As linguagens das fontes históricas: o trabalho com fontes orais no estudo das brincadeiras dos pais e avós dos alunos do 5º ano

 
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE HISTÓRIA
 
Uma História para a Cidade de São Paulo: Um Desafio Pedagógico
Professora Antônia Terra
Plano de aula
As linguagens das fontes históricas: o trabalho com fontes orais no estudo das brincadeiras dos pais e avós dos alunos do 5° ano
Aluna: Meire de Souza Silva N.USP 7457718
São Paulo,
2013
 
 
 
“A criança que não brinca não é feliz,
ao adulto que quando criança não brincou,
falta-lhe um pedaço no coração”.
Ivan Cruz, artista plástico.
 
 
 
 
Justificativa
 
O bairro Jardim Educandário se localiza na Zona Oeste da cidade de São Paulo, entre as rodovias Raposo Tavares e Régis Bittencourt. Trata-se de uma região que cresceu basicamente de forma horizontal, predominando construções residenciais e comerciais. Muitas casas não têm reboco nas paredes, revelando um padrão de vida bastante simples dos seus moradores. Os estabelecimentos comerciais são, geralmente, de donos que moram no próprio bairro, ou de redes varejistas de porte médio, como as redes Clímax e Rod & Raf.
 
Uma característica do bairro é a falta de espaços de lazer para as famílias, problema apenas amenizado com construção e inauguração do CEU Uirapuru, em 2008. Para as crianças, talvez essa questão seja a mais significativa, já que as impede de vivenciar de forma segura e saudável sua infância, sendo obrigadas a permanecer confinadas dentro de casa ou usar a rua como espaço de brincadeiras, se arriscando entre carros, caminhões e ônibus.
 
Como essa é uma região “dormitório” da cidade de São Paulo, muitas famílias necessitam de instituições onde possam deixar seus filhos quando estão no trabalho. Existem os CEI (Centro de Educação Infantil), as EMEI (Escola Municipal de Educação Infantil) e as EMEF (Escola Municipal de Ensino Fundamental) para atender às necessidades dos pais. Os espaços dessas instituições são utilizados pelas crianças do bairro tanto nos horários das aulas quanto nos finais de semana. Mesmo assim, são escassas as opções de lazer para as crianças.
 
Por outro lado, é preciso reconhecer as crianças do bairro se divertem de outras maneiras, notadamente com os aparelhos eletrônicos como os celulares e os videogames. Pelas suas características, são objetos que prescindem da necessidade de espaços públicos amplos e ao ar livre para serem utilizados.
 
Entendemos, contudo, que não se trata de uma simples questão de substituição de formas de lazer; pelo contrário, tanto as brincadeiras em parques e praças quanto aquelas em locais fechados são necessárias para que as crianças cresçam felizes e saudáveis.
 
Por isso, achamos importante que os alunos busquem informações sobre as formas de brincar vividas por seus pais e/ou avós quando crianças, pois dessa maneira elas podem perceber um aspecto importante da ciência histórica: as mudanças e permanências das práticas sociais, bem como reconhecer acontecimentos no tempo de curta e média duração.
 
 
 
 
 
Objetivo.
 
O descaso das autoridades públicas em prover os bairros da periferia (como o Jardim Educandário) de espaços de lazer para a população demonstra uma concepção da história: aquela de que os seus moradores são marginalizados, tanto econômica quanto culturalmente, porque são os perdedores do processo histórico.
 
É preciso, portanto, resgatar a voz dessas pessoas para que elas se sintam sujeitos desse processo histórico do qual elas são os mais afetados. A escola tem esse papel fundamental que é o de combater os clichês divulgados pela mídia a respeito da periferia, como por exemplo, o de que só nesse local é que há violência. Dar voz a essa população é permitir que ela possa se impor como protagonista da história, seja sua própria, do seu bairro, da sua cidade, do seu país.
 
Recuperar as vivências dos pais e avós dos alunos sobre suas brincadeiras de infância, através de testemunhos orais gravados pelos alunos, nos parece uma prática enriquecedora por colocar diferentes atores frente a frente no processo pedagógico.
 
Ecléa Bosi, em Memória e Sociedade – Lembranças de velhos escreve: “Enquanto os pais se entregam às atividades da idade madura, a criança recebe inúmeras noções dos avós, dos empregados”. (BOSI, p.73) Entrevistando pessoas com mais de setenta anos, passados a maior parte deles em São Paulo, busca recuperar um passado através das memórias dessas pessoas, que é “uma memória pessoal que, como se buscará mostrar, é também uma memória social, familiar e grupal”, ressaltando que “a veracidade do narrador não nos preocupou: com certeza seus erros e lapsos são menos graves em suas consequências que as omissões da história oficial”. (BOSI, p.37)
 
Em determinado momento do trabalho, no capítulo 3 (“Lembranças”), a autora dá voz a oito idosos que narram suas histórias a partir de suas memórias. Mais de um deles se recorda de brincadeiras da infância, como o Sr. Ariosto: “Naquela época não existiam brinquedos. Penso que eles começaram a surgir só depois de 1910, 1911, mas vinham de fora. Eu fazia carrinhos com rodas de carretel de linha e nós brincávamos o dia todo, livremente, nunca me machuquei porque a rua não tinha carros.
 
Gostava do pica-pau: era um pauzinho com ponta dos dois lados. A gente apostava: ‘Quero ver se você bate o pica-pau; até onde ele vai?’ A gente batia com outro pauzinho e o pica-pau dava volta e pulava longe. Ou então com diabolô, conhece? Ele tem um vãozinho no meio com carretel. A gente põe o diabolô no carretel e ele fica dançando na linha e quando a gente joga assim ele vai lá... e volta.
 
A criançada corria e jogava no meio da rua futebol com bola feita de meia. As meninas convidavam a gente para brincar de roda com elas e cantávamos:
 
Passa, passa três vezes
o último que ficar!”.(BOSI, p. 155)
 
 
 
Também o Sr. Antônio narra sua infância na região da Bela Vista: “Os meninos brincavam de futebol nas ruas com bola de meia. Nos matagais fazíamos campinho. Entre uma rua e outra havia muita guerra a pedradas, um divertimento bom também. Não tivemos brinquedos, fazíamos papagaios, os ‘quadrados’, para empinar no morro dos Ingleses. Brincávamos de pegador, de barra-manteiga, de roda:
 
Eu fui no Itararé
beber água e não achei.
Dei adeus à morena
que no Itararé deixei.
 
Acredite minha gente
que uma noite não é nada,
se não dormir à noite,
dormirei de madrugada”. (BOSI, p. 227)
 
 
 
 
Material.
 
  • Gravadores portáteis, filmadoras, celulares com câmeras e/ou gravadores de voz.
  • Computadores com softwares de texto e desenho.
  • Impressora colorida.
  • Papel sulfite branco.
 
 
 
1ª aula
 
Levar para a classe alguns brinquedos antigos (também se pode pedir aos alunos que tragam algum que tenham em casa): carrinho de rolimã, peteca, pião, boneca, “aquaplay”, bonecos de super-heróis, etc. Fazer algumas indagações aos alunos:
1) O que esses objetos têm a ver com a História?
2) Como vocês imaginam que seja o trabalho de um historiador?
3) Como o historiador obtêm informações para fazer o seu trabalho?
4) Esses brinquedos podem ajudar o historiador a reconstruir uma parcela da realidade de quem os usou?
 
A seguir, desenvolver alguns conteúdos fundamentais para a plena aprendizagem dos alunos: definição de fontes históricas; a importância do uso de fontes históricas para a História; os tipos de fontes históricas, destacando as fontes orais (depoimentos, entrevistas, relatos orais).
 
Deve ficar claro para os alunos que os objetos analisados, além de vários outros, são exemplos de fontes históricas. É através da sua análise que o historiador recria o passado. Como um investigador, o historiador questiona suas fontes buscando respostas para suas dúvidas, problematizando-as.
 
 
 
 
2ª aula.
 
Após a sondagem e a sensibilização, apresentar as etapas da proposta de elaboração das entrevistas com os pais e/ou avós dos alunos sobre as brincadeiras de infância. A pesquisa baseada em entrevistas ou depoimentos tem diversas etapas:
 
  • Escolha do entrevistado: evidentemente, a escolha de uma pessoa da família pode tornar mais prática a entrevista. No entanto, procurar alguém da comunidade não impossibilita a pesquisa, visto que a escolha do entrevistado deve se pautar, sobretudo pela riqueza de informações que a pessoa entrevistada puder oferecer. Também é possível que ocorra a seguinte situação: o aluno perceba que seu familiar não tenha fornecido informações interessantes, tornando-se necessário um segundo entrevistado.
  • Elaboração das perguntas: é importante que as indagações sejam diretas e objetivas, para que o entrevistado também responda objetivamente, de modo que o aluno consiga obter a informação desejada.
 
Algumas questões para os entrevistados:
 
1) Qual é o seu nome?
2) Que idade você tem?
3) Onde você nasceu?
4) Do que você brincava quando era criança?
5) Havia bastante espaço para você brincar?
6) Seu filho ou neto também têm as mesmas brincadeiras que você tinha quando criança?
7) Qual a principal diferença que você percebe entre sua infância e a do seu filho?
 
Outras podem ser acrescentadas, com sugestões dos próprios alunos.
 
  • Gravação do depoimento: o aluno deve estar consciente de que a seriedade com que ele encara a entrevista se refletirá no modo como a pessoa se comportará sendo entrevistada, já que ela se sentirá segura de estar participando de uma atividade significativa para ela e para o aluno.
  • Transcrição: essa etapa demanda tempo, visto que os alunos precisam se manter fiéis à fala do depoente, procurando reproduzir não somente suas falas, mas também os silêncios, as hesitações, as risadas, as lágrimas. 
  • Análise: é o momento em que os alunos devem sistematizar as informações colhidas nas entrevistas. Pode-se aproveitá-las para a elaboração de uma tabela, por exemplo, organizando as brincadeiras de acordo com as idades dos entrevistados, ou com o local de origem dos mesmos. Essa atividade permitirá que os alunos observem mais claramente as mudanças e permanências em relação a essa prática social.
 
 
 
3ª aula.
 
Apresentação das entrevistas para a classe. É importante que haja um suporte técnico que dê condições para que todos possam ouvir e entender o que os depoentes dizem. Em seguida, todos podem dizer o que acharem relevante para a classe, por exemplo, dificuldades encontradas para realizar a entrevista, exercendo uma troca de experiências produtiva.
 
Essa socialização permite que os alunos percebam que os percalços vividos por eles durante as entrevistas não os desencorajem em outros momentos semelhantes.
 
“É de notar que a situação de entrevista e o relacionamento dos entrevistados com os entrevistadores pode apresentar os seus problemas. Desde que a publicação de entrevistas se tornou uma atividade cultural relativamente difundida, há mais de um século, a desconfiança da entrevista e do entrevistador tem sido um tema constante, e a história está repleta de exemplos da resistência dos entrevistados”. (PALLARES-BURKE, p. 16)
 
 
 
4ª aula
 
Para finalizar a sequência, pede-se aos alunos que elaborem um livro coletivo com as transcrições das entrevistas, enriquecendo-o com ilustrações dos alunos tendo como tema as brincadeiras relatadas pelos entrevistados.
 
Para inspirar os alunos durante a realização das ilustrações, sugerimos a observação dos quadros da série “Brincadeiras de criança”, de Ivan Cruz, artista plástico nascido no Rio de Janeiro em 1947. Quando se preparava para uma exposição em Portugal, em 1990, pintou as primeiras telas que retratavam suas brincadeiras de infância. Alcançou enorme sucesso, tendo suas telas sido exibidas em exposições em instituições e espaços culturais e até reproduzidas em cartões telefônicos.
 
linguagenshistoricas1
 
 
linguagenshistoricas2
 
Estes são apenas alguns exemplos do trabalho de Ivan Cruz. Percebe-se que os rostos das crianças são “anônimos”, ou seja, pode ser de qualquer criança, sem nenhuma pré-identificação. As brincadeiras retratadas trazem à tona lembranças esquecidas, que apenas precisavam de um estímulo para reviver. Relembrando a epígrafe desse trabalho, um adulto é um ser incompleto se não vivenciou as brincadeiras na sua infância. Daí a importância de resgatá-las e valorizá-las para que não fiquem apenas nos recantos distantes da nossa memória.
 
 
Considerações finais
 
Acreditamos que a metodologia baseada nas entrevistas pode se constituir em um recurso pedagógico interessante para a reconstituição do passado. “[...] a história oral pode dar grande contribuição para o resgate da memória nacional, mostrando-se um método bastante promissor para a realização de pesquisa em diferentes áreas. É preciso preservar a memória física e espacial, como também descobrir e valorizar a memória do homem. A memória de um pode ser a memória de muitos, possibilitando a evidência dos fatos coletivos” (THOMPSON, p. 17).
 
 
Referências
 
BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade. Lembranças de velhos. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
 
PALLARES-BURKE, Maria Lúcia Garcia. As muitas faces da história. São Paulo: Editora UNESP, 2000.
 
THOMPSON, Paul. A voz do passado. São Paulo: Paz e Terra, 1992.
Referencia
Graduandos