A construção do livro didático no Brasil: uso e transformações

Proposta de sequência didática
“A construção do livro didático no Brasil: uso e transformações”
Ana Carolina dos Santos Lebre- Nº USP: 8980711- 2º semestre/2014
A Escola no mundo contemporâneo: Vespertino

 


Introdução


Refletir sobre a história do livro didático no Brasil é também pensar na construção do espaço escolar no país. Em outras palavras, pode-se dizer que o papel que esses livros adquiriram ao longo da institucionalização do ensino, reflete não só as transformações na política educacional, promovidas pelo Estado e impulsionadas pelas intenções políticas e ideológicas, como também a forma com que os alunos e os professores lidaram com essa ferramenta.


Se, como afirma José Ricardo Oriá Fernandes, “a história do livro didático no Brasil está intimamente ligada à própria formação do Estado Nacional”, trabalhar essa história com os alunos se torna essencial, na medida em que auxilia na construção do pensamento critico sobre as transformações educacionais no país e na reflexão sobre o próprio cotidiano e o espaço da sala de aula.


Objetivos


Voltada para os alunos do ensino médio, a proposta da sequência didática é a de, justamente, elencar problemas, discussões e documentos que estimulem e possibilitem aos alunos a percepção histórica de um objeto que já faz parte de sua realidade escolar, o livro didático.


Duração: 4 aulas de 50 minutos cada


Organização das aulas – etapas e atividades AULA 1: O objetivo dessa aula é o de possibilitar que os alunos reflitam sobre a institucionalização formal do livro didático, através do confronto entre três documentos. O primeiro se refere a um trecho do Relatório de Ensino, escrito por Gonçalves Dias em 1852. O segundo, diz respeito a uma parte da legislação federal elaborada em 1938, a primeira a tratar especificamente da questão dos livros didáticos, enquanto o terceiro e último, traz um excerto da descrição do Programa Nacional do Livro Didático, de 1996.

 

A proposta é que os alunos leiam os documentos individualmente e que respondam às seguintes questões no caderno:

- A partir do documento I, qual o problema que Gonçalves Dias identifica na educação brasileira? Sua reclamação foi atendida pelas legislações posteriores?

- A partir das restrições de conteúdo fixadas na legislação de 1938, percebe-se que os livros didáticos passaram a ter uma função específica. Que função era essa? O que o país vivia nessa época?

- Quais as diferenças entre a percepção do livro didático em 1938 e em 1996? Nos 20 minutos finais da aula, a ideia é que as respostas levantadas pelos alunos sejam discutidas e debatidas coletivamente. Documento I “Sei que em matéria de instrução popular nada se pode fazer de salto; mas o tempo é um reformador demasiadamente lento, e cego o homem que não modifica as circunstâncias, como lhe vão sendo necessárias [...] Um dos defeitos, é a falta de compêndios: no interior por que os não há, nas capitais por que não há escolha, ou foi mal feita; por que a escola não é suprida, e os pais relutam em dar os livros exigidos, ou repugnam aos mestres os admitidos pelas autoridades”

– Gonçalves Dias, 1852


Documento II


“Decreto-lei nº 1.006, de 30 de dezembro de 1938 O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, usando da atribuição que lhe confere o artigo o artigo 180, da Constituição, DECRETA:


CAPÍTULO I - Da Elaboração e Utilização do Livro Didático


Art. 1º - É livre no país, a produção ou a importação de livros didáticos.
Art. 2º - Para os efeitos da presente Lei, são considerados livros didáticos os compêndios e os livros de leitura de classe.
§ 1º - Compêndios são os livros que exponham, total ou parcialmente, a matéria das disciplinas constantes dos programas escolares.
§ 2º - Livros de leitura de classe são os livros usados para leitura dos alunos em aula.

 

Art. 3º - A partir de 1º de janeiro de 1940, os livros didáticos que não tiverem tido autorização prévia, concedida pelo Ministério da Educação nos termos desta Lei, não poderão ser adotados no ensino das escolas pré-primárias, primárias, normais, profissionais e secundárias, em toda a República.

 

 


CAPÍTULO IV - Das Causas que Impedem a Autorização do Livro Didático
 

Art. 20 - Não poderá ser autorizado o uso do livro didático:
 

a) que atente, de qualquer forma, contra a unidade, a independência ou a honra nacional;
b) que contenha, de modo explícito, ou implícito, pregação ideológica ou indicação da violência contra o regime político adotado pela Nação;
c) que envolva qualquer ofensa ao Chefe da Nação, ou às autoridades constituídas, ao Exército, à Marinha, ou às demais instituições nacionais;
d) que despreze ou escureça as tradições nacionais, ou tente deslustrar as figuras dos que se bateram ou se sacrificaram pela pátria;
e) que encerre qualquer afirmação ou sugestão, que induza o pessimismo quanto ao poder e ao destino da raça brasileira;
f) que inspire o sentimento da superioridade ou inferioridade do homem de uma região do país, com relação ao das demais regiões;
g) que incite ódio contra as raças e as nações estrangeiras;
h) que desperte ou alimente a oposição e a luta entre as classes sociais;
i) que procure negar ou destruir o sentimento religioso, ou envolva combate a qualquer confissão religiosa;
j) que atente contra a família, ou pregue ou insinue contra a indissolubilidade dos vínculos conjugais;
k) que inspire o desamor à virtude, induza o sentimento da inutilidade ou desnecessidade do esforço individual, ou combata as legítimas prerrogativas da personalidade humana.
Documento III- Descrição do Programa Nacional do Livro Didático


“O Programa tem por objetivo prover as escolas públicas de ensino fundamental e médio com livros didáticos e acervos de obras literárias, obras complementares e dicionários.
O PNLD é executado em ciclos trienais alternados. Assim, a cada ano o FNDE adquire e distribui livros para todos os alunos de determinada etapa de ensino e repõe e complementa os livros reutilizáveis para outras etapas.


Um edital especifica todos os critérios para inscrição das obras. Os títulos inscritos pelas editoras são avaliados pelo MEC, que elabora o Guia do Livro Didático, composto das resenhas de cada obra aprovada, que é disponibilizado às escolas participantes pelo FNDE.

Cada escola escolhe democraticamente, dentre os livros constantes no referido Guia, aqueles que deseja utilizar, levando em consideração seu planejamento pedagógico.
Para garantir o atendimento a todos os alunos, são distribuídas também versões acessíveis (áudio, Braille e MecDaisy) dos livros aprovados e escolhidos no âmbito do PNLD.
O MecDaisy trata-se de uma ferramenta tecnológica que permite a produção de livros em formato digital acessível. Possibilita a geração de livros digitais falados e sua reprodução em áudio, gravado ou sintetizado e apresenta facilidade de navegação pelo texto, permitindo a reprodução sincronizada de trechos selecionados, o recuo e o avanço de parágrafos e a busca de seções ou capítulo”.

 


AULA 2:


O objetivo da aula é o de que os alunos possam, a partir da comparação entre imagens e textos de livros didáticos distintos, enxergar como as transformações na legislação educacional, discutidas na aula anterior, aparecem no conteúdo dos materiais escolares.
Nesse sentido, a ideia é que o professor utilize as capas dos livros didáticos abaixo para questionar os alunos sobre o projeto de educação implícito nas obras. Sendo assim, aproveitando a discussão da aula anterior, ele poderia fazer as seguintes interrogações: “como que ambos os livros se enquadrariam na proposta educacional de 1938?” “Quais os elementos que se destacam nas duas imagens?” E, sobre a primeira capa em específico, “quais os personagens que o autor valoriza para sintetizar
a História do Brasil”?

 

 

 

 

Partindo da análise das imagens, sugere-se que o professor problematize, então, a representação dos indígenas e dos negros nos livros didáticos. Nesse caminho, ele pode utilizar a descrição presente na obra “História Brasileira”, de S. Galvão (1930), para direcionar algumas questões aos alunos, tais como: “qual seria a função dos adjetivos empregados na descrição dos indígenas”?  “E os africanos”? “Que imagem a descrição da escravidão transmite dos escravos?” “Qual o argumento central do autor para questionar a escravidão”?

 

Durante o debate, o professor poderia citar ainda a recente obrigatoriedade das escolas em incluir a história e a cultura dos afro-brasileiros e dos indígenas, no currículo oficial. Nessa parte, os alunos seriam divididos em grupos para que, coletivamente, pudessem pensar em modificações que realizariam nos excertos analisados, para que eles se adequassem a essa nova legislação.

 

A proposta dos alunos deverá ser escrita e entregue ao professor na próxima aula.

 

 

Descrição dos indígenas

 

 

Descrição dos escravos

 

 

 

AULA 3:

 

A finalidade desta aula é a de estimular a reflexão dos alunos sobre a relação que professores e estudantes foram construindo com o livro didático.

 

Nos primeiros 15 minutos, contudo, propõe-se que o professor recolha as atividades da aula passada e as discuta com os alunos. Partindo das reflexões realizadas, a ideia é que ele apresente, então, um vídeo da campanha elaborada pelo MEC em 2009, cujo objetivo era o de estimular a preservação dos livros didáticos. (https://www.youtube.com/watch?v=R_dMMkX6e14)

 

Jingle da campanha


“Dos livros da escola temos que cuidar


Encape, proteja, não deixe rasgar


Os livros que usamos outros poderão usar


Dos livros da escola temos que cuidar


Não rabisque, não molhe, que ele vai durar

 

 

 

Os livros que usamos outros poderão usar”


Após a divulgação do vídeo, o docente pode indagar ainda se os alunos seguem as recomendações do MEC. “Eles encapam seus livros?” “Fazem anotações nele?” “Grifam?”. Enfim, “como se relacionam com os livros escolares?” “Eles guardam, doam ou vendem?”. Dessa discussão, propõe-se que o professor leia em voz alta os seguintes trechos de um artigo da professora Circe Bittencourt:


“A análise dos livros didáticos que passaram pelas mãos dos alunos nos mostram que houve formas de transgressão das normas prescritas. O livro, objeto sagrado foi profanado por alguns alunos-displicentes ou rebeldes. Escrever no livro didático era uma contravenção, mas, no convívio da sala de aula, alunos rabiscavam, acrescentavam informações, divagavam ou se comunicavam por meio do “objeto sacralizado”.


“O livro didático projetado pelos educadores, passando pelos editores e autores, possui uma outra história nas mãos dos professores e dos alunos”.


Circe Bittencourt

 

 

 

Após a leitura, sugere-se que o professor pergunte aos alunos se eles consideram que os livros didáticos têm de fato “outra história nas mãos dos professores e dos alunos”. Em outras palavras, eles interpretam que o conteúdo e o próprio livro didático podem ser reinventados na escola? Eles podem ultrapassar a finalidade com que foram sistematizados, por exemplo, pela legislação?

 

Desses questionamentos, o docente pode solicitar aos alunos que tragam na próxima aula alguns livros didáticos que tenham em casa e que entrevistem seus pais ou parentes sobre as memórias que guardam dos seus manuais escolares.

 

 

 

AULA 4:

 

Nessa última aula, a ideia é que, a partir dos materiais coletados pelos alunos, seja realizado um balanço sobre o papel do livro didático na sala de aula e suas transformações frente à inserção das novas tecnologias do mundo digital (E-books, dispositivos multimídia e etc.).

 

A proposta é que a classe seja organizada em círculo para que, na primeira metade da aula, os alunos possam apresentar os materiais que trouxeram e relacionar suas memórias individuais com a história do livro didático no Brasil.

 

Tendo em vista as ideias elencadas, o professor pode, então, questionar a função do livro didático num mundo em que o aprendizado se torna cada vez mais dinâmico. Desse modo, através da leitura de um trecho da tese de José Ricardo Oriá Fernandes sobre os livros didáticos no ensino de História, sugere-se que os alunos sejam divididos em grupos para que respondam às seguintes questões:

 

 

- De que forma os novos mecanismos podem auxiliar na construção do conhecimento?

-Vimos que os livros didáticos digitais já aparecem no Programa Nacional do Livro didático, vocês consideram que os manuais físicos conseguirão se adaptar ao “novo mundo”?

-José Ricardo traça uma diferença entre a importância dos livros didáticos para os alunos na década de 30 e para os alunos de agora, qual o impacto que os manuais escolares tiveram na sua formação de vocês?

 

Texto de José Ricardo de Oriá Fernandes

 

“Parto do pressuposto de que o ensino de História, através de seus conteúdos e temas, não está restrito aos livros didáticos propriamente ditos, nem tão pouco ao espaço da sala de aula. A construção do saber histórico se dá por outras vias, tais como os meios de comunicação (jornal, rádio, televisão), a comemoração de datas cívicas, a visita a museus, o estudo do meio com a observação dos bens culturais pertencentes ao patrimônio histórico e, mais recentemente, com os novos suportes de informação (internet, CD-ROOM, multimídia, DVD, áudio livro, entre outros).

 

Entretanto, nos anos 30 do século passado, dispúnhamos apenas do jornal, do rádio, do cinema e de revistas como meios de comunicação. Desse modo, o conhecimento de temas de história por parte da infância brasileira dava-se principalmente na escola e o livro didático exercia um papel importante nesse contexto”.

 

 

Bibliografia
http://www.brasiliana.com.br/obras/a-instrucao-e-as-provincias-vol-ii/p…
https://www.fnde.gov.br/fndelegis/action/UrlPublicasAction.php?acao=abr…
http://www.fnde.gov.br/programas/livro-didatico/livro-didatico-apresent…
http://lemad.fflch.usp.br/sites/lemad.fflch.usp.br/files/LEMAD-DH-USP_H…

 


Bibliografia indicada
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Práticas de leitura em livros didáticos. Rev. Fac. Educ. [online]. 1996, vol.22, n.1, pp. 89-109. ISSN 0102-2555.
FERNANDES, José Ricardo de Oriá. O Brasil contado às crianças: Viriato Corrêa e a literatura escolar para o ensino de história (1934-1961). Programa de Pós- graduação em Educação, 2009, São Paulo.

Referencia
Graduandos