos e brilhantes?

Algumas obras desta série possuem terra e radiografias como materiais, juntamente com a tinta e a tela. O que pode-se dizer sobre o uso destes materiais?

A obra representa mais o sofrimento, o acontecimento ou nenhum dos dois?

É possível perceber alguma crítica que a obra faz?

Estas obras se parecem com as primeiras apresentadas? Quais as mudanças? O processo artístico na composição destas telas pode ter sido diferente? O que influenciou o artista em cada caso?

 

S/ título (Rua 57, série Césio), 1987.

100 x 100cm - óleo e terra s/ tela.

 

S/ título (Rua 57, série Césio), 1987.

100 x 100cm - óleo e terra s/ tela.

 

S/ título (Rua 57, série Césio), 1987.

100 x 100cm - óleo e terra s/ tela

 

Outros Gritos, 1996.

1,55 x 1,35 m - óleo e radiografias s/ tela

 

Comentários sobre as obras:

Siron havia residido na mesma rua (Rua 57) e o acontecido foi um divisor na sua arte. Faz uma forte denúncia, exibe seu inconformismo, mostra toda sua indignação com o acontecido. Usou terra, panos, tinta metálica em seus quadros, trabalhou com relevos, produziu esculturas contendo cadeiras, capacetes, macacões, que eram concretados em colunas retangulares, com partes emergindo da obra. Em outros trabalhos, técnica mista sobre tela, aponta as vítimas, uma a uma, informando que serão sempre lembradas.

Os quadros buscam retratar, localizar, fisicamente o imóvel da Rua 57 onde a cápsula contendo material radioativo foi aberta. Ademais, sugerem a abertura da cápsula - a prata representando a luminosidade emitida pelo material radioativo liberado. Elementos prosaicos, porém ligados ao acidente, aparecem o tempo todo:

formas que se assemelham à galpões, caixas, cores frias e que simbolizam alerta, perigo.

Outros Gritos (quase 10 anos após o acidente): Memória não esquecida, mostra a habilidade do artista em associar elementos separados pela estória, mas conectados pelo sentimento. “Nesse ano fui convidado, junto com outros artistas, para participar de uma exposição em homenagem aos 100 anos da obra “O Grito”, de Edward Munch. Ela representa a angústia humana e pensei logo no césio.

Lembrei-me de umas radiografias descartadas, eram de crianças que choraram durante a sua execução. Juntei tudo”.

 

4ª ETAPA: Artivismo

Propor aos alunos uma atividade artística e de reflexão: a partir do contato com a

obra sironeana e tendo conhecido o que ocorreu quando do acidente Césio-137, quais outros desastres ambientais e sociais o Brasil já passou ou corre o risco de passar? Como podemos intervir para contornar a situação?

Exemplo: desastre envolvendo a barragem de rejeitos de mineração em

Mariana-MG.

Atividade: a partir de objetos e elementos do dia a dia, construir algum objeto que chame, denuncie, critique, a atenção para os perigos e consequências que envolvem acidentes ambientais.

 

Bibliografia consultada:

VIEIRA, S. A. Césio-137, um drama recontado. Estudos Avançados. Vol.27, nº 77, São Paulo, 2013.

 

CARVALHO, V. Maior acidente radiológico do mundo completa 25 anos nesta semana. G1 GO, Setembro de 2012. Disponível em:

<http://g1.globo.com/goias/noticia/2012/09/maior-acidente-radiologico-do…;. Acesso em abr. 2017.

 

ADES, Dawn. Siron Franco, Figuras e Semelhanças. Editora Index. São Paulo,

1995.

Livro/Catálogo MOSTRA SIRON FRANCO (Museu Oscar Niemeyer, Instituto Tomie Ohtake, Centro Cultural Banco do Brasil - RJ, 2006.

Livro/Catálogo Siron Franco - Pintura dos anos 70 aos 90. Centro Cultural Banco do Brasil - RJ, 1998.

 

Referencia
Graduandos