Ocupações e resistências das mulheres negras na São Paulo do século XIX: Várzea do Carmo e Largo do Rosário

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
Departamento de História
Ocupações e resistências das mulheres negras na São Paulo do século XIX:
Várzea do Carmo e Largo do Rosário
Bárbara Lustoza da Silva Borba
São Paulo – SP
2013
 
Apresentação
 
A presente sequência didática tem como objetivo colocar em debate as diferentes
ocupações e resistências ocorridas na cidade de São Paulo em fins do século XIX e início
do século XX por parte de um setor social que não é lembrado frequentemente quando
tratamos deste recorte temporal e espacial: as mulheres negras trabalhadoras.
Tendo como ponto de partida uma perspectiva que vai contra a corrente da história
oficial e tradicional, concordamos com Carlos José Ferreira dos Santos em seu
questionamento sobre o local destinado à história de mulheres e homens, negras, negros
ou então pobres no geral, as/os quais já ocupavam postos de trabalho durante todo o
período escravista, e que não desapareceram dos seus postos de trabalho em
decorrência da abolição formal da escravatura:
 
Em geral, tem sido assinalado que, com o fim da escravidão, os imigrantes sucederam os
escravos e outros nacionais, levados à exclusão como trabalhadores preferenciais na
aclamada “nova ordem”. Assim, tornou-se costumeiro acentuar a marginalidade em que
viviam esses sujeitos sociais, bem como destacar a falta de consciência e a incapacidade de
interagirem com as transformações que estavam ocorrendo: a chamada índole pacífica de
nossos cidadãos e sua natural indolência. Entretanto, será que essas impressões
correspondem à experiência social e cultural dessas pessoas no período? (SANTOS,
2008: 15)
 
Considerando em particular as mulheres, é possível identificar que desde o período
colonial, as mulheres negras – escravizadas, libertas ou livres – ocuparam postos de trabalho
doméstico e também atividades externas. De acordo com Flávia Fernandes de Souza, os
trabalhos realizavam-se “ao ganho”, que consistiam na prestação de um serviço pago cuja
renda diária (jornal) era repassada ao proprietário ou proprietária, e por locação (sendo a
alugada geralmente sinônimo do termo “criada de servir”), o qual a escravizada era
alugada para a prestação de serviços, sendo o locatário ou locatária responsável pelas
condições mínimas de sustento durante o período da locação, sendo esta prática mais
frequente a partir de 1850, após o término do tráfico negreiro, de modo a continuar o uso
da mão de obra escravizada. (SOUZA, 2012). A esses aspectos, somam-se o destaque
dessas mulheres no comércio ambulante na cidade, o que chamou atenção das
autoridades locais além do comércio irregular, mas também por seu fluxo e redes de
solidariedade, como pontuado por Maria Odila Leite da Silva Dias:
 
A multiplicação de pardas e ex-escravas foi vista com desconfiança, não somente por
terem papel de destaque no pequeno comércio urbano, mas também por que seriam elos e
meios de contato com maridos ou filhos escravos, eventualmente fugidos. Contra elas se
referiam principalmente as posturas municipais, repressivas do comércio ambulante, pois
reiteradamente insistiam em abranger toda e qualquer vendedora ambulante, fossem
escravas ou forras. (DIAS, 1995: 123)
 
Referente a presença e trabalho das mulheres negras nas ruas, o cronista Cerqueira
Mendes - citado por Ernani da Silva Bruno – descreveu-as com o seguinte tom:
 
Na Rua das Sete Casinhas e no Beco das Minas, caipiras e pretas africanas com insistências
interesseiras, apregoavam verduras, frutas e gulodises e saúvas torradas e isso com
grande mágoa de Jules Martin, que preferia escravizá-las e vestí-las pelos figurinos de sua
imaginação delicada. (MENDES Apud BRUNO, 1953: 1.137)
 
Assim, a partir do pós-abolição o trabalho dessas mulheres, já libertas e livres,
também tornou-se alvo das discriminações e regulações do poder público. Dentre elas, as
Lavadeiras da Várzea do Carmo, então região do “sul da Sé” por onde passava o rio
Tamanduateí, atualmente retificado e analisado, situado abaixo do Parque Dom Pedro.
Santos nos exemplifica este momento a partir das memórias de Jorge Americano:
 
A reurbanização da Várzea (do Carmo), em nome da segurança e da saúde pública, além de
sua face arquitetônica, interferiu no cotidiano dessas mulheres e de outras personagens
relacionadas à região, como acentua a crônica de Americano. Isto é, as “lavadeiras da
Várzea”, sua maneira de trabalhar e de se relacionar entre si e com a cidade, apesar de
terem convivido por um longo período com as alterações que procuravam remodelar São
Paulo, foram afetadas com o aterramento e ajardinamento da Várzea. Porém, muito
provavelmente e também cotidianamente encontraram outras formas de conviver na e com
a Pauliceia.(SANTOS, 2008: 98-99)
 
Tendo tais referências como fundamentação, a sequência didática se dará em torno
da análise de imagens, fotos, mapas e reportagens da época, em comparativos com seus
equivalentes atuais.
 
 
Objetivos
 
· Desenvolver referenciais de localização e transformações da paisagem;
· Problematizar as ocupações e usos da cidade;
· Comparar as mudanças geográficas e sociais a partir dos mapas de época com
referenciais atuais.
· Reconhecer as resistências e protagonismo histórico das mulheres negras
inseridas na dinâmica econômica cidade;
· Enfatizar as resistências dos modos de vida que não se enquadravam no ideal
industrial e capitalista oriundos da Europa;
· Questionar os referenciais da história oficial e tradicional;
· Debater as representações sobre trabalhadoras e trabalhadores no período;
 
 
Duração da atividade: Aproximadamente duas horas/aula
 
 
Desenvolvimento das atividades
 
 
Parte 1: Várzea do Carmo e as lavadeiras
 
1. Levantar com as/os estudantes informações sobre sua circulação na cidade:
Conhecem o bairro onde moram? Conhecem os arredores? Conhecem o centro da
cidade de São Paulo? O que conhecem do centro da cidade?
 
2. Neste momento apresente os mapas da Prancha de Trabalho 1: “Localize nos
mapas de 1810 e 2013 as ruas que mudaram de nome” ;
 
3. Apresentar o seguinte trecho do memorialista Jorge Americano:
texto de Jorge americano
4. Em seguida, apresentar a Prancha de Trabalho 2: “Várzea do Carmo e Parque
Dom Pedro”.
 
5. Discutir sobre as mudanças das paisagens e das pessoas nela contidas,
exemplificadas pelo trecho do tópico 3 e da Prancha de Trabalho 2. Para tanto, é
possível suscitar um debate sobre como a Várzea do Carmo se transformou em
Parque Dom Pedro II , assim como as transformações rio que ali desaguava, o
Tamanduateí – onde o rio se encontra agora?
 
6. Por fim, discutir os usos da Várzea do Carmo no final do século XIX e do Parque
Dom Pedro II atualmente. Para tanto, sobre a Várzea do Carmo, enfatizar a
presença das lavadeiras, mulheres - sobretudo negras - que trabalhavam para
manter-se e que contribuíam tanto para a economia quanto para a vida cotidiana
da cidade de São Paulo; sobre o Parque Dom Pedro II, pontuar as ocupações de
trabalho atuais, circulação de pessoas e suas relações com a cidade. Para tanto,
pode ser utilizada a Prancha de Trabalho 3: “Lavadeiras do Carmo e outros
trabalhos”
 
Parte 2: Rua do Rosário e representações dos espaços
 
1. Retomar questões levantadas pelas/os estudantes na atividade anterior, com
ênfase aos usos, transformações e visões sobre os espaços;
 
2. Apresentar a Prancha de Trabalho 4 : “Largo do Rosário e Igreja do Rosário dos
Homens Pretos” – sugerimos fazer uma leitura do trecho e análise das imagens de
forma coletiva;
 
3. Retomar a Prancha de Trabalho 1 : “Localize nos mapas de 1810 e 2013 as ruas
que mudaram de nome” e identificar nas plantas os locais citados no trecho
apresentado: Rua do Rosário, Largo do Rosário, Rua XV de Novembro e Praça
Antonio Prado;
 
4. Levantar um debate sobre o “desaparecimento” do Largo do Rosário;
 
5. Questionar à turma se alguém conhece a Igreja do Rosário dos Homens Pretos
(atualmente no Largo do Paissandú);
 
6. Apresentar a Prancha de Trabalho 5: “Igreja do Rosário e a mãe-preta”;
 
7. Debater sobre o “apagamento” histórico dos locais de resistência negra, como o
Largo do Rosário que foi transformado em Praça Antonio Prado, e a mudança de
local da Igreja do Rosário, a qual recebeu ao seu lado uma escultura denominada
“Mãe-Preta”. Problematizar as atividades destinada às mulheres negras e sinalizálas
enquanto agente de suas trajetórias históricas.
 
8. Apresentar a Prancha de Trabalho 6: “Lugares negros na cidade de São Paulo no
século XIX”
 
9. Discutir os locais de presença, moradia e circulação da população negra do
período e como (e se) tais bairros possuem uma memória sobre sua ancestralidade
de matriz africana. Neste ponto, é possível também discutir os usos da cidade pela
população negra no período do trecho trabalhado na Prancha de Trabalho anterior,
de modo a questionar a ocupação e circulação das pessoas no centro da cidade –
e suas periferias – comparando com o contexto atual das/dos estudantes.
 
 
 
Sugestões de leituras
 
· Sobre a região da Várzea do Carmo e do Largo do Rosário, indicamos o já
citado livro Nem tudo era italiano: São Paulo e pobreza (1890-1915) de
autoria de Carlos José Ferreira dos Santos;
 
· Com relação ao protagonismo das mulheres negras na cidade, sugerimos o
livro Quotidiano e poder em São Paulo do século XIX de Maria Odila
Leite Dias;
 
· Particularmente sobre uma interpretação alternativa sobre as amas de leite,
indicamos os escritos: Entre dois Beneditos: histórias de amas de leite
no ocaso da escravidão, de Maria Helena Machado, disponível no livro
Mulheres negras no Brasil escravista e do pós-emancipação,
organizado por Giovana Xavier, Juliana Farias e Flavio Gomes e Amas na
fotografia brasileira da segunda metade do século XIX de Sandra
Koutsoukos.Disponível em:
 
· Sobre política e legislação urbana e seus impactos sobre a ocupação dos
espaços e circulação na cidade de São Paulo, indicamos A cidade e a lei:
legislação, política urbana e territórios na cidade de São Paulo de
Raquel Rolnik;
 
· Imagens e plantas da cidade podem ser obtidas na página
 
· Fotografias das amas-de-leite do século XIX podem ser observadas no
 
Referências Bibliográficas
 
BRUNO, Ernani da Silva. História e tradições da cidade de São Paulo. Rio de Janeiro:
Livraria José Olympio, 1953.
 
DIAS, Maria Odila Silva Leite. Quotidiano e poder em São Paulo do século XIX. São
Paulo: Brasiliense, 1995.
 
KOUTSOUKOS, Sandra. Amas na fotografia brasileira da segunda metade do século
XIX. Campinas, 2007. Disponível em:
 
MACHADO, Maria Helena P. T. Entre dois Beneditos: histórias de amas de leite no
ocaso da escravidão. In: XAVIER,Giovana, FARIAS, Juliana e GOMES, Flavio (orgs).
Mulheres negras no Brasil escravista e do pós-emancipação. São Paulo: Sumus/ Selo
Negro, 2012, pp. 199-213.
 
ROLNIK, Raquel. A cidade e a lei: legislação, política urbana e territórios na cidade
de São Paulo. São Paulo: Studio Nobel: Fapesp, 1997, Reimpressão 2007.
 
SANTOS, Carlos José Ferreira dos. Nem tudo era italiano: São Paulo e pobreza (1890-
1915). São Paulo: Annablume, 2008, 3ª edição.
 
SOUZA, Flavia Fernandes de. Escravas do lar: as mulheres negras e o trabalho
doméstico na Corte Imperial. In: XAVIER,Giovana, FARIAS, Juliana e GOMES, Flavio
(orgs). Mulheres negras no Brasil escravista e do pós-emancipação. São Paulo:
Sumus/ Selo Negro, 2012, pp. 244-260.
 
 
 
Anexos
 
Referencia
Graduandos