Africanos Livres em São Paulo no Oitocentos: Experiências Históricas Singulares na Sala de Aula

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
 
AFRICANOS LIVRES EM SÃO PAULO NOS OITOCENTOS:
experiências históricas singulares na sala de aula
 
 
Trabalho final para compor a nota da disciplina
(FLH0425) Uma história para a cidade de São
Paulo: um desafio pedagógico, ministrada pela
profa. Dra. Antonia Terra de Calazans Fernandes.
Disciplina optativa eletiva para o curso de
Bacharelado em História.
 
 
Aluno: Paulo Roberto Marques de Oliveira
N. USP: 8576115
Período: vespertino
São Paulo
Dezembro / 2016
 
 
 
 
Introdução
 
Este material didático tem como objetivo trazer informações e propostas de atividades para o(a) professor(a) responsável pela disciplina de história sobre o tema dos
africanos livres em plena sociedade escravista brasileira dos Oitocentos.
 
Para que tanto a(o) docente quanto as(os) alunas(os) pudessem desfrutar melhor das discussões sobre este assunto, optou-se por fazer um recorte específico: as relações sociais dos africanos livres na cidade de São Paulo. Tal temática assume uma grande importância na atualidade, sobretudo porque vemos, com frequência, nos noticiários brasileiros, a chegada de imigrantes provenientes de vários países do continente africano. Claro que há uma diferença significativa entre os africanos livres que chegaram em São Paulo no século XIX a partir do comércio, então, ilegal de seres humanos, e os imigrantes africanos atuais cuja maioria, mesmo não tendo escolha de permanecer em seus países de origem, optaram por viver nesta capital brasileira. O contraste entre ambas as condições visa sensibilizar tanto a(o) docente quanto os(as) alunas(os) com as discussões sobre ser um negro imigrante num país com um forte legado escravista.
 
No século XIX, a discriminação era aberta e cotidiana, já, no século XXI, observa-se a alteração apenas da característica “aberta”. Como um país de “democracia racial”, “ficaria feio” para o Brasil discriminar declaradamente os negros. Nosso racismo assumiu características históricas particulares. Como alguns estudiosos apontam, ele é um racismo diferencialista, isto é, que deixou de segregar abertamente por causa da raça, passando a unir esta característica à condição socioeconômica à qual os negros (pardos e pretos) foram relegados historicamente em nosso país (SILVA, 2008, p. 16). Ao se entender que, infelizmente, o racismo é um discurso assumido como inexistente no Brasil (portanto, não necessitaria, supostamente, de uma problematização, muito menos de um combate direto), podemos refletir sobre as expressões dele “sem que se necessite atribuir o epíteto de racista a seus emissores” (ROSEMBERG; BAZZILI; SILVA, 20031, p. 129 apud SILVA, 2008, p.
19). Este caminho para a análise facilita, a meu ver, a abordagem deste tema em sala de aula.
 
 
As atividades propostas possuem um caráter de sugestão, por isso, podem ser modificadas visando objetivos outros. No entanto, da maneira, como foram organizadas, elas não só privilegiam a discussão sobre fontes escritas e não escritas, fotografias, principalmente, mas também sobre diferentes temas como a escravidão em São Paulo na segunda metade do século XIX, o Hospício dos Alienados, o abandono de edifícios tombados por órgãos de 1 ROSEMBERG, Fúlvia; BRAZILLI, Chirlei; SILVA, Paulo V. B. “Racismo em livros didáticos brasileiros e seu combate: uma revisão da literatura”. In: Educação & Realidade, v. 27, n. 1, jan.-jun./2003, p. 125-46. preservação patrimonial e a história dos rios. Todos concatenados a fim de complexificar o tema central deste material didático que é a experiência histórica dos africanos livres na cidade de São Paulo.
 
 
Duração
Creio que as atividades propostas a seguir exigirão de sete a nove aulas de 50min cada. No entanto, a(o) docente deve ficar à vontade para remodelar, segundo seus objetivos, o percurso sugerido.
 
 
 
Público
Devido ao tema e à quantidade de atividades a serem desenvolvidas, sugiro que esta sequência didática seja desenvolvida em turmas de 2ª série do ensino médio no quarto bimestre no qual, segundo o Currículo do estado de São Paulo, já foram trabalhados os temas de escravidão e de abolição no Brasil (SÃO PAULO…, 2010, p. 68).
 
 
 
Atividades
 
1. Provocando o olhar para a discussão (uma aula) 
 
Proponho que, numa primeira aula, o(a) professor(a) apresente algumas imagens aos(às) alunos(as), como as que se encontram em anexo sob as numerações 1, 2 e 3. Estas podem ser tanto impressas no formato de pranchas quanto reproduzidas por um projetor, porém sem suas respectivas legendas, para que possa ocorrer um debate a partir dos conhecimentos prévios dos discentes. Após o contato das(os) estudantes com as imagens, deve-se pedir para que elas(es) falem sobre aquelas pessoas: para que formulem hipóteses de quem são, o que fazem, onde estão e até por que estão naquele lugar. Sugiro que a(o) docente conduza o debate e, sempre quando houver comentários preconceituosos, que os problematize perante à sala. Esta problematização não visa expor o(a) aluno(a) que fez, por exemplo, um comentário racista, mas sim demonstrar que há uma pluralidade de opiniões (dentro da própria turma, no caso) e que estas podem ir por outros lados da questão e não apenas por um reducionismo biologizante sem nenhum fundamento.
 
O objetivo do debate, nesta aula, é chegar a formulações próximas às apresentadas a seguir:
 
Nas imagens, os indivíduos que aparecem são imigrantes de alguns países africanos.
 
Eles estão, na cidade de São Paulo, (como as imagens 2 e 3 demonstram pelo chão – este calçamento pode ser encontrando em vários pontos no centro de nossa cidade) vendendo trajes e artefatos típicos daquilo que o ocidente consagrou como legitimamente africano2.
 
A partir do que foi levantado, o(a) professor(a) pode perguntar se alguém da turma já presenciou uma situação semelhante às apresentadas nas imagens. Em caso positivo, seria interessante solicitar ao(à) aluno(a) que mencionasse o local e que contasse um pouco do que estava fazendo no momento. Com isto, trazemos para a cena a experiência histórica do corpo discente que presenciou e ainda presencia estes processos imigratórios recentes para a cidade de São Paulo.
No final desta aula, sugere-se que a(o) docente peça às(aos) estudantes que pensem para a próxima aula, se quiserem pode até pesquisarem em sites, sobre as principais dificuldades que as(os) imigrantes provenientes de países africanos passam numa cidade como São Paulo.
 
 
 
2. O olhar sobre a imigração contemporânea de africanos para São Paulo (uma ou duas aulas3)
 
ATENÇÃO: Para que as atividades se desenvolvam conforme o planejado, será necessário, para estas aulas, que se reserve a sala de vídeo ou que se traga um projetor, um computador e caixas de som para a classe.
 
Sugiro que a segunda aula se inicie pelos relatos das(os) estudantes a partir do que foi proposto ao final do último encontro. Após a fala delas e deles, seria interessante que o(a) professor(a) fizesse uma síntese de tudo o que foi exposto. Em seguida, avisasse a turma de que elas(es) assistirão a dois vídeos sobre os imigrantes provenientes do continente africano em São Paulo. O primeiro possui 8min47s e o segundo 6min28s.
 
Proponho que os vídeos sejam reproduzidos em etapas distintas intercaladas com momentos de discussão. O debate pode ser suscitado através de perguntas que relacionam o que os(as) estudantes haviam levantado e o conteúdo que os vídeos trouxeram.
 
2 Nesta última formulação, busquei dar uma amenizada num discurso homogeneizador que diria que aquela produção material é, de fato, africana. Devemos, sempre quando falarmos em África, lembrarmos que ela é um continente e que possui uma pluralidade imensa de culturas, por isso, temos de especificar, na medida do possível, de quais lugares estamos falando, mesmo se observamos fenômenos que possuem uma grande abrangência.
3 Fica a critério da(o) docente seguir estritamente ou não as sugestões feitas. A proposta, aqui, seria a realização de discussões mais alongadas em aulas distintas para não saturar as(os) alunas(os).
 
 
 
 
O primeiro vídeo intitula-se “Nova onda de imigração atrai para São Paulo latinoamericanos e africanos”. É uma reportagem de Fernanda Perrin e Isadora Brant do jornal Folha de São Paulo do ano de 2015. O vídeo possui livre acesso no endereço eletrônico <https://www.youtube.com/watch?v=QCOgzk9WrPk&gt;. Há também a reportagem escrita no site da Folha (<http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2015/01/1579103-nova-onda-deimig…-atrai-para-sao-paulo-latino-americanos-e-africanos.shtml>) se interessar.
 
Após a execução do vídeo, sugiro que a(o) docente entregue ou projete as seguintes transcrições de algumas falas que aparecem em “Nova onda de imigração…”. Será, a partir da leitura coletiva destas transcrições, que se desenvolverão as discussões nesta aula. As discussões podem seguir o eixo temático que aparece em destaque adiante.
 
 
 
EIXO TEMÁTICO: Problemas levantados neste processo contemporâneo de imigração
 
 Massar Sarr, senegalês, secretário-geral da Associação Senegalesa de São Paulo (1min22s – 1min49s): “Vários problemas, como, por exemplo, aqui, só um: tem
preconceito, racismo, tem problema de documentações, problema de comunicações. Como, por exemplo, chega num hospital… vários problemas.
Muito, muito mesmo. Todos os lugares têm problemas”;
 
 Cleyton Borges, brasileiro, Centro de Referência e Acolhida para Imigrantes (2min28s – 2min42s): “Os imigrantes enfrentam uma discriminação típica da discriminação que já existe no Brasil. Eu vou dar o exemplo de classe, de raça, das mulheres africanas ou mulheres latinas, agravada pela questão da imigração”;
 
 Dulce Baptista, brasileira, professora da PUC-SP e pesquisadora do Observatório das Metrópoles (3min26s – 3min42s): “[O imigrante] se vê nessa vulnerabilidade. É meio perverso esse processo, quer dizer, ele é útil até quando é necessário. Depois, quando não é necessário, num momento de crise da economia, de aumento de desemprego, então, ele é o primeiro, realmente, que sofre todo esse processo de rejeição”.
 
O debate acerca destas falas pode seguir ou não o eixo proposto.
 
O segundo vídeo intitula-se “Os obstáculos encontrados por refugiados africanos no Brasil”. Ele é uma entrevista com Pitchou Luambo, um congolês que, há cinco anos, vive em São Paulo, ao programa Seu Jornal da TVT no ano de 2015. Este vídeo também possui livre acesso e pode ser encontrado no endereço eletrônico <https://www.youtube.com/watch?v=m&nbsp;JPnemnjnCU&feature=youtu.be>. Há também uma reportagem escrita acerca da entrevista no site Rede Brasil Atual (<http://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2015/11/&nbsp;preconceito-e-obstaculo-para-refugiados-africanos-6946.html>) se interessar.
 
Após a execução do vídeo, sugiro que o(a) professor(a) entregue ou projete as seguintes transcrições de algumas falas que aparecem em “Os obstáculos…” para desenvolver uma atividade semelhante à realizada com o outro vídeo.
 
A partir das falas desta entrevista, levantou-se um eixo temático que é de extrema importância para o prosseguimento das atividades propostas neste material didático. Por isso, recomenda-se fortemente que o debate, neste momento, aborde tal tema.
 
 
 
EIXO TEMÁTICO: O racismo aos imigrantes negros em São Paulo 
 
 Repórter (2min43s – 2min54s): “Quando você procurou... procurava emprego, você sentia muita dificuldade para encontrar, principalmente, porque a gente estava falando que existe essa barreira que é o preconceito racial? Você sofria isso no Congo? Ou foi aqui no Brasil que você sofreu pela primeira vez?”;
 
 Pitchou Luambo, congolês (2min55s – 3min27s): “Não. No Congo, como você é negro sem o racismo? Porque todo mundo é negro, não tem essa de preconceito.
Só que, aqui, quando você chega, aí uma pessoa te trata diferente, por quê? Não é que você acha que a pessoa te trata diferente... um dia, estava lá, queria pegar um táxi... um taxista não quis me levar. ─ Eu já fechei. [4] Só que uma moça saiu do mesmo ponto e entrou no táxi. Aí eu fui embora. Aí… como que está acontecendo? As pessoas fazem o racismo de tal maneira que a outra pessoa não pode perceber…”;
 
 Repórter (3min28s – 3min29s): “Isso te surpreendeu?”;
 
 Pitchou Luambo (3min31s – 3min43s): “Eh… antigamente, eu estava achando que era normal. Quando você apresentava o seu documento, sempre estava barrado. Tinha sempre outro motivo ou você tem que fazer tal coisa a mais…”;
 
 Repórter (3min43s – 3min48s): “Mas você tinha essa imagem de que o Brasil era país preconceituoso antes de chegar a sentir isso na pele?”;
 
 Pitchou Luambo (3min48s – 4min00s): “Nunca! Não… não… não… nunca tinha pensado… porque, para mim, eu nasci sem saber qual que era o preconceito, o racismo, entendeu? Nunca, nunca tinha pensado em nada. Só que aí, estou sentindo aqui, a começar a sentir aqui mesmo”.
 
4 Aqui Luambo está reproduzindo a fala do taxista.
 
 
 
Ao final da discussão sobre as respostas de Pitchou Luambo, sugere-se que a(o) docente faça a seguinte pergunta aos(às) estudantes: “O racismo que Luambo sofreu em São Paulo é devido à falta de informação da população?”5. Recomenda-se que o(a) professor(a) não responda à tal questão, mas apenas organize o debate entre as(os) alunas(os). A procura de uma resposta a esta indagação será o fio condutor para as próximas aulas. É ela que exige um tratamento histórico do problema do racismo, sobretudo na cidade de São Paulo, para com os negros, neste caso, estrangeiros.
 
Percebo o ocorrido com Pitchou Luambo como uma das formas de manifestação do racismo em nosso país que, infelizmente, muitos indivíduos passam por situações semelhantes mesmo sendo brasileiros. No entanto, não devemos esquecer o fato de ele, além de ser negro, ser também um imigrante. Por isso, que a imersão histórica a ser realizada será conduzida pelo tema dos africanos livres em São Paulo na segunda metade do século XIX. O racismo não começou neste período histórico, mas a análise deste contexto pretérito nos traz elementos para melhor entendermos parte das ações tomadas pelas pessoas em pleno século XXI.
 
Sendo negros provenientes de outros páises, pessoas, como Luambo, estranham ao chegarem ao Brasil e se depararem com esta violência que lhes ocorre apenas por possuírem um determinado fenótipo. Este racismo, por assumir características peculiares, como já apontei, toma também, como elemento para fundamentar o preconceito, o fato de estes indivíduos serem de outras culturas, não falarem o português à brasileira, etc. Tal prática, por parte dos brasileiros, demonstra um legado de nosso passado escravista que, infelizmente, se reinventou ao longo de mais de um século pós-abolição. É esta relação entre passado escravista e racismo atual que se pretende estimular nas(os) estudantes a partir da problematização da relações sociais dos africanos livres e dos imigrantes provenientes dos países africanos em São Paulo.
 
 
 
3. Recuperando o contexto da sociedade escravista brasileira dos Oitocentos (uma aula)
 
Proponho que esta aula seja pautada sobre os apontamentos realizados pelas(os) estudantes sobre o que elas(es) aprenderam acerca do referido período histórico. Se julgar
 
5 A tese de que seja sim fruto de insuficiência de informação é apresentada por Luambo numa de suas falas: “Nós [imigrantes] percebemos que está tendo muita discriminação, talvez por falta de informação” (6min02s – 6min08s).
 
 
 
 
necessário, uma pesquisa poderia ter sido solicitada ao final da última aula para que o debate possa se desenrolar por mais tempo.
 
O(a) professor(a) deve ir indagando as(os) alunas(os) sobre vários elementos que caracterizam a sociedade escravista brasileira do século XI X. Enquanto isso, ela(e) pode ir anotando na lousa os elementos levantados para que as(os) estudantes tenham um registro desta aula e para que possam, se julgarem necessário, retomar estes pontos antes de iniciar a aula seguinte que será um panorama geral dos africanos livres em São Paulo.
 
Os principais elementos que deverão ser levantados ao final desta aula são:
 O trabalho escravo no Brasil;
 De onde e como os escravizados vinham;
 A resistência ao regime escravista.
 
Para uma retomada rápida destes conteúdos, o(a) professor pode acessar o texto de Érica Turci intitulado “Escravismo no Brasil: a resistência de africanos e descendentes”, que está disponível no endereço eletrônico <http://educacao.uol.com.br/disciplinas/historia/&nbsp;escravismo-no-brasil-a-resistencia-de-africanos-e-descendentes.htm>. Estes elementos serão abordados novamente nas próximas aulas quando se discutir a condição específica dos africanos livres em São Paulo.
 
 
 
4. Um panorama geral dos africanos livres em São Paulo (uma aula)
 
Sugiro que, nesta aula, a(o) docente apresente algumas imagens aos(às) alunos(as), como as que se encontram em anexo sob as numerações 4, 5 e 6. Estas podem ser tanto impressas no formato de pranchas quanto reproduzidas por um projetor, porém sem suas respectivas legendas, como as da primeira aula. Estas imagens são detalhes de três fotografias de Militão Augusto de Azevedo, um famoso fotógrafo de São Paulo da segunda metade do século XIX, e que podem ser encontradas no acervo de fotografias do Instituto Moreira Salles.
 
O objetivo desta conversa inicial é levantar alguns papéis sociais da sociedade escravista brasileira em São Paulo, tomando como ponto de partida a presença dos mesmos nos registros fotográficos das ruas da cidade feitas por Azevedo.
 
A imagem 4 faz parte de uma fotografia de 1865 da rua que, hoje, é a 15 de novembro. Nela, aparecem, no primeiro plano, um homem, uma mulher e algumas crianças todos negros e descalços. Provavelmente, estas pessoas, estiveram ligadas à escravização.
 
Seria interessante que as(os) estudantes discutissem também a maneira como elas estão vestidas e como posam para o fotógrafo.
 
 
Imagem A – Fotografia de 1865 da rua que, hoje, é a 15 de novembro6.
 
 
A imagem 5 faz parte de uma fotografia de 1887 da rua São Bento. Nela, observamos um homem branco bem vestido que parece ter posses e algumas crianças brancas descalças.
 
Seria interessante se as(os) alunas(os), a partir desta fotografia, discutissem a condição de “liberdade natural” dos brancos e que, mesmo estando descalços como os negros na fotografia anterior, não passaram pela experiência de serem escravizados.
 
Imagem B – Fotografia de 1887 da rua São Bento7.
 
6 Imagem retirada do acervo de fotografias do Instituto Moreira Salles. O acervo pode ser consultado em <http://fotografia.ims.com.br/sites/&gt;. Acesso dia 14/11/2016.
 
 
 
Imagem C – Fotografia de 1887 da rua do Imperador, atualmente, Marechal Deodoro8.
 
Por fim, a imagem 6 faz parte de uma fotografia de 1887 da rua do Imperador, atual rua Marechal Deodoro. Nela, aparecem alguns carroceiros brancos, um deles conversando com um negro, que parece ser escravizado, já que está quase sem vestes. Esta imagem traz outro tema para discussão: outros indivíduos livres em São Paulo no período escravista e que não necessariamente estavam fixados no centro urbano.
 
 
 
Depois, deste levantamento de papéis sociais no período escravista em São Paulo, proponho que o(a) professor(a) inicie o tema dos africanos livres a partir da seguinte questão: havia pessoas provenientes do continente africano que não passaram pela experiência da escravização no Brasil naquela época? A resposta é positiva, mas não devemos esquecer que deve haver um curto debate entre os discentes. Só depois do mesmo, é que a(o) docente poderá falar do caso singular dos africanos livres.
 
Como este tema não parece ser conhecido por todas(os) nós, disponibilizei, a seguir, um texto que fornece informações para que o(a) professor(a) possa trabalhar o assunto com maior segurança. O que se encontra nos boxes são adaptações de duas publicações de Enidelce Bertin, especialista no tema, e que foram publicados em 2010 e 2013.
 
7 Imagem também retirada do acervo de fotografias do Instituto Moreira Salles.
8 Imagem também retirada do acervo de fotografias do Instituto Moreira Salles.
 
 
 
 
Box 1:
Nem escravos, nem libertos: os africanos livres A partir da lei de 1831, que tornou proibido o tráfico de escravos, as embarcações apreendidas por entrarem ilegalmente com escravos no país deveriam ser julgadas, no Rio de Janeiro, por uma Comissão Mista formada por representantes brasileiros e britânicos.
 
Uma vez comprovado o tráfico ilegal, os escravos eram liberados e recolhidos à Casa de Correção da Corte para que fossem protegidos da escravização. Passavam a ser chamados africanos livres e eram informados da nova condição. A pressão britânica pela abolição do tráfico incluía a tentativa de definir como africano livre todo africano que entrasse no país após 1831, independentemente de ter passado pela Comissão Mista no Rio de Janeiro […].
 
Mantidos sob a tutela do Estado, os africanos livres deveriam cumprir um tempo mínimo de 14 anos de trabalho ‘como libertos’, tanto em serviço público quanto a
particulares, até que alcançassem a capacidade para a autonomia, quando poderiam obter a carta de emancipação. Contudo, esse período de tempo se mostrou elástico, o que fez com que muitos africanos livres conseguissem a emancipação após mais de vinte anos sob a custódia do Estado ou de particulares. O direito à emancipação apenas se tornou efetivo a partir de 1853, e estava restrito àqueles que haviam cumprido o tempo de trabalho exclusivamente a particulares. Somente em 1864 a emancipação foi finalmente estendida aos africanos de estabelecimentos públicos.
 
Na Província de São Paulo, os estabelecimentos públicos que mais utilizaram a mão de obra dos africanos livres foram a Fábrica de Ferro São João do Ipanema, Colônia Militar do Itapura, Obras Públicas, Casa de Correção, Jardim Público, Hospício, Quartel, Santa Casa, Seminário das Educandas, Seminário Santa Ana. 
 
[…]Alguns dos estabelecimentos públicos localizavam-se distantes da zona central, como era o caso do Seminário dos Educandos de Santa Ana, na região norte, com
acesso pela ponte Grande (sobre o rio Tietê) e do Jardim Público e Casa de Correção, que se ligavam ao centro através da ponte da Constituição (sobre o rio Anhangabaú). Não sendo autossuficientes, os estabelecimentos dependiam do abastecimento externo realizado, em grande parte, pelos africanos livres. Assim, o transporte diário resultou em constantes e importantes contatos dos serventes com a cidade e com seus moradores.
 
Nos estabelecimentos públicos, a prestação de serviços além-portões era tarefa diária de parte dos serventes encarregados do abastecimento. Por essa razão, a convocação para serviços externos oferecia maiores oportunidades de contato com os demais trabalhadores da cidade. Esses encontros eram intensificados aos domingos e dias santos, quando as ruas da cidade eram procuradas por todos, e os laços de amizade e parentesco entre livres, escravos e libertos eram estreitados. Ou seja, a vivência dos africanos livres na cidade não foi estática, monolítica ou meramente passiva, mas, ao contrário, marcada pela circulação, que acabou por imprimir um aspecto de agitação, que não raro, causava desconforto naqueles moradores menos afeitos à marcante presença negra pelas ruas.
 
[…] Na documentação analisada referente à administração provincial, são recorrentes as solicitações de serventes, não apenas porque a urbanização aumentava a demanda por serviços dos estabelecimentos públicos de saúde, obras e correção, mas também porque, sem um corpo fixo de trabalhadores, a carência de mão-de-obra era suprida por meio do rodízio de africanos livres entre os diversos locais de trabalho.
 
[…] [Havia também a possibilidade destes africanos de] angariar dinheiro vendendo quitandas aos domingos e dias santos, quando autorizados. Além de exercer a função de cozinheira e lavadeira no Seminário das Educandas, Joaquina Conga conseguia, nas horas vagas, fazer doces para vender pelas ruas da cidade nos dias de descanso. Nem sempre, porém, os ganhos com as quitandas eram próprios dos africanos livres, senão dos seus ‘patrões’. Romualdo, por exemplo, vendia ‘quitandas, caxinés e outras coisas em tabuleiro pelas ruas’, em benefício do diretor do Jardim Público e da família do jardineiro do mesmo local.
 
[…] Portanto, o trânsito dos africanos livres por todas as áreas da cidade era facultado tanto pelas necessidades do trabalho, quanto pela circulação ‘livre’ nas horas de descanso, no final do dia, ou aos domingos e dias santos. Livre entre aspas porque, embora oficialmente não estivessem sujeitos à obrigação de portar bilhetes que autorizassem suas saídas, como no caso dos escravos, os africanos livres ficavam à mercê das apreensões policiais, principalmente se externassem qualquer indício de embriaguez ou de incômodo ao sossego público.
 
[Adaptado de BERTIN, Enidelce. “Sociabilidade negra na São Paulo do século
XIX”. Cadernos de Pesquisa do Centro de Documentação e Pesquisa em
História. Uberlândia: v. 23, n. 1, jan.-jun./2010, p. 115-32, grifos em Itálico meus].
 
 
 
 
Box 2:
 
[O serviço nos] Estabelecimentos públicos urbanos
 
No serviço público, os africanos livres trabalhavam como calceteiros, pedreiros, ferreiros, roceiros, cozinheiros, faxineiros, nos serviços de lavanderia, cuidados com
doentes, transporte de água e de alimentos, compras, serviços de jardinagem, limpeza de córregos e vias públicas, nos serviços de enxada e na quebra de pedras para calçamentos.
 
[…] A conveniência no uso dos africanos estava no fato de estarem tutelados pelo Estado e, como tais, terem de cumprir as determinações estabelecidas sobre prestação de serviços, o que pressupunha executar, incondicionalmente, as obrigações. Sendo assim, as africanas livres foram uma alternativa à falta de escravos e de trabalhadores naquele[s] estabelecimento[s].
 
Diferentemente dos serviços na região santista, os estabelecimentos sediados na Capital empregavam contingentes pequenos de africanos livres, mas nem por isso ofereceram melhores condições de vida ou proteção contra os abusos. Em contrapartida, também não os mantiveram isolados entre si nem evitaram o contato com a cidade e com seus outros habitantes, fossem eles escravos, libertos, livres, brancos ou negros. Embora os estabelecimentos fossem diferentes quanto ao tamanho e à função, os africanos livres recebiam tratamento semelhante quanto a vestes, alimentos, castigos e moradia, como pode ser observado nos principais estabelecimentos que empregavam africanos livres em São Paulo e que ajudaram a desenhar o cotidiano daqueles homens e mulheres na cidade […].
 
Os africanos moravam no próprio local de trabalho, muitas vezes em péssimas condições, como foi revelado em ofício do inspetor do Jardim Público ao presidente da
Província em 1848: ‘Faço chegar ao alto conhecimento de Vossa Senhoria que o quarto onde dormem os africanos livres, (…) está ameaçando ruínas e o telhado com o
madeiramento estragado prestes a cair com a menor ventania (…)’. Em algumas vezes, o administrador expôs claramente que os quartos coletivos eram senzalas nas quais os africanos dormiam trancados.
 
[…] As condições de moradia dos africanos não eram melhores do que a situação de seu vestuário. Parte integrante do pacote que os administradores deveriam oferecer, as vestes dos africanos apontam para o descuido do governo para com os tutelados. Os africanos livres recebiam uma troca de roupa por ano, composta, em geral, por calça, camisa e jaqueta para os homens e vestido e camisa para as mulheres. Essa escassez resultava em constantes pedidos dos administradores para autorizar a despesa com compra de novas roupas, como o que apresentou Thomé de Alvarenga, do hospício, em dezembro de 1860:
 
(…) Estando já estragada ou inutilizada a maior parte da roupa dos alienados e
africanos existentes neste hospício, feita em dezembro de 1859, e sendo preciso
fazer alguma para haver mais muda, a fim de facilitar a contínua lavagem dela,
assim como comprarem-se alguns cobertores necessários, junto tenho a honra de
representar a V. Exª o orçamento da despesa (…).
 
[…] para os administradores, o ideal do africano com trabalhador estava associado à prestação de bons serviços, zelo e bom comportamento, tal como se estabelecia para os escravos. A contrapartida do Estado aos bons préstimos eram a tutela e a proteção. Assim, quando os maus serviços ou os maus hábitos eram constatados, os administradores recorriam às autoridades policiais para a devida correção ou formalizavam perante a Presidência a reclamação pela falta cometida, o que podia acarretar ao tutelado em mudança de estabelecimento. Para os administradores, o trabalho era um meio de instrução, de controle e de utilidade dos africanos ilegalmente importados, por isso não toleravam nenhum tipo de insubordinação dos africanos livres, combatendo-a com castigo, prisão ou transferência de local de trabalho. Nesse sentido, podemos afirmar que a tutela do Estado sobre os africanos livres ocultava as intenções de manutenção da escravidão.
 
Entretanto, sem aceitarem a intimidação, os africanos seguiram resistindo às más condições de vida e buscando liberdade efetiva, como podemos constatar pelas histórias de vida recuperadas nos arquivos. […] A resistência dos africanos livres, por um lado, e a pressão dos administradores, por outro, tornaram o cotidiano nos estabelecimentos públicos repleto de tensão, revelando muito dos propósitos escravistas escondidos na tutela.
 
[…] Os africanos em geral resistiam da forma que podiam. Além da fuga, que foi muito comum nos estabelecimentos públicos, encontramos diversos casos de africanos que fingiam estar doentes, que se embriagavam e que desobedeciam aos feitores e administradores. A insubordinação dos africanos livres assumia claramente um caráter de luta para a liberdade […].
 
Ainda que houvesse uma legislação para definir o africano e para negar sua condição de escravo, a realidade de trabalho nos estabelecimentos públicos ou para arrematantes particulares insistiu em mostrar que no cotidiano as coisas se deram de modo diferente. O uso de africanos livres nas obras públicas apontava em direção oposta à transição ao trabalho livre, acenando para a expansão do trabalho forçado, ou seja, a exclusão dos africanos livres da discussão sobre o trabalho livre reflete o desinteresse da camada dominante em considera-los livres e emancipados. Segundo tal perspectiva, o uso de africanos livres através do trabalho compulsório relacionava-se com a necessidade do Estado em manter o controle sobre […] [esses indivíduos], muito mais do que com a alegada carência de trabalhadores disponíveis […].
 
 
 
Hospício dos Alienados
 
Fundado em 1852 pelo presidente da Província José Tomás Nabuco de Araújo, esse estabelecimento funcionou até 1862 em casa da Rua de São João, quando foi transferido para o prédio provincial da Tabatinguera, mesmo local anteriormente ocupado pelo Seminário dos Educandos. A partir de então passou a receber os alienados de toda a Província, que até essa data recolhidos nas cadeias públicas, de onde dificilmente saíam.
 
Em 1858 havia 31 alienados no estabelecimento e, em 1862, eram 34 os enfermos internados.
 
Os serventes eram alguns poucos africanos livres, em geral dois casos, que trabalhavam na ‘lavagem de roupa, limpeza e lavagem diária de grande parte da casa, e de muitos outros serviços’. Além disso, as africanas livres também ajudavam na enfermaria, ‘no tratamento das alienadas’[…].
 
Dada a constante presença de casais de africanos ao longo dos anos no hospício, parece ter sido essa a preferência de seus administradores. A manutenção de casais trazia algumas especificidades para o estabelecimento, como a administração de desavenças e, em casos de emancipação de um dos cônjuges, a saída de ambos do posto de trabalho.
 
Contudo, a preferência por casais no hospício encontrava limites na manutenção de filhos menores que resultassem em diminuição no ritmo de trabalho das mães e nos casos de conflitos entre os casais.
 
Notamos certa aproximação do estabelecimento com a realidade reivindicatória dos serventes, resultando em certa tolerância e poucas queixas contra a insubordinação […].
 
Contudo, não havia condescendência ao comportamento indesejável, como o dos casais José e Damiana ou de Paulina e Romão, que não cumpriam as obrigações no
hospício. ‘Tornando-se péssimo um casal de africanos livres destinados ao serviço deste estabelecimento, de nome José e Damiana mulher dele, pelo mau comportamento e vícios, peço a V. Exª. providências a fim de que sejam eles trocados por algum outro casal que melhor desempenhem o serviços a que são destinados[…]’. Em resposta, a Presidência autorizou o envio destes para os trabalhos na Serra de Cubatão em troca de outro casal. Já Romão e Paulina, ao fugirem do hospício em 1862, foram até a casa do curador geral dos africanos livres para se queixar de maus-tratos recebidos. Thomé de Alvarenga, administrador do estabelecimento, negou os castigos e acusou os africanos de mau comportamento. ‘[…]
 
Igualmente cumpre-me informar que esta africana tem por costume embriagar-se e viver constantemente em desarmonia com o marido por castigar-lhe com pancadas, bem assim que não só ela mas também o marido, pelo seu mau comportamento e desobediência são inúteis no estabelecimento […]’.
 
Reenviados ao hospício, continuaram insubordinados. No ano seguinte, Romão morreu e Paulina pediu remoção, juntamente com dois filhos pequenos, para a Santa Casa.
 
A alta rotatividade observada entre os serventes do Hospício dos Alienados pode ter relação com as emancipações, que obrigavam a constante renovação dos trabalhadores, além das transferências entre estabelecimentos.
 
[Adaptado de BERTIN, Enidelce. Os meias-caras: africanos livres em São Paulo no século XIX. Salto: Schoba, 2013, p. 71-5 e 91-2].
 
 
 
 
Como o objetivo desta aula é tecer um panorama geral dos africanos livres em São Paulo, a(o) docente não deve se apegar aos detalhes dos textos apresentados.
 
Sugiro que a aula se desenvolva a partir de uma conversa com as(os) alunas(os), fugindo do formato da mera exposição do contexto histórico por parte do(a) professor(a). As perguntas devem, na medida do possível, dialogar com as fotografias do século XIX que foram apresentadas à classe. Proponho que sejam feitas questões gerais, por exemplo:
 
 Como é possível que haja, em plena escravidão, africanos no Brasil que não tenham sido escravizados?
A partir desta pergunta, o(a) professor(a) pode fazer outras indagações aos(às) alunos(as) para que todos(as) relembrem as medidas que foram tomadas, na primeira metade dos Oitocentos, para a abolir o comércio de seres humanos provenientes do continente africano;
 
 Já que os africanos livres não eram nem escravizados nem cidadãos livres, como vocês acham que eles eram vistos pelo Estado brasileiro?
Com esta indagação, abre-se a oportunidade para que, por meio de interrogações à classe, todas(os) possam relembrar da condição de tutela dos libertos na escravidão brasileira e relacioná-la com a dos africanos livres;
 
 O que eles faziam em São Paulo? Onde trabalhavam?
Após algumas respostas das(os) estudantes, a(o) docente pode indagar a turma sobre quais os possíveis lugares nos quais os africanos livres poderiam trabalhar. Havendo a oportunidade, deve-se falar sobre a opção por lugares no contexto urbano, como alguns estabelecimentos públicos e, a partir disso, levantar questões sobre quais atividades estes indivíduos poderiam desempenhar, se podiam andar pela cidade, etc.;
 
 Como vocês acham que era ser um africano livre em São Paulo?
Tendo como base os apontamentos da classe, o(a) professor(a) pode perguntar sobre onde eles, provavelmente, moravam, como eram tratados pelos seus encarregados pelos estabelecimentos públicos, o que era esperados deles, etc.;
 
 Por fim, pode-se indagar se as(os) alunas(os) suportariam viver nas condições apresentadas. Provavelmente, a reposta será negativa, o que abre espaço para a(o) docente falar sobre as resistências empregadas por estes indivíduos.
 
Sugiro que, após a conversa, a(o) docente apresente algumas imagens aos(às) alunos(as), como as que se encontram em anexo sob as numerações 7, 8 e 9. Seria melhor se elas fossem impressas em tamanho reduzido e distribuídas alternadamente, fazendo com que cada aluna(o) ficasse com apenas uma delas. Em seguida, proponho que o(a) professor(a) peça à classe que traga, para a próxima aula, as informações sobre este estabelecimento, por exemplo, o que ele é, como foi utilizado, etc. Deve-se dar uma dica às(aos) estudantes, dizendo que este estabelecimento fica na Avenida do Estado, número 391, na Sé (São Paulo/SP).
 
As imagens são do prédio que um dia foi o Hospício dos Alienados de São Paulo, um dos locais que possuía, a seu serviço, alguns africanos livres e que legou bastante
documentação desta época.
 
 
5. O Hospício dos Alienados de São Paulo (uma ou duas aulas9)
 
ATENÇÃO: Para que as atividades se desenvolvam conforme o planejado, será necessário, para esta aula, que se reserve a sala de vídeo ou que se traga um projetor e um computador para a classe.
 
Esta aula deve começar com a contribuição das(os) alunas(os) sobre o edifício que aparece nas fotografias entregues na aula anterior. Após elas, o(a) professor(a) deve projetar as fotografias que os(as) estudantes levaram para casa, agora, com suas respectivas legendas.
 
Sugiro que o(a) docente faça perguntas à classe estimulando-a para que aborde as principais diferenças entre o estado da fachada do prédio nestes momentos: 2008, 2012 e 2016. O objetivo é fazer com que as(os) alunas(os) se atentem ao abandono da construção que, em tão pouco tempo, ficou destruída.
 
Em seguida, seria interessante que o(a) professor(a) começasse a conversar com a classe sobre a história daquele edifício. Como gatilho, proponho que duas imagens sejam apresentadas aos(às) estudantes (Imagens 10 e 11 - Anexos). Nelas, temos duas vistas aéreas do edifício que abrigou o Hospício dos Alienados de São Paulo.
 
Sobre estas imagens, sugiro que a(o) docente faça perguntas aos(às) alunos(as) a respeito do que aparece nestas vistas do prédio. O objetivo é que o rio Tamanduateí seja notado ao fundo.
 
Após a classe perceber que há um rio próximo, seria interessante que os(as) estudantes fossem indagados sobre a sua experiência com os cursos d’água de nossa cidade.
 
 
Questões, como estas, poderiam ser feitas:
 
 Alguém aqui conhece algum rio de São Paulo?
 Como são esses rios
 Qual a relação entre vocês e eles?
 
Estas três perguntas buscam não só delimitar como é nossa visão dos rios da cidade no século XXI, mas também fixar, assim, um contraponto ao que será discutido depois: a utilização do Tamanduateí para a lavagem da roupa dos internos do hospício por parte dos africanos livres.
 
 Por fim: Será que nossos rios foram assim?
 
Com esta última indagação, objetiva-se poder introduzir a discussão sobre como o rio Tamanduateí era utilizado pelos africanos livres que trabalhavam no Hospício. Como ponto de partida para esta conversa, proponho que o(a) professor(a) projete para a sala os mapas que
 
 9 Fica a critério da(o) docente seguir estritamente ou não as sugestões feitas. A proposta, aqui, seria a realização de discussões mais alongadas sobre diferentes tipos de fonte, como fotografias e mapas, tomando sempre o cuidado para não saturar as(os) alunas(os).
 
 
 
se encontram em anexo sob as numerações 12, 13 e 14. Eles são detalhes das imagens D, E e F.
 
Imagem D – Mapa da cidade de São Paulo em 188110.
 
 
 
 
Imagem E – Mapa da cidade de São Paulo em 190511.
 
Imagem F – Mapa da cidade de São Paulo em 191612.
 
 
 
 
Nestes detalhes de três mapas da cidade, podemos ver a progressiva alteração do trajeto do rio Tamanduateí que visava a diminuição das enchentes na região. Sugiro que a(o) docente estimule as(os) alunas(os) com perguntas para que levantem a principal diferença no que diz respeito a relação hospício-rio. Ao final das contribuições das(os) estudantes, terá, provavelmente, sido elencado o fato de que, antes, o curso d’água circundava o hospício e que, com as alterações, ele, há um século, não só está contido, como não possui mais uma relação direta com aquele local.
 
Para reforçar esta diferença entre estes tempos históricos do Tamanduateí, proponho que o(a) professor(a) projete para a turma as imagens 15 e 16 (Anexos) que trazem lavadeiras na Várzea do Carmo trabalhando e o rio como ele está atualmente. Sobre estas imagens, uma série de questões podem ser levantadas, mas as principais para o que, aqui, nos interessa são aquelas a respeito das atividades que eram realizadas no rio, o que implica numa forma diferente de se relacionar com os cursos d’água com a qual, operamos, infelizmente, há algum tempo.
 
Tendo percebido como era a região e a relação das pessoas com a mesma, a(o) docente deve iniciar uma conversa sobre o hospício em si por meio de questões semelhantes às seguintes:
 
 O que é um hospício?
 O que se pode encontrar nele?
 
Estas indagações visam matizar o preconceito dos(as) estudantes que, provavelmente, associarão o estabelecimento à cura dos loucos. O(a) professor(a) deve problematizar este posicionamento e afirmar que, no período, aquele era um espaço construído com o objetivo de isolar, na verdade, os indivíduos tidos como “incapazes mentais” e não de curá-los. Esta atividade, de fato, não buscava entender as causas de seus comportamentos, mas apenas separá-los das outras pessoas tidas, supostamente, como “normais”. Este pensamento ainda circula entre nós e deve ser questionado sempre que possível.
 
Por terem internos, o Hospício dos Alienados requeria uma série de serviços de limpeza que eram realizados pelos africanos livres. Esta informação pode ser levantada junto às(aos) alunas(os) por meio da indagação:
 
 
 
 
 Sabendo que alguns africanos livres trabalharam neste estabelecimento, quais seriam as atividades, por eles, desempenhadas?
Lembrando que alguns auxiliavam também na enfermaria, outra questão se faz necessária, tendo em vista de que falamos do século XIX:
 
 Por ser uma instituição que requeria cuidados em relação aos internos, vocês acham que havia alguma exigência de perfil para os africanos livres?
 
A resposta é positiva. O Hospício dos Alienados admitia apenas africanos casados cujo cônjuge pudesse trabalhar também na instituição. O objetivo, para a época, era evitar ações que eram tidas como típicas de negros solteiros, como a vadiagem e a embriaguez.
 
Por fim, com a discussão sobre o Hospício e suas especificidades feita, sugiro que o(a) professor(a) distribua para as(os) estudantes alguns documentos escritos (Documentos 1 e 2 – Anexos13) que serão trabalhados na próxima aula. Proponho que lhes seja solicitado que leiam, em casa, os textos e que tragam, para o próximo encontro, sobre o que eles se referem, de quando que são e para que foram escritos.
 
 
6. A experiência de Salvador, um africano livre (uma aula)
 
Seria interessante se esta aula iniciasse-se com as contribuições da classe sobre os documentos. Ambos foram escritos a mando do, então, Inspetor do Hospício dos Alienados no ano 1864. Eles revelam uma das dimensões da experiência histórica dos africanos livres: os conflitos cotidianos. Creio que, a partir de tudo o que já foi discutido nas aulas anteriores por meio de outros documentos, fique mais claro o que é apresentado nestes escritos. O primeiro é de março de 1864 e trata de um ofício enviado pelo responsável pelo hospício ao Presidente da Província de São Paulo relatando a solicitação da prisão de um dos africanos livres que trabalhavam em sua instituição devido à “sua má conducta e insubordinação”. O segundo é um ofício do Inspetor do Jardim Público ao Presidente da Província, relatando que possui a seu serviço dois africanos livres que podem ser transferidos ao Seminário das Educandas, que era outra instituição pública que dependia dos serviços destes africanos.
 
Este documento foi redigido um mês e poucos dias depois do primeiro.
 
O objetivo com estes escritos é fazer uma discussão por meio de indagações para as(os) estudantes a fim de estimulá-los a pensar sobre a experiência histórica de Salvador, um africano livre e sua esposa. Os documentos trazem dados bastante importantes para se pensar 
 
13 Ambos são transcrições feitas por mim de documentos digitalizados que se encontram sob a guarda do Arquivo Público do Estado de São Paulo sob as classificações: BR_APESP_GOVPROV_C5535A_000106 e BR_APESP_GOVPROV_C5535A_000113 respectivamente.
 
 
as escolhas que estes negros tutelados tiveram e que não podem ser vistos apenas como subordinados. A discussão deve chegar, no mínimo, às seguintes informações:
 
 Segundo o Inspetor do Hospício dos Alienados, Salvador e sua esposa comportavam-se de maneira insatisfatória na instituição, por isso, deveriam ser punidos por tal seja através da prisão ou da transferência;
 
 Vê-se que a transferência de fato ocorreu, porque, um mês e poucos dias depois, podemos perceber que Salvador e sua esposa encontravam-se servindo no Jardim
Público da cidade. No entanto, há uma diferença muito grande na maneira como o inspetor deste estabelecimento se refere aos africanos livres. Eles são uns dos seus
melhores funcionários. Seria muito proveitoso se uma questão fosse formulada à turma para que levantasse a hipótese do porquê desta situação. Creio que Salvador
e sua esposa não estavam satisfeitos com o trabalho que desempenhavam no Hospício dos Alienados e, por isso, fizeram de tudo para serem transferidos.
 
Quando a transferência de fato ocorreu, puderam desempenhar outras funções com muito gosto, tanto que são bem comentados pelo responsável do Jardim Público;
As escolhas e a agência histórica destes indivíduos são o foco desta aula e devem ser frisadas com bastante intensidade para que as(os) estudantes possam perceber que, mesmo sendo tutelados pelo poder público, estas pessoas conseguiram resistir num país no qual vieram compulsoriamente. A última aula sugerida por este material trará um fechamento da sequência de discussões a partir da perspectiva das(os) alunas(os).
 
 
 
7. Fechando as discussões (uma aula)
 
Vê-se que africanos livres e imigrantes atuais sofreram e sofrem de uma tutela por parte do poder público numa sociedade que é profundamente racista. Que, ao mesmo que os quer controlar, não quer se responsabilizar por nada e acaba os abandonando à sua própria sorte.
 
Neste encontro, sugiro que o(a) professor(a) convide as(os) estudantes a exporem seus pontos de vista sobre as atividades que foram desenvolvidas e que, depois das falas, que utilizem o espaço da aula para escreverem um texto sobre algo que lhes chamou a atenção em relação à experiência histórica dos africanos livres na cidade de São Paulo. Esta atividade pode contar para nota, mas gostaria de deixar um conselho: não leve em conta os erros de gramática, mas sim a mensagem que está sendo transmitida pelas(os) alunas(os). Tente entender o motivo pelo qual elas(es) escreveram determinadas frases e qual a relação entre elas. Devemos evitar um certo tipo de olhar sobre as pessoas que foi e ainda é largamente empregado quando se deseja discriminar alguém. A escola deveria ser um espaço de inclusão não só de pessoas no presente, mas também do passado. Seria interessante se, nas aulas de história, pudéssemos ter mais contato com experiências de indivíduos que não estavam ligados às instâncias de poder e que, mesmo assim, resistiram e mudaram as suas condições de vida. Creio que uma história dos acontecimentos políticos apenas não só não nos é mais atraente, como também se mostrou insustentável.
 
 
 
Referências bibliográficas
 
BERTIN, Enidelce. “Sociabilidade negra na São Paulo do século XIX”. Cadernos de
Pesquisa do Centro de Documentação e Pesquisa em História. Uberlândia: v. 23, n. 1,
jan.-jun./2010, p. 115-32
BERTIN, Enidelce. Os meias-caras: africanos livres em São Paulo no século XIX. Salto:
Schoba, 2013.
SÃO PAULO (ESTADO) SECRETARIA DA EDUCAÇÃO. Currículo do Estado de São
Paulo: Ciências Humanas e suas tecnologias. São Paulo: Secretaria da Educação;
coordenação geral, Maria Inês Fini; coordenação de área, Paulo Miceli, 2010.
SILVA, Paulo Vinicius Baptista da. Racismo em livros didáticos: estudo sobre negros e
brancos em livros didáticos de Língua Portuguesa. Belo Horizonte: Autêntica, 2008
(Coleção Cultura Negra e Identidades).
 
 
 
 
 
 
Anexos
 
Illmo. e Exmo. Senro.
 
Cumpro em levar a conhecimento de V. Exª. que hontem a tarde
sollicitei da Delega[cia14] de Policia da Capital aprizão de um
africa[no] de nome Salvador, que com sua mulher se achava destinado
ao serviço do Hospicio de Alien[a]dos, a meu cargo, cujo africano
pela sua má conducta e insubordinação não pode ser [con]servado no
Estabelecimento visto que em nada coadjuva no serviço, e só o que ali
faz é insultar desatender e provocar a todos os Empregados; por isso
rogo que V. Exª. se digne dar providenciais para que seja transferido
para outra qual quer parte, e substituído a qui por algum de milhor
condição. Deus Guarde a V. Exª. Hospicio de Alienados em São
Paulo 29 de Março de 1864.
 
Illmo. e Exmo. Senro. Dor. Francisco Ignacio Marcondes Homem Mello. Digmo. Presidente da Provincia 
 
O Administrador
Thomé de Alvarenga
 
Documento 1 – Ofício de 29 de março de 1864 do Inspetor do Hospício dos Alienados ao Presidente da
Província de São Paulo
 
 
14 Os trechos entre colchetes são inferências, já que não se pode ler o que estava escrito devido à deterioração do
suporte.
 
 
 
 
 
Illmo. e Exmo. Senhor
 
Em comprimento aportaria de V. Exª., na ql.[15] me ordena que
informe se há no Jardim Publico; alguns africanos livres que poSsão
ser dispensados para servirem na Seminario das Educandas desta
Cidade: visto qui pelo Juizo dos Orffãos concedeo-se carta de
liberdade aos serventuarios da quelle estabelecimento, tenho ahonra
de responder a V. Exª. que tendo acontecido o mmo. no Jardim só
deixarão os peiores africanos que lá existião, tendo apenas de milhor o
cazal de africanos de nome Salvador, esua mulher que V. Exª. se
dignou ______[16] me para serem empregados no Jardim ambos estes
estabelecimto. Exmo. Sr. estão privados de bons trabalhadores, he tão
sensivel afalta absoluta [sic.] deserventuarios no Seminario, que não
havendo outro meio, não haverão remedio de não mandar os referidos
africanos para os serviços ... pela Diretoria dos Educandos, ordenando
de V. Exª. aqui milhor cosinvier. Deos Ge. a V. Exª.
 
São Paulo 6 de Maio de 1864.
 
Illmo. e Exmo. Senro. Dor.
Francisco Ignacio Marcondes Homem Mello.
D. Prezidente da Provincia
 
Antonio Bernardo Quartim
Inspector do Jardim
 
 
Documento 2 – Ofício de 06 de maio de 1864 do Inspetor do Jardim Público ao Presidente da
Província de São Paulo
 
15 Qual.
16 Ilegível.
 
 
 
 
Imagem 1 – Fotografia de Soda Diop, uma senegalesa que vende roupas no centro da cidade. Retirada de <http://freakmarket-images.s3-sa-east-1.amazonaws.com/wpcontent/uploads/2015/12/11155201/soda-diop-estampas-africanas.jpg>. Acesso em 10/11/2016.
 
 
Imagem 2 – Imagem captada do vídeo “Nova onda de imigração atrai para São Paulo latino-americanos e africanos” aos 6min18s.
 
 
Imagem 3 – Imagem captada do vídeo “Nova onda de imigração atrai para São Paulo latino-americanos e africanos” aos 6min26s.
 
Imagem 4 – Detalhe da Imagem A, pagina 9.
 
 
Imagem 5 – Detalhe da Imagem B, pagina 9.
 
 
Imagem 6 – Detalhe da Imagem C, pagina 10.
 
 
Imagem 7 – Fotografia de 2008 do edifício que foi a sede do Hospício dos Alienados. Imagem retirada de <http://www.panoramio.com/photo/53171391&gt;. Acesso dia 17/11/2016.
 
 
Imagem 8 – Fotografia de 2012 do edifício que foi a sede do Hospício dos Alienados. Imagem retirada de <http://www.panoramio.com/photo/67397822&gt;. Acesso dia 17/11/2016.
 
Imagem 9 – Fotografia de 2016 do edifício que foi a sede do Hospício dos Alienados retirada pelo Google Maps dia 17/11/2016.
 
 
Imagem 10 – Vista aérea A de 2016 do edifício que foi a sede do Hospício dos Alienados retirada pelo Google Maps dia 17/11/2016.
 
Imagem 11 – Vista aérea B de 2016 do edifício que foi a sede do Hospício dos Alienados retirada pelo Google Maps dia 17/11/2016.
 
 
Imagem 12 – Detalhe da Imagem D, pagina 19.
 
 
Imagem 13 – Detalhe da Imagem E, pagina 20.
 
 
Imagem 14 – Detalhe da Imagem F, pagina 20.
 
 
Imagem 15 – Rio Tamanduateí na Várzea do Carmo no século XIX. Imagem retirada de <http://lemad.fflch.usp.br/sites/lemad.fflch.usp.br/files/imagefield_thu…;Acesso dia 13/12/2016.
 
 
Imagem 16 – Rio Tamanduateí atualmente. Imagem retirada de <http://blog.pittsburgh.com.br/pseudopapel/wp-content/uploads/2011/04/ri…;.
Acesso dia 13/12/2016.
Referencia
Graduandos